Política fiscal pode ser um assunto muito chato para a maior parte das pessoas, exceto quando se anuncia um aumento de impostos, quando aparece um grande escândalo ou, é claro, quando o manejo das finanças públicas é o tema central de um processo de impeachment. Na prática, uma boa gestão orçamentária é fundamental para o funcionamento da economia e para o bem-estar de cada um. Houve motivos mais que suficientes, portanto, para os jornais se esforçarem, na primeira semana de julho, para antecipar a meta fiscal do próximo ano.
Ninguém chegou lá, mas todos fizeram uma parte do jogo – da imprensa e, talvez, do próprio governo. Anunciada na quinta-feira, dia 7, a meta foi mais apertada do que havia antecipado a maior parte do noticiário. A promessa do governo é fechar 2017 com um deficit primário, isto é, sem a conta de juros, de até R$ 139 bilhões. O limite fixado para este ano é um buraco de até R$ 170,5 bilhões.
O aperto, segundo as informações oficiais, será maior que a diferença entre os limites indicados para este e para o próximo ano. Se a tendência se mantivesse, o rombo poderia chegar, em 2017, a R$ 194 bilhões, de acordo com dados da Fazenda e do Planejamento. O acerto, portanto, será de R$ 55 bilhões. Como chegar lá?
Mesmo sem conhecer esse número, os jornais tentaram dar pistas de como seria o ajuste. Privatizações e concessões poderão render entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões em 2017, noticiou a Folha de S. Paulo em 04/7, segunda-feira, com base em fontes do Ministério da Fazenda. Segundo a mesma notícia, cenários apontavam um deficit entre R$ 135 bilhões e R$ 150 bilhões no próximo ano.
Um possível aumento de imposto foi mencionado no dia seguinte pelo Estado de S. Paulo. O jornal citou também a disputa entre a ala econômica e os conselheiros políticos do governo. Entre estes haveria defensores de um deficit de até R$ 170 bilhões, R$ 20 bilhões acima do pretendido, segundo a matéria, pelo pessoal da ala econômica. Na edição de terça, todos noticiaram também o discurso do presidente interino Michel Temer no dia anterior, em um fórum do agronegócio. O presidente havia anunciado, sem dar detalhes, medidas impopulares para reforçar a política de ajuste.
Na quarta, o Globo indicou a possibilidade de aumento da Cide, a contribuição cobrada sobre combustíveis. Foi uma tentativa, também baseada em fontes do governo, de esclarecer o possível aumento de tributos. De acordo com a mesma reportagem, a meta poderia incluir um deficit de R$ 160 bilhões, muito próximo, portanto, do programado para 2016. No mesmo dia o Valor deu destaque à opinião de analistas do setor privado: o mercado rejeitaria a repetição do deficit de R$ 170,5 bilhões. Isso “provocaria um desgaste na credibilidade da equipe econômica”, já afetada, de acordo com o jornal, pelo atraso na adoção de medidas fiscais de curto prazo.
A meta, afinal, veio abaixo dos números indicados pela imprensa, nos dias anteriores. O presidente interino havia dado força à equipe econômica, afirmaram as matérias publicadas na sexta-feira, e a tese do aperto maior foi vencedora. Pode ter sido uma casualidade, mas uma cifra bem abaixo de R$ 170 bilhões, e até pouco abaixo de R$ 140 bilhões, tornou a mensagem mais convincente para quem cobrava um ajuste mais duro que o defendido pelos políticos.
Os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e do Planejamento, Dyogo Oliveira, confirmaram, durante a apresentação dos dados, a intenção de buscar até R$ 30 bilhões com a venda de bens federais e com leilões de infraestrutura. Alguma economia deve ser conseguida, segundo adiantaram, com pente fino em despesas. Deve haver, por exemplo, uma revisão crítica de gastos da Previdência.
Mas negaram planos imediatos de elevação de tributos. Devem voltar ao assunto no fim de agosto, quanto mandarem ao Congresso o projeto de Orçamento do próximo ano. Esta foi a mensagem explícita. Mas no fim de agosto, é claro, o processo de impeachment deverá estar concluído e o anúncio de medidas mais duras será mais fácil. Esta parte nenhum ministro explicitou.
Como o anúncio foi no começo da noite, o tempo foi curto para a preparação do material e o fechamento da edição. Nem todos informaram, por exemplo, as projeções econômicas tomadas como bases para os cálculos do orçamento. Além disso, o Valor se diferenciou por haver destacado na cobertura os resultados fiscais previstos para os Estados e para as empresas estatais. Com a adição desses números, o deficit primário do setor público poderá chegar a R$ 143 bilhões.
A definição da meta para 2017 foi ,sem dúvida, o assunto mais quente da semana e as equipes dos grandes jornais deram duro para enfrentar a tarefa, mas sem grandes sacadas. O lance mais notável da semana foi provavelmente do Globo.
A Justiça havia decidido, na semana anterior, adiar a liberação de presos da Lava Jato, o empreiteiro Fernando Cavendish e o bicheiro Carlinhos Cachoeira, para ficar em casa, mas faltavam tornozeleiras. A história parecia no mínimo bizarra, mas só um jornal decifrou o assunto.
“Mercado de tornozeleiras eletrônicas dispara no país”, noticiou o Globo em manchete na segunda-feira, 04/7. Segundo a reportagem, o equipamento é usado por 19 mil pessoas no Brasil e a maior empresa do setor cresceu 296% entre 2011 e 2015. O crescimento do negócio poderia ter sido maior, de acordo com a matéria, mas alguns Estados, incluído o Rio de Janeiro, atrasaram pagamentos a fornecedores.
Não só hospitais, escolas, Polícia e Corpo de Bombeiros, afinal, foram prejudicados pelos calotes do governo do Rio. Fabricantes de tornozeleiras também foram afetados e nem a Operação Lava Jato escapou.
Pautas como essa sempre fizeram diferença. Continuam fazendo.