Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A queda da CPI da Covid na mídia: quanto o jornalismo deve se pautar pelos Trending Topics do Twitter?

Na imagem: tuíte do perfil oficial do Senado sobre o depoimento do diretor da Prevent Sênior na CPI.

Em breve a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 deve ter seu relatório final entregue pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL). O próprio Renan fazia parte do grupo de membros da CPI que sinalizava o desejo de encerrá-la nessa semana, assim como seu presidente Omar Aziz (PSD-AM), mas o relator disse que o encerramento provavelmente levaria mais uma ou duas semanas quando participou de videoconferência com grupo de juristas que analisou as evidências colhidas pela CPI.

Independentemente de quando a CPI for encerrada, o que acho que vale a pena destacar aqui é a postura de parte dos senadores de defender esse encerramento antes do prazo limite. E refletir um pouco sobre o que a relação entre a cobertura da mídia e a repercussão (ou não) da CPI nas redes sociais pode ter a ver com a ideia manifestada por alguns dos Senadores de que a CPI já “deu o que tinha que dar”.

CPI deixou de ser o assunto do momento

Já faz algum tempo que a CPI não é um assunto predominante nos Trending Topics do Twitter, a rede social onde esse tipo de discussão tende a ter mais espaço. Carolina Riveira inclusive escreveu para a Exame sobre essa diminuição de interesse nas redes e Fernanda Boldrin tratou do tema no Nexo. Uma possibilidade que parece plausível para explicar esse menor interesse é de uma “fadiga natural” mesmo. Os depoimentos estão acontecendo desde o dia 4 de maio, e talvez não fosse plausível esperar um nível de alto engajamento constante da população nas redes por mais de quatro meses. Especialmente em um contexto em que temos de nos preocupar com a possibilidade de um autogolpe no Dia da Independência.

Isso não significa, obviamente, que as pessoas que acompanhavam diariamente a CPI em suas primeiras semanas, tuitando furiosamente e criando memes (época em que meu colega de objETHOS, Álisson Coelho, escreveu esse texto), tenham esquecido da existência dela. Tivemos picos de repercussão nas redes em momentos como quando estourou o escândalo da política de uso de Cloroquina na Prevent Sênior que tirou diversas vidas (um escândalo que teve suas primeiras evidências reveladas pela CPI mas foi devidamente publicizado graças ao trabalho de jornalismo investigativo do Guilherme Balza na GloboNews, diga-se de passagem).

Esses picos, entretanto, parecem se dissipar rapidamente em um mundo em que nosso tempo de atenção nas coisas se torna cada vez menor e em um Brasil com um Governo Federal sempre pronto para usar a estratégia da “cortina de fumaça”. Mas publicações de redes sociais a parte, uma das coisas que me chamou a atenção é uma incômoda impressão de que a diminuição da atenção das redes sociais à CPI talvez tenha sido acompanhada por uma diminuição também da atenção dos veículos de imprensa.

Menos tuítes = menos interesse público?

Veja bem, não se trata de dizer que a CPI passou a ser um tema escanteado, claro que não. Ela segue sendo noticiada diariamente, inclusive em dias sem sessão do Senado (quando jornalistas analisam quem podem ser os próximos convocados). Veículos como GloboNews, Poder360 e IG realizam cobertura ao vivo dos depoimentos, seja na internet ou na tv por assinatura.

Ainda assim, tenho a impressão de que o nível de interesse da imprensa é diferente daquele que tínhamos em maio, quando era possível abrir o perfil de Instagram do Aos Fatos e ver mais da metade dos posts sendo sobre a CPI (5 dos 9 entre 18 e 24/05). Caso isso seja verdade, será que está tudo bem? Acredito que muitos dos colegas que trabalham com jornalismo e/ou o estudam, vão dizer que sim, afinal desde o surgimento das gazetas no século XVI os jornais são guiados pelo que desperta o interesse de sua audiência. Mais do que isso, talvez exaltem o fato de que hoje, com as métricas de sites e redes sociais, não existe mais espaço para aquele jornalista que presume que sabe o que seu público quer ver/ouvir/ler simplesmente “porque sabe”.

Não discordo disso! É ótimo que as métricas obriguem o jornalismo a descer do pedestal no qual se colocou por décadas, como legítimo conhecedor das preferências das pessoas. Mas sinto a necessidade de invocar a velha oposição entre “Interesse Público x Interesse do Público” que já foi explorada por pesquisadores como Claude-Jean Bertrand e Eugênio Bucci. Embora a diminuição do engajamento pareça sim um indicativo de redução do interesse do público, será que é aceitável que uma redução do engajamento no Twitter justifique uma diminuição da atenção que a imprensa dedica à CPI?

Me parece que receber o feedback em tempo real do público deveria ser usado, por exemplo, para identificar novos assuntos pelos quais pessoas se interessam e que estavam “fora do radar” da imprensa. Não para diminuir a atenção dedicada pelos veículos a um assunto de evidente relevância social para o país porque parte do público perdeu o interesse. Quando celebramos a utilidade das métricas das redes sociais é acreditando que elas sejam ferramentas do jornalismo, não há razão para comemorar se elas se tornarem senhoras dele.

Texto publicado originalmente por objETHOS.

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Vinícius Augusto Bressan Ferreira é mestrando no Programa de Pós-Graduação em Jornalismo (PPGJOR/UFSC) e pesquisador do objETHOS.