Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Até quando, Bolsonaro, abusarás da nossa paciência?

Foto: Isac Nóbrega/PR

Até quando, Bolsonaro, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo a tua loucura há de zombar de nós? A que extremos se há de precipitar a tua desenfreada audácia? Nem a guarda do Alvorada, nem a vigilância constante da imprensa, nem o temor de Deus e do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem a CPI do Senado, nada disto consegue te perturbar?

Esse texto não é meu, mas do cônsul romano Marco Túlio Cícero, pronunciada 63 anos Antes de Cristo, no templo de Júpiter, o deus da época, denunciando o senador Lúcio Sérgio Catilina, um hipócrita, mentiroso, populista, que conspirava um golpe na República romana da época, governada por magistrados com o Senado. O golpe consistiria no assassinato dos dois magistrados, eleitos cônsules para dirigir a República. Para isso, Catilina contava com o apoio da milícia da época romana.

A História sempre se repete. Guardadas as diferenças, 2084 anos depois, é fácil se identificar no pernicioso, maldoso, golpista e populista Catilina, apoiado pelos bandidos romanos daquele tempo, os mesmos traços e tendências do ambicioso presidente Bolsonaro, cujo nome, por coincidência é também latino. Seria um descendente do senador romano? Impossível fazer hoje uma pesquisa genealógica, mas é possível imaginar serem os mesmos genes.

O golpe previa o assassinato de magistrados e, hoje, a conspiração já não é mais secreta e prevê a destituição, ou morte política, da quase totalidade dos juízes do STF. As milícias populares, praticamente todas bem armadas com a liberação da compra de armas, esperam apenas o sinal para fazerem a limpeza no Senado, na Câmara Federal e nas Câmaras municipais. Por mais reveladoras que sejam as conclusões da CPI do Senado, tudo será abafado pela Procuradoria Geral da República, e Catilina, perdão, Bolsonaro, promete convocar suas polícias e Exército se quiserem tirá-lo do seu trono.

Com a modificação do sistema eleitoral e retorno à cédula impressa, a intenção é a de se promover a fraude e se garantir a reeleição de Bolsonaro. Caso não se concretize a possibilidade de fraude eleitoral e Bolsonaro não seja reeleito, imitando a derrota de Donald Trump, o recado já foi dado – haverá golpe. Mas Cícero já dizia, nos seus discursos chamados Catilinárias: “Não vês, Bolsonaro, que tua conspiração foi dominada pelos que a conhecem?”

Descoberta a conspiração, mesmo assim houve luta em Roma. E tanto Catilina como seus fiéis seguidores em fuga (alguns tinham preferido denunciar a trama esperando serem perdoados), acabaram sendo mortos em combate.

Até quando, Bolsonaro? Até quando?

Mas vamos retomar o discurso de Cícero, considerado uma das mais belas peças de oratória da língua latina:

— Até quando, Bolsonaro, continuarás louvando a cloroquina como prevenção e remédio contra o coronavírus, contrapondo-se à ciência, aos médicos de todos os países do mundo e à Organização Mundial da Saúde?
— Até quando esconderás o quanto faturaram os laboratórios brasileiros fabricantes da cloroquina e dos “remédios” dos Kit Covid e por que fazias tanta publicidade desses remédios ineficazes e, ao mesmo tempo, evitavas comprar vacinas?
— Até quando vais continuar a negar ser tua culpa essa tragédia sanitária da morte de meio milhão de pessoas, número que poderá aumentar até chegar a um milhão de mortos?
— Até quando protegerás o ministro Ricardo Salles, envolvido em contrabando de exportação de madeira de lei, recuperada nos desmatamentos ilegais da Floresta Amazônica?
— Até quando permitirás que se destrua a Floresta Amazônica para se criar gado, plantar soja e instaurar o garimpo sem controle, com invasão de áreas protegidas e assassinato de indígenas?
— Até quando continuarás a distribuir títulos de propriedade de áreas devastadas por incêndios de florestas e invasão de aldeias indígenas?
— Até quando destruirás nossas grandes empresas estatais, vendendo-as para capitais estrangeiros, acabando com nossa independência econômica, leiloando nossas riquezas?
— Até quando continuarás a modificar as leis que protegiam os pobres, diminuindo a classe média e empobrecendo a população brasileira?
— Até quando vais permitir a modificação do ensino laico nas escolas, deixando pastores evangélicos alterarem o que foi feito por nossos grandes educadores?
— Até quando destruirás o prestígio internacional do Brasil, hoje colocado fora dos principais órgãos internacionais?
— Até quando continuarás destruindo tudo quando foi construído até aqui com inteligência e cultura?
— Até quando vais destruir nossas universidades públicas com o corte de verbas de manutenção e pagamento de professores?

Até quando? Até quando?

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro Sujo da Corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A Rebelião Romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.