O rompimento de duas barragens de rejeitos tóxicos de uma mineradora nos arredores de Mariana, Minas Gerais, produziu uma catástrofe de dimensões apocalípticas. Ou bíblicas, já que as Escrituras são ao mesmo tempo, um cosmo-relato e mega-narrativa onde tudo é superlativo, extremado, incomensurável e transcendental.
Cunhada há cerca de sessenta anos, em 1954, antes, durante e depois da tentativa de assassinato do jornalista-deputado Carlos Lacerda e injustamente imputada ao presidente Getúlio Vargas, a expressão “mar de lama” saiu das manchetes dos vespertinos para o vocabulário político, acolhida pela historiografia e a retórica forense. Resgatada pelas revelações do escândalo do Mensalão (2005), voltou a ser usada na cobertura do Petrolão (2014), também agora, na palhaçada parlamentar protagonizada por Eduardo Cunha, a incrível história de um finório que já conseguiu abalar a República e daqui para a frente só poderá produzir algo muito pior.
Eduardo Cunha possui um extraordinário efeito tóxico e maculador — espalha sujeira e emanações por onde passa: poluiu as figuras-chave do seu partido, o PMDB, manchou indelevelmente o PT com quem tentou se entender para proteger a presidente Dilma Rousseff, sujou e rebaixou o empertigado PSDB que tenta animá-lo a apressar o pedido de impeachment, contaminou perigosamente a imagem do Congresso e com suas diabólicas maquinações conspurca não apenas os correligionários evangélicos, mas a própria mensagem espiritual da religião convertendo-a em sinônimo de crueldade e perfídia.
Ícone da malignidade
Comparadas com as confessadas roubalheiras praticadas pelos meliantes enroscados na Operação Lava Jato, as denúncias contra Eduardo Cunha poderiam ser avaliadas como irrisórias não fosse a malignidade inerente ao acusado. A presidente da República teme a sua imprevisibilidade, mas o perturbador perfil psicológico, as patologias atenuadas pela fala mansa das aparições televisivas e o tremendo poder de uma autoridade como presidente da Câmara Federal, criaram no cenário político brasileiro um personagem único — o homem-bomba.
Pior do que um suicida, Cunha é um paranoico capaz de acionar o seu colete com explosivos certo de que sairá incólume da explosão. O problema não é dele, de sua família ou dos amigos. O problema é nosso porque este é o arquétipo do fanático incapaz de voltar atrás, empurrado pela insana obsessão de seguir em frente.
O mar de lama que enlutou Mariana, Minas Gerais e o Brasil poderá ser removido, reparado, saneado e servir como advertência aos negligentes e omissos que cuidam da segurança e bem-estar do povo brasileiro. O mar de lama que produziu Eduardo Cunha e ainda o sustenta, embora figurado, metafórico, pode nos empurrar para o abismo.