Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Sarah Winter, a inglesa nazista que reencarnou no Brasil 

A nazista Sarah Winter (Foto: Reprodução/Cambridgeshire Community Archive Network)

Ah, hoje tenho uma história da Bíblia para lhes contar. Já que o Brasil se tornou o povo eleito de Cristo, combinei com o editor de escrever, na medida do possível, textos ligados direta ou indiretamente com as Santas Excrituras, isso mesmo, Excrituras com “x” porque elas evoluíram muito nesses dois mil anos.

É a história de uma jovem inglesa antissemita que, mesmo depois de morta, se torna de novo conhecida por querer perverter uma velha estratégia judaica, narrada no Velho Testamento da Bíblia, para ajudar no próximo golpe de Estado que se prepara no Brasil.

Na verdade, se ela já morreu, ficaria impossível continuar a história, mesmo porque ninguém iria acreditar. Trata-se, portanto, de uma reencarnação — a reencarnação da bela Sarah Domwille-Taylor Winter, numa cidade do interior onde nasceu já falando, pasmem os senhores, em português, em lugar do inglês que aprendera em Ludlow, na região de Shropshire, na velha Inglaterra.

Depois do seu segundo nascimento, a inglesa Sarah, de corpo novo, teve grande sucesso na Europa, onde se juntou a um grupo feminista, fez muitas amigas e passou a participar de manifestações.

Entretanto, ao chegar no território europeu, a vida anterior de Sarah voltou a se manifestar. Ela vivera na época da Segunda Guerra e, desde o começo dos anos 30, tivera atração e xodó por um star político da época, um alemão meio pirado que, frustrado como pintor, reuniu no seu programa uma coletânea de tudo quanto as pessoas também frustradas não gostam nos outros. Tudo com muita agressividade.

Como o objetivo era o de fazer malvadeza com os outros, Hitler — era seu nome —, com seu bigodinho, logo criou um enorme grupo de amigos malvados, todos fazendo o gesto da arminha ou imitando com a boca o barulho das metralhadoras. Quando o grupo ficou grande, saíam pelas ruas de Berlim à noite, assustando e metendo medo na população. Matavam também alguns.

Foi quando Hitler começou a gostar de vestir uniformes militares, levantava o braço direito e gritava Heil, ao que seus seguidores respondiam Hitler. De longe as pessoas tinham calafrio e pensavam ter escutado Hell ou Hölle, mas soava mesmo como Inferno… E ia ser.

O tempo passou, morreram milhões de pessoas na Segunda Grande Guerra desfechada pelo louco do Hitler. E Sarah, inglesa insensível, sempre conspirou em favor do alemão, mesmo na época de Churchill.

Sarah, vocês se lembram, era antissemita e nazista, mas depois de sua reencarnação no Brasil e convertida cristã, depois da viagem à Europa, dizia seguir ou acreditar em Jesus, meio católica e meio evangélica. E exatamente como na velha Berlim, voltou a se sentir atraída por um político, desta vez brasileiro, cujo comportamento agressivo e linguagem militar de extermínio de seus inimigos, lembrava os discursos hitleristas.

Logo, tudo voltou a ser  muito parecido com a Alemanha nazista, numa adaptação tropical surrealista — o objetivo era o de acabar com a democracia, eliminar os deputados da oposição e suprimir os juízes do Tribunal Federal para poder instaurar uma ditadura, ao som da música de Wagner. Tudo isso provocava êxtase e calafrios na inglesa.

Foi quando, remexendo nas histórias judaicas do Velho Testamento, lhe veio a idéia de formar um brigada, inspirada nos 300 valorosos soldados comandados por Gideão. Porém, é claro, da história original pouco restaria — ela queria subverter a história bíblica e utilizá-la no sentido inverso: seria Gideona, na versão feminina, a chefe antissemita destinada a ajudar a se impor no Brasil um regime militar ditatorial nazista.

Será que Sarah, disfarçada no seu nome bíblico, conseguirá concretizar seu intento? A Bíblia previne contra falsos Messias e pitonizas da desgraça, mas isso nem sempre bastou para o povo se manter alerta. Tão perigosos quanto o Coronavírus são os neonazistas pervertedores da história bíblica dos gideonitas.

Aí chegamos ao fim da história prometida mas bem resumida. Se gostou, poderá conferir no livro bíblico de Juízes, nos capítulos 6 a 8, e saber como foram escolhidos os alertas combatentes de Gideão, entre os que faziam concha com a mão para beber água do rio e na rejeição dos que bebiam água diretamente no rio, sem olhar para os lados.

Qualquer semelhança dessa história bíblica com personagens reais, vivos ou mortos, será mera coincidência. E se quiser imitar os soldados de Gideão ao beber água, mesmo de torneira, não se esqueça, lave antes bem as mãos.

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.