Justifica-se a preocupação da direção da “Folha” com a rápida deterioração da situação político-econômica. Um jornal responsável – qualquer que seja o tamanho da audiência, seu prestígio ou o acúmulo de vivências passadas – não pode imaginar-se “líquido” (para usar o conceito de Zygmunt Bauman), desobrigado de intervir naqueles momentos cruciais em que as circunstâncias deixam a esfera secundária para tornarem-se vitais para todos, pacientes e agentes.
Diante da inação e das perplexidades dos protagonistas políticos e econômicos (acrescidos subitamente pela entrada em cena dos órgãos fiscalizadores internacionais) impunha-se o acionamento do alarme para emergências.
Esgotado o repertório habitual de advertências fazia-se necessário subir o tom e a intensidade, algo mais forte, retumbante, de maior calibre: um editorial na primeira página e de preferência num domingo.
O comando do jornal não vacilou: sapecou-o no fim de semana seguinte ao rebaixamento do país pela agencia de avaliação de riscos, Standard&Poor’s (13/Setembro).
Exposto com firmeza, sem meias palavras porém, firme. Sereno, mas não contemplativo, “A última chance” tem a capacidade de sacudir o leitor, retirá-lo das turbulências singulares e encaixá-lo na maré montante das desgraças nacionais.
O jornal errou justamente no título. Os ilustres camaradas foram longe demais. Esqueceram que jornalismo é um processo periódico, crescente, envolvente: editoriais na primeira página não são prescritos para doses únicas. Integram um encadeamento, fazem parte de uma escalada.
Ao não compreender esta sutileza e na ânsia de intervir imediatamente na derrubada de João Goulart, os editorialistas do poderoso “Correio da Manhã” dispararam uma dupla de misseis arrasadores na primeira página com apenas um dia de diferença.
O “Basta” (31 de Março de 1964) e o “Fora” (de 1 de Abril) não foram precedidos daquilo que na terminologia militar chama-se “salva de advertência”, Além disso, entre os dois não houve intervalo suficiente para que o governo Jango avaliasse seus erros e interrompesse a própria escalada iniciada no comício de 13 de Março.
Com apenas dois berros seguidos e ambos com estridência máxima evidenciou-se o fato consumado sem dar tempo aos não-radicais de ambos os lados para tentar uma intervenção.
É claro que as situações de 1964 e 2015 são rigorosamente diferentes. O atual cronograma nada tem de militar, é político, econômico, institucional. Descabido o “timing” castrense.
Em situações de emergência cabe à imprensa o papel de poder moderador. Ao contrário do que se diz no final do primeiro parágrafo, a administração Dilma Roussef NÃO está por um fio, está garantida por um fato concreto, sólido – o resultado das eleições até agora não desmentidos, embora contestados.
O adjetivo “última” do título é absolutamente impróprio. Claramente provocador. Impressão reforçada pela edição da “Folha” no dia seguinte (segunda, 14/9) que parecia ter sido produzida por outro jornal, com outro padrão editorial, sobretudo outras premências.
Depois da última chance, o que – caos?
Um pluralzinho seria suficiente para esvaziar a abominável entonação de ultimato. Ou simplesmente convocar o brilhante redator para repetir a dose nos próximos dias/semanas/meses.
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Alberto Dines é jornalista, escritor e fundador do Observatorio da Imprensa