“Não existe país no mundo que tenha esse estoque de dívida” (Luís Inácio Adams, advogado-geral da República)
Diz aqui. E se, de repente, com seu orçamento doméstico acusando baita déficit, mesmo sendo você credor, com absoluta legitimidade, de soma mais que suficiente para reequilibrar as contas, que providência prioritariamente se animaria a tomar? Concentraria esforços em negociações capazes de garantir o efetivo recebimento daquilo que lhe estivesse sendo devido, ou, deixando displicentemente de lado tal hipótese, sairia à cata, desenfreadamente, de outras fontes de recurso para tentar solucionar a pendência?
O governo federal, agindo na hora presente que nem barata tonta à procura de saídas para as crises enfrentadas, vem ignorando por completo, assumindo opções criticáveis, uma fonte de receita sumamente apreciável. São créditos em favor do erário tidos como líquidos e certos por quem conhece a fundo o assunto.
Alcançando estratosféricos patamares, a dívida ativa da União é estimada na atualidade, pela Procuradoria-Geral da Fazenda Pública, em 1 trilhão 460 bilhões de reais. Dinheiro pra encardir, como se costumava dizer, na saborosa linguagem das ruas, em tempos de antigamente. Para o advogado-geral da República, Luís Inácio Adams, a revelação constitui um tremendo absurdo. “Não existe país no mundo que tenha esse estoque de dívida”, deplora.
Análise sobre a momentosa questão, feita pelo jornalista André Barrocal na CartaCapital, lembra que o valor da dívida ativa é equivalente ao da lei orçamentária de 2016. Mais: a recuperação de apenas 2% da bufunfa correspondente aos débitos asseguraria as condições essenciais para a equipe econômica cobrir o déficit fiscal anunciado. Com a vantagem de afastar as ameaças contidas, no ajuste projetado, aos respeitáveis direitos sociais e trabalhistas.
A hipótese dos devedores pagarem 50% da dívida
Temos para mostrar, na sequência, a composição, em termos gerais, da dívida ativa federal: do total, 1 trilhão e 14 bilhões são de origem tributária; 313 bilhões, de origem previdenciária e 94,2 bilhões de não tributária. Os principais devedores, em bilhões de reais, integram as seguintes áreas de atividade produtiva: indústria, 236,5; comércio, 163,5; sistema financeiro, 89,3; setor rural, 13,6; construção (que também, faz parte, para inúmeros efeitos legais, do segmento industrial), 21,4; extrativismo (idem com relação ao que se disse sobre o setor da construção), 44,1; mídia, 10,8; eletricidade, 8,2; educação, 20,5; transporte, 36,4; atividades administrativas, 28,7; outros segmentos, 66,3. Entre os maiores devedores, 65% operam no eixo Rio-São Paulo.
A Procuradoria-Geral da Fazenda assinala que, no curso de dois decênios, o montante da dívida pública simplesmente quadruplicou, com um percentual sobre o PIB (Produto Interno Bruto) que já roça os 25 por cento. Pelos prognósticos dos técnicos fazendários, o montante dos débitos – hoje estimados, como já dito, em 1 trilhão e 460 bilhões – deverá elevar-se, até o final do ano, a 1 trilhão e 540 bilhões.
Lancemos, num voo condoreiro de imaginação, a hipótese de uma negociação ampla com os devedores, conduzida obviamente por pessoal especializado e idôneo, diferente dos pilantras de alto coturno que andaram promovendo as ações fraudulentas investigadas pela “Operação Zelotes”. Se os entendimentos relativos às contas em débito, abrangendo impostos, contribuições à Previdência, taxas diversas, multas ambientais, fossem conduzidas a bom termo, induzindo os devedores a saldarem, por exemplo, 50% das parcelas arroladas, o valor apurado poderia chegar a 770 bilhões. Aproximadamente a metade de toda a riqueza gerada pela economia nacional num semestre.
A questão da sonegação
Se, por outro lado, das negociações resultasse o recolhimento aos cofres públicos de um pouco menos, digamos 10%, a nota preta arrecadada corresponderia a 146 bilhões. Reduzindo um bocadinho mais o percentual – que tal 5%? –, seriam, ainda assim, 73 bilhões, importância bem superior ao déficit orçamentário. O trabalho jornalístico mencionado oferece cálculos impressionantes. Os números globais da dívida possibilitariam, entre outras coisas, distribuir um salário mínimo a cada brasileiro pelo período de nove meses, ou ainda zerar o déficit habitacional existente com a aquisição dos imóveis mais caros do programa Minha Casa, Minha Vida.
Temos aqui mais informações, danadas de desconcertantes, sobre o assunto. Nas pendências tributárias assinaladas, os caloteiros são organizações poderosas, com dívidas superiores, em média, a 15 milhões de reais. Os litígios pendentes de definições abarcam predominantemente os segmentos bancário, de extração mineral e energético. Os contribuintes, pessoas físicas e jurídicas, inscritos na dívida ativa, não passam de 13 mil, contingente numérico de bom tamanho para favorecer frutíferas negociações.
Indagações pertinentes emergem do que acaba de ser exposto. Será que não daria para os encarregados da política econômica, de maneira a desanuviar tensões causadas pelos incongruentes posicionamentos volta e meia assumidos, emitirem um sinal tranquilizador à sociedade brasileira, anunciando a disposição de recorrer, nesse momento de apertura financeira, à substanciosa fonte de receita sugerida pela própria Fazenda Nacional?
Seria pedir demais ao governo que colocasse sob o foco das atenções prioritárias, procurando eliminar o déficit nas contas orçamentárias, iniciativas viáveis que contemplassem com a seriedade recomendável a questão da sonegação e das infindáveis contendas dela decorrentes?
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Cesar Vanucci é jornalista