Certa vez, palestra, ‘tava quietinho, no meu cantinho de auditório, quase no fundão. Mas, uma frase do conferencista me tirou da semi sonolência: “Imprensa é oposição, o resto, secos e molhados”. Cutuquei algum recanto da memória e me lembrei que a sentença não era original. Pareceu-me que nos tempos da ditadura militar mais recente, Millor Fernandes já a havia cometido. Posteriormente, a inquietação me levou a quem me informasse que isso vinha lá dos ingleses, algo na conotação de que o jornalismo, fora de sua função de poder fiscal, nem o seria de verdade.
Por várias vezes tenho lido tentativas de entender que tipo de formação discursiva tenha predominado na construção do jornalismo brasileiro enquanto profissão e campo teórico, algo inacabado, certamente. Há quem se incline que uma das heranças dos modelos norte-americanos tenha nos orientado para uma modalidade, a do Poder Fiscal, o que estaria também correlacionado com a visão da imprensa como um Quarto Poder republicano e, sabiamente, fora da estrutura oficial do Estado. Seria, de qualquer maneira, uma extensão do Estado, a ser julgado como um dos aparelhos ideológicos do Estado, na visão de Louis Althusser.
Mas, essa de que jornalismo para ser jornalismo tem de estar na oposição merece reflexão e, pelo menos, duas angulações: uma, otimista; outra, pessimista. Com relação à primeira, trata-se mais de encarar o jornalismo como um permanente lugar de questionamento das “proposições de validade” (expressão de Habermas) e, portanto, de situar o jornalista como aquele que tem a antítese, tão logo alguma tese se apresente. Nesse contexto, sua missão nobre seria a de fornecer elementos para que o leitor seja o autor da esperada síntese dialética. Quanto à segunda, melhor avaliar o risco. Se houver uma ditadura no controle do Estado e, portanto, estabelecida como forma de governo, logo se entende como legítima a posição do jornalismo e dos jornalistas como parte da resistência. Mas, e numa democracia, jornalismo haveria de ser oposição porquê? Que seja fiscal dos poderes, todos, isto sim, compreensível como instituição a se cumprir como cão de guarda dos interesses do cidadão.
Certa vez, um certo jornal brasileiro se disse como slogan mercadológico como sendo aquele de rabo preso com o leitor. Já não estávamos sob uma ditadura, cujo mesmo diário, sobre a mesma, cometeu o enorme pecadilho de visão histórica, considerando-a como uma “ditabranda”, ou seja, ou uma ditadura à brasileira. Conta-se que o renomado advogado Sobral Pinto, em face de meneio de desculpas por parte de um coronel que o arguia, assim reagiu: “Não conheço ditadura à brasileira, conheço peru à brasileira”, prato, por sinal, acho, desapareceu. Mas, e jornalismo brasileiro? Tem, ou teria, que índole? E, ainda, faz sentido o bordão de que “jornalismo é oposição e o resto secos e molhados”? A valer a máxima, poder-se-ia entender que não existe jornalismo a favor, pelo menos, a favor ou, o que é pior, em favor de governos.
Dois incômodos, neste momento histórico do Brasil se apresentam: o primeiro, de se acreditar que na crise que ora dobra a esquina com martelo quase batido na sentença do impeachment de Dilma a imprensa desempenhou um papel de oposição, ao governo dela, simplesmente por se tratar de governo; e, ao PT, mas, nesse caso, a oposição (dialética) teria de ser a qualquer partido ou de forma espúria de se lidar com a coisa pública. Ou essa oposição teria sido uma oposição política? O segundo mal-estar virá, logo em seguida. Ao se mudar do Palácio do Jaburu para o Palácio da Alvorada, com escala no Palácio do Planalto, um “novo” governo enfrentaria igualmente a oposição da imprensa, porque este é o seu esperado polo dialético? Estarei enganado ou a mesma imprensa de ‘oposição’ já se antecipa como parte de uma torcida, já posicionada numa parte das arquibancadas de onde partem os aplausos?
A falácia do quarto poder
Não distingo elementos de convicção de que a imprensa brasileira se tenha instituído ao longo desses poucos séculos como oposição a governos (dialeticamente falando); nem como ‘tribuna’ aberta e equilibrada aos debates; nem como poder fiscal; nem como poder moderador (crítico-analítico); e nem mesmo como Quarto Poder. Há quem compreenda que esse lugar de quarto poder foi perdido, ou para o mercado ou, olhando de uma maneira mais otimista, para o Ministério Público e, em parte, para a Polícia Federal. E são tantos os escândalos que mal os jornalistas têm expediente para cuidar da investigações que já vêm prontas, ora diretamente; ora por meio de vazamentos bem encaminhados. Em outras palavras, sobra pouco espaço para se ler, ouvir e ver o que, de fato, o “jornalismo investigativo” operou por conta própria.
Qualquer observador um pouquinho atento já percebeu que, a julgar pelos nomes sondados ou já adiantadamente explícitos, esse “novo” governo não tem nada de novo em matéria de políticos e, em sendo assim, como acreditar que a maneira de se fazer política está se movendo de um lugar para outro, e melhor? Alguns colunistas já se anteciparam e afirmam que só o fato de haver uma ‘mudança’ no comando, o “mercado’ já emite sinais de um ‘novo’ ânimo. E, tão somente essas faíscas na escuridão já seriam indícios de que há esperanças para que a ‘crise’ econômica venha a ser vencida, senão, arrefecida em curto ou médio prazo. Verdade que milagres imediatos não se esperam. Mas, até nesse otimismo imediatista há quem almeje para Temer sucesso parecido com o de Fernando Henrique Cardoso e, com ele na ‘Fazenda’, também o de Itamar Franco. Ocorre que Dilma e Collor são duas naturezas políticas, embora, ambas, supostas vítimas de um golpe, em plena luz democrática.
Como se costuma dizer em Portugal, ante a dificuldade de se fazer algum juízo no presente, logo se vê. Logo veremos se, com o governo Temer a imprensa estará (como sempre esteve?) no seu polo dialético da antítese. O que a história tem demonstrado é que em havendo crise, nenhum governo é bom. Ah! Há também os fatores estruturais, conjunturais e externos, ou seja, muita coisa é atribuída não ao quadro interno, mas, às intempéries da economia e das finanças internacionais. Vamos torcer para que, nesse jogo, o Brasil não continue sendo a bola da vez (haja vista que já o foram México, Rússia, Portugal, Grécia…). Eu disse torcida? Não, jornalista não torce, nem contra nem a favor. Ainda quando a camisa (que ele não veste) esteja perdendo de 7 a 1 para a crise. Logo se verá se a situação crítica do Brasil se devia à cor ideológica de um governo. Quando os militares pós-64 disseram que “o Brasil estava à beira do abismo” (o comunismo), o Millor saiu-se com esta: a solução estava no abismo. Voltemos, porém, ao lugar-comum de sempre: o Brasil é o país do futuro. E, logo se verá.
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Luiz Martins da Silva é professor-associado da Universidade de Brasília – Faculdade de Comunicação, Departamento de Jornalismo