Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Argentina fecha jornais e demite funcionários

Imagem: Reprodução/Buenos Aires Herald

No dia 31 de julho deste ano, o antigo jornal argentino de língua inglesa, Buenos Aires Herald, fechou as portas. Há 140 anos em atividade, o periódico tornou-se famoso por ser o único a denunciar os crimes de lesa-humanidade promovidos pelo Estado, na época da ditadura entre os anos 1976 e 1983.

O jornal, que atingiu o auge nas mãos do editor britânico Robert Cox, teve seu declínio quando deixou de ser comandado por estrangeiros. Em 2007, foi comprado pelo argentino Sergio Szpolsky e, posteriormente, Cristóbal López. Ambos empresários próximos da ex-presidente Cristina Kirchner.

Ademais, no dia 8 de junho, cerca de 3.000 jornalistas foram às ruas no centro de Buenos Aires protestar a favor de melhores salários e contra demissões. Segundo a SIPREBA (Sindicato de Imprensa de Buenos Aires), “no último semestre, a precarização endêmica da atividade jornalística se agravou com a perda de mais de 2.000 postos de trabalho, públicos e privados, em um contexto nacional de quase 200 mil demissões em todas as atividades”.

O salário médio mensal de jornalista na Argentina é de 19.647 pesos argentinos, o equivalente a 1.134,62 dólares americanos e 3.552,25 reais.

O fim de uma era

Criado em 1876 pelo editor escocês William Cathcart, o Buenos Aires Herald tinha o objetivo de informar a comunidade britânica, formada por comerciantes, construtores e ferroviários, na Argentina. Com o tempo, ganhou importância política quando tornou-se contrário ao nazismo entre os anos 1930 e 1940.

O envolvimento político se fortaleceu quando Cox, mesmo diante das ameaças dos generais da ditadura militar, expôs crimes e publicou nomes de pessoas desaparecidas e indevidamente presas, salvando vidas. Enquanto os jornais do país sofriam pressão e censura, o Buenos Aires Herald garantia independência porque seus donos, editores e jornalistas não eram argentinos.

Tudo mudou em 2007, quando o empresário kirchnerista, Cristóbal López, comprou o jornal. Na Argentina, López também é dono do conglomerado empresarial e midiático Grupo Indalo. Durante a gestão da presidente Cristina Kirchner (2007-2015), o Buenos Aires Herald recebia verba publicitária para manter-se a favor do governo.

Com a eleição de Maurício Macri em dezembro de 2015, essa fonte de investimento perdeu-se. “No início de 2016, havia 28 pessoas trabalhando na redação. Em novembro do ano passado, a maioria da equipe foi demitida. Antes de fechar, éramos apenas seis pessoas, mais os colaboradores externos”, explica Sebastián Lacunza, ex-editor do Buenos Aires Herald.

Com redação mínima, o diário passou a ser semanal até encerrar de uma vez as atividades. “Os últimos dois anos e meio foram de cortes sucessivos nos recursos e demissões de pessoas. Isso, é claro, afetou a equipe editorial que, no entanto, manteve um compromisso firme com a história e o presente do Herald. Foram anos muito difíceis.”, lamenta Lacunza.

Sobre os motivos de fechamento do jornal, o editor prefere se manter neutro: “Os motivos devem ser explicados pela empresa que tomou a decisão, não quero agir como seu porta-voz. Nos últimos anos, a gestão comercial e empresarial mereceu objeções profundas, mas não é apropriado torná-las públicas. O mundo sabe que há múltiplos conflitos econômicos sobre a mídia, na Argentina e no mundo, mas não sei se essas foram as razões do encerramento”.

Imprensa X Governo

De acordo com uma pesquisa publicada pelo Comité para la Protección de los Periodistas, En la confrontación entre el gobierno argentino y la prensa, pierde el periodismo, o embate de interesses entre os Kirchners e a mídia (em especial, o Grupo Clarín) começou em 2008, no primeiro mandato de Cristina, por conta da implementação de taxas de exportação para o setor agrícola.

Diante a decisão governamental, o Clarín se posicionou a favor dos agricultores, que protestaram contra a medida. A pesquisa também aponta que os Grupos Clarín e La Nación são os principais organizadores da Expoagro, feira de agricultura e pecuária anual de relevância da Argentina.

A revolta se acentuou com a sanção da Lei de Serviços e Comunicação Audiovisual, de 2012, cujo conteúdo dizia que nenhum conglomerado poderia ter mais do que 24 concessões de TV a cabo e dez de rádio e televisão aberta. “O Grupo Clarín possui dez vezes mais licenças de cabo do que o número autorizado, além de quatro canais de televisão; uma rádio FM, dez rádios AM e o jornal de maior tiragem do país”, explica texto divulgado, em 2012, no Observatório do Direito à Comunicação. “Muitos pontos dessa lei significaram um avanço em termos de federalização de conteúdo e criação de pequenas mídias em todo o país. A Lei de Mídia foi um bom instrumento, mas não acho que tenha sido criada para fins totalmente sagrados”, comenta o jornalista do Diário La Nación, Alfredo Ves Losada, 38 anos.

Ele acredita que o objetivo central era desmantelar o Grupo Clarín, por conta de sua importância política e econômica. Para o jornalista, grande parte dos meios de comunicação argentinos mantiveram uma relação hostil com o kirchnerismo.

Aqueles que apoiavam o governo Kirchner eram subsidiados por publicidade de Estado, e com o fim do mandato, perderam fontes de financiamento. “Isso limitou a multiplicidade de vozes ou pontos de vista editoriais”, expõe Losada.

Com a posse de Macri, foi decretada o fim das agências reguladoras da comunicação midiática argentina. O jornalista esclarece que o presidente emitiu um decreto para revogar os aspectos mais fortes da Lei (o que, na prática, significava o fim da mesma). A decisão pôs fim aos aspectos questionáveis, mas também aos que pareciam mais auspiciosos.

O atual cenário é de “lua de mel entre a mídia e a Casa Rosada”, brinca Losada. Segundo ele, o contato de funcionários com jornalistas é mais fluido do que antes, e as conferências de imprensa são comuns, o que não acontecia durante os 12 anos de administração do Kirchnerismo.

Além disso, para o diretor do curso de comunicação e jornalismo da Universidade Católica Argentina, Hernán Carlos Cappiello, há um respeito maior pelo trabalho jornalístico e pelos ataques do passado, quando o governo montou políticas de perseguição aos jornalistas que não compartilhavam com mesmas idéias.

No entanto, Losada enfatiza que à medida que os meses passam e o governo desenrola sua própria ação governamental, os questionamentos também surgem, como acontece neste momento preciso, no qual o desaparecimento de um jovem é investigado (Santiago Maldonado), referindo-se à comunidade indígena Mapuche, que é suspeita de ser reprimida e seqüestrada por uma das forças de segurança do Estado.

Condições de trabalho

Nos últimos seis anos, o sindicato da imprensa sofreu reduções salariais. Desde a chegada de Macri, centenas de demissões na mídia em todo o país foram noticiadas. Isso teve efeito igualmente prejudicial em mídias mais consolidadas: tanto La Nación quanto Clarín organizam esquemas de retirada voluntária para diminuir a quantidade de funcionários.

“A imprensa argentina provavelmente atravessa o pior momento em termos de estabilidade e falta de emprego desde a recuperação da democracia em 1983. Isso é explicado pelos próprios problemas do país, mas também pelo contexto global de explosão da Internet e da mídia eletrônica.”, justifica Losada.

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Fernanda Campos Almeida, 21 anos cursa jornalismo na UPM (Universidade Presbiteriana Mackenzie) e atua como criadora de conteúdo para a empresa Mobocity

Maria Catarina Mazzitello, 21 anos, atriz e estudante de Jornalismo da Universidade Mackenzie de São Paulo. Estagiária de Comunicação da empresa Albaugh Brasil.