Um ataque frontal à Educação ocorre neste momento, no Brasil. Iniciado nos primeiros meses do governo Bolsonaro e agravado com medidas recentes, tem por objetivo o sucateamento da universidade pública e das pós-graduações, notadamente nas “Humanidades”, cujas novas bolsas foram extintas.
No entanto, quem acompanha o tema através da mídia – seja ela impressa, televisiva ou cibernética – dificilmente terá uma visão da gravidade e da ameaça ao futuro do país que tal ataque à Educação representa. Pois os veículos noticiosos têm se limitado a fornecer uma cobertura parcial, episódica, pouco profunda e desproporcional à gravidade do tema, a qual, na prática, impede que se tenha uma visão sistemática do que está ocorrendo.
Fator pandemia
É possível que a justa indignação pela morte de mais de 100 mil pessoas na pandemia de Covid-19, em grande parte devido à negligência e ao negacionismo presidencial, esteja legando a um segundo plano a atenção pública e midiática ao sucateamento das universidades e ao desmanche da pós-graduação empreendidos pelo governo Bolsonaro.
No caso da pandemia, trata-se de efeito de omissão; no do desmanche da Educação, de política deliberada: seja por suas alianças com o oligopólio das universidades privadas, por ódio ideológico, ou por interesse eleitoral na manutenção da ignorância, o fato é que o atual governo elegeu a Educação como um de seus principais inimigos. E, se no meio ambiente o ministro admite usar a pandemia para “passar a boiada, por que na Educação seria diferente?
Falhas na cobertura
Mesmo em um cenário tão deflagrado e ante tal ameaça, a cobertura de Educação tem sido morna e lacunar. Para começar, praticamente não é feita, por um lado, uma diferenciação clara entre o que é mera intenção do governo e o que é decisão efetiva, imposta por medida provisória ou após aprovação do Congresso. Ou seja, a mídia falha ao não oferecer continuidade de cobertura, o que, por sua vez relaciona-se com exiguidade de espaço dedicado ao tema Educação. A incerteza decorrente tende a ser desmobilizadora e agravada pela guerra de versões das redes sociais, no contexto de um governo cuja militância tem fake news como método precípuo. Com o público mal informado quanto ao tema, o governo de extrema-direita, sob pouca pressão e baixa supervisão, fica mais à vontade para fazer tudo o que está ao seu alcance para destruir a universidade pública.
Por outro lado, com extrema raridade os efeitos de tais medidas têm sido objeto de interesse midiático: contam-se nos dedos as matérias que mostrem o estado das universidades no governo Bolsonaro, com goteiras, aparelhos quebrados e falta crônica de insumos básicos como giz ou papel higiênico; que relatem o cotidiano de professores, cujos salários congelados foram, na prática, reduzidos ainda mais após a reforma previdenciária, sem verbas para pesquisas, coagidos por patrulhas ideológicas; e que deem a menos uma ideia do que é ser estudante, hoje, numa universidade federal tão pauperizada e com cada vez menos auxílios para moradia, locomoção e alimentação, além de nenhum incentivo para o desenvolvimento de uma carreira de pesquisador.
Hegemonia economicista
Esse quadro, além de demonstrar, uma vez mais, as dificuldades (ou indisposições) da mídia para refletir a gravidade das antipolíticas de Bolsonaro, permite correlacionar aspectos estruturais do modo como ela tem se relacionado, de forma geral, com temáticas educacionais desde a primeira ascensão do neoliberalismo no Brasil, com a eleição de Collor (1989). É quando assomam ao primeiro plano, na mídia, tornando-se hegemônicos, analistas simbólicos afinados a premissas do Consenso de Washington e em cujas estratégias discursivas “a economia de mercado é traduzida como resultado de uma natureza eterna e imutável do homem e, assim, legitimada com todas suas distorções junto à consciência do homem comum, pouco afeito à complexidade técnica do processo econômico”, como interpretou Muniz Sodré (in: Moraes, 2003, p. 35).
Durante todo esse período, a Educação tem sido duplamente submetida a uma lógica economicista: por um lado, predominam os rankings, com metodologias classificatórias diversas entre si e quase nunca abordadas, porém tratados como sistemas avaliatórios infalíveis para medir de qualidade de ensino a desempenho de professor. Por outro, através de uma espécie de “discurso meritório”, implícito mas amplamente difundido pelas empresas de jornalismo, para o qual o investimento público em Educação deve priorizar, além dos tais rankings, quesitos como contribuição para o avanço científico da sociedade, relevância social do campo de estudo e situação socioeconômica do aluno.
Futuro comprometido
A adoção de tais premissas valorativas pela mídia significa, na prática, uma concepção da Educação marcada por uma espécie de “liberalismo positivista”, que traz em seu bojo a recusa a uma concepção da Educação como direito social igualitário – e, assim, um desprezo por preceitos constitucionais. É uma visão que, ante uma política de radical desinvestimento na Educação, tal como agora vivenciado pelo Brasil, prefere martelar na tecla da cobrança de mensalidades em universidades públicas – uma velha bandeira que une boa parte da mídia e os setores mais retrógrados da sociedade brasileira – a denunciar a afronta à Constituição e o comprometimento do futuro de gerações, de pesquisas científicas, do desenvolvimento do país.
É, ainda, uma visão que, na contramão do que hoje vige em países com Educação avançada, limita-se ao tecnificismo, desprezando a dimensão da universidade como experiência social de formação e crescimento, não só através do estudo, mas também da pesquisa, da extensão, da interação com colegas, professores, ambientes e situações. De tudo que, como gosto de dizer a formandos, tem feito, nos últimos 100 anos, da universidade pública brasileira uma experiência civilizatória. É isto que querem destruir.
Espanta que a mídia jornalística aparente não se dar conta de que tal ameaça atenta contra seu próprio futuro.
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Maurício Caleiro é jornalista e doutor em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF).