Foi de repente, Tudo ia no embalo da Copa , das Olimpíadas e da capa da revista inglesa The Economist quando o carioca percebeu que alguma coisa estava errada, e não era só o trânsito caótico e as construções megalômanas. Esta semana Anthony Garotinho e Sergio Cabral acabaram na carceragem de Bangu. Os dois ex-governadores do Rio estão no xilindró , o primeiro por compra de votos, o segundo por corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa. Soma R$224 milhões o que o Cabral embolsou de propinas desviadas das obras realizadas com dinheiro federal, das quais ele recebia das empreiteiras 5% e mais 1% de ” taxa de oxigênio ” para a Secretaria de Obras. Foi assim na reconstrução do mítico Maracanã, do Arco Metropolitano, das favelas da Rocinha, Manguinhos e Morro do Alemão. Só do complexo petroquímico do Rio Cabral recebeu R$ 2.7 milhões. Um dinheiro lavado com joias que custavam até R$ 10 mil reais, vestidos caros para a mulher, uma lancha avaliada em R$5 milhões, um helicóptero, obras de arte e uma cara de pau que acabou de cair. Seu vice? O atual governador Pezão.
O Rio saiu das páginas de turismo e da leveza da gastronomia para cair no cataclismo e virar campeão da falência e da desordem, da calamidade dos cofres vazios, da empáfia dos bandidos nas ruas, da crise dos hospitais capengas. Não bastassem os deslizamentos de terra. A ex-capital, ex-abrigo da Corte portuguesa, paraíso dos funcionários públicos, está num buraco ainda mais fundo, agora que o carioca desmascarou um mensalão que corria até este ano, mas não contribuía para sanar as feridas da cidade. Impossível que Pezão não soubesse o que se passava ali.
A saída encontrada por Pezão foi pior que o soneto trágico, o confisco dos 30% cobrados dos funcionários e dos inativos da Previdência . A calamidade fiscal tem 21 projetos a serem votados na esperança de conter o esfacelamento da joia da Coroa. Por exemplo, aumentar a alíquota de contribuição da Previdência de 11% para 14%. Com que autoridade Pezão vai pedir tamanho sacrifício? A população votaria pela redução em 30% a remuneração do governador, do vice-governador e dos secretários. Agora querem aumentar a percentagem.
Foi tudo errado. Para que setores foram dadas as isenções fiscais no valor de R$13 bilhões ? O das joias e pedras preciosas. Junto, um aumento de mais de 70% nos gastos com pessoal entre 2009 e 2015.
O fundo do poço
Com que cara o governador Pezão vai continuar a pedir socorro do governo federal que, se ceder, terá outros 26 estados endividados na fila? O Planalto está ocupado em socorrer a si mesmo. O Rio deixou de receber o repasse de mais de R$60 bilhões da União. E depois que perdeu os royalties do petróleo, aposta tudo no oásis da antecipação dos royalties do pré-sal para abocanhar, sem a menor credibilidade, empréstimos no exterior. Agora visa beber na fonte dos R$ 4.214 bilhões que os estados receberiam dos R$46,8 bilhões repatriados do exterior.
O carioca não recebe aposentadoria, salário, e o 13o salário virou miragem. Agora até a ópera em três atos “Jenufa”, do tcheco Leos Janácek, que estrearia no Teatro Municipal ficou ameaçada pela greve dos servidores da casa que não recebem salário. É sério. Como definiu Vargas Llosa, “a vida é um tornado de merda na qual a arte é nosso único guarda-chuva”.
Quando a coisa começou a ficar feia, a União já havia bloqueado R$140 milhões de recursos para o Rio. Falou-se em intervenção federal. O Rio sob intervenção é um acinte que só vai tornar o inferno mais insuportável. E o carioca pensava que a farra de Sérgio Cabral com o dinheiro público se limitaria a jantares pantagruélicos em Paris e um anel de diamante ofertado à sua mulher pelo empreiteiro Fernando Cavendish no valor de R$800 mil. Com que autoridade Pezão vai mendigar R$ 2,1 bi para as aposentadorias? E sanar o déficit de R$ 17 bilhões?
Este Rio, que virou pentecostal, estava preocupado com a festa pagã do Carnaval este ano, agora está perplexo com a nudez da pobreza do cidadão. O governo fecha restaurantes populares a R$ 2,00 o prato enquanto a Assembleia Legislativa, o histórico Palácio Tiradentes , esbanja refeições com beurre noir e coq au vin (dois pratos sofisticados da culinária francesa) . Penúria não combina com Rio de Janeiro, com a beleza exuberante, com promessas de um turismo avassalador que cobriria qualquer déficit. O Rio de Janeiro continua lindo mas choca ver o carioca , que sempre enfrentou crises com samba, picardia e criatividade, ser obrigado a se conformar com a marcha fúnebre