A imprensa e os meios de comunicação vivem dias difíceis. Em época de quebra de paradigmas, a classe assiste a uma tendência de demissões de colegas, fechamento de jornais, revistas e rádios, ao aumento da desconfiança em detrimento da credibilidade e, principalmente, à falta de rumo.
Os tempos são árduos, não apenas para entender, mas explicar, ou ainda propor direções que possam reverter o quadro. Análises se multiplicam quase na mesma velocidade que problemas. Porém, há um certo ponto de partida velado, uma linha de raciocínio no inconsciente dos comunicadores: a canonização do leitor. Pode ser algo herdado de um pensamento comercial, em que o mote é “o cliente sempre tem razão”. Mas, a verdade é que o esforço em buscar um horizonte ensolarado para a mídia parte sempre da mesma premissa.
E se o problema estiver na demanda? Afirmar pode ser precipitado, mas descartar também pode ser um erro. Fique à vontade em discordar, mas, por favor, não me condene a um extremo: canoniza-se o leitor ou isenta-se a imprensa de erros. Nenhum, nem outro. A ideia é observar por outro prisma.
Não foram apenas as ferramentas e estruturas dos veículos de comunicação que mudaram. Não se trata apenas de uma escala de evolução traduzida em um infográfico que apresenta pinturas rupestres, escritas em carvão, papiro, máquina de escrever, até ao smartphone. Claro, os meios mudaram, mas o processo base da comunicação (emissor e receptor), não. Lógico que há ruídos e outros elementos, mas a base é a mesma.
O receptor é diferente. Perfil, mentalidade, forma de processar a informação, bagagem de conhecimento já são outros. O que era singular, se pluralizou. Se antes destacava-se quem acumulava conhecimento, hoje, é quem seleciona e foca no que entende ser pertinente.
A queda na busca por informação pelos canais tradicionais potencializa a criação de novos meios, que em “tentativa e erro” comprovam sua eficácia. Mas há algum indício que possa traçar o perfil do leitor contemporâneo?
Em 2014, a pesquisa “Argumentação, Livro Didático e Discurso Jornalístico, Vozes Que se Cruzam na Disputa pelo Dizer e Silenciar” atestou que alunos brasileiros não sabem argumentar. A dificuldade desta geração seria em expor ideias, sustentar pontos de vista próprios em redações e criar teses que se tornam tarefas árduas para os estudantes do Ensino Médio.
Diversificação de abordagens.
A pesquisa serviu como tese de mestrado para a pedagoga Noemi Lemes na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. Ela analisou livros didáticos e redações produzidas por alunos do terceiro ano do Ensino Médio de escolas públicas. Foi constatado que a dificuldade está, em grande parte, ligada ao modo como os materiais de apoio abordam a argumentação, usando quase exclusivamente como exemplos produções da imprensa.
“Quase sempre é apresentado um único texto jornalístico sobre determinado assunto, expressando um ponto de vista que os alunos tendem a reproduzir”, explica. A conclusão não condena a imprensa exclusivamente, mas destaca sua influência. Esse novo leitor não pode ser considerado apenas fruto de experiências e más escolhas da mídia, como um Frankenstein.
Antes, o problema também passa pela Educação. Na pesquisa, especialistas apontaram que a ausência, nas escolas, de embasamento teórico mais profundo como um dos responsáveis por esse processo de causa e efeito. Segundo a autora, Noemi sugere mesclar ciência, filosofia e literatura como um caminho mais consistente na formação de educandos (e consequentemente de novos leitores).
Outro trabalho acadêmico, concluído em 2012, indica que mais da metade dos universitários são analfabetos funcionais. Segundo a pesquisa da Universidade Católica de Brasília, mais de 50% dos cerca de 800 estudantes avaliados sofrem com o analfabetismo funcional. Não conseguem compreender o que leem.
Universitários de seis cursos diferentes em quatro faculdades foram avaliados. A pesquisa analisou modo de estudar, o tempo de dedicação, características socioculturais e formação. A conclusão é que muitos universitários entram na faculdade sem ter o hábito de estudo, aprenderam o conteúdo de forma superficial, costumam decorar ao invés de entender e muitos são analfabetos funcionais.
Novos produtos de qualidade no mercado de mídia não dependem apenas do desenvolvimento de tecnologias. Passam também por uma reforma educacional com o objetivo de erradicar a ignorância. Assim, quem sabe, a imprensa possa ser cobrada por trabalhos com profundidade, e não apenas porque leitores possam estar insatisfeitos por estarem inchados com informações de redes sociais.
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*Leonardo Rodrigues é jornalista e chargista.