Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Um oásis para cinéfilos

(Foto: cottonbro/ Pexels)

Sem luz acesa para os cinemas depois da crise iniciada pós-pandemia, a Mostra Internacional de São Paulo é um oásis. Se em 2019 o setor cinematográfico crescia 13,5% na renda com bilheteria, para R $2, 79 bilhões e público de 176 milhões, hoje a média deste registro oscila entre 50% e 53%, caindo pela metade.

A Mostra será aberta no dia 20 de outubro e vai até 2 de novembro. Todas as informações estão no site www.46.mostra.org. Aqui, uma amostra de alguns dos 223 filmes que serão exibidos em vários cinemas da cidade, em 14 dias:

A história de uma prostituta vienense

Diretora: Ruth Beckermann, Áustria, 100 min

Mais de 100 anos após seu lançamento, a novela pornográfica anônima expõe um grupo de homens diante de sua própria convivência, percepção e prática do sexo. A diretora austríaca Ruth Beckermann trouxe para uma antiga casa funerária um grupo de homens de 16 a 99 anos selecionados por anúncio de jornal para ler trechos da novela, representar e comentar sua história sexual. 

“A História de uma Prostituta Vienense” é a história da personagem Josefine Mutzenbacher, que aos 50 anos conta sua vida nos subúrbios de uma Viena pobre. O livro não poupa sinônimos para os membros sexuais feminino e masculino, todas as formas de coito e investidas de médicos, padre, pai, irmão, amantes de todo tipo e histórico sexual sobre a menina que não nega estar gostando. Proscrito, mesmo tendo sido banido por décadas é um clássico da literatura erótica vienense. Imagina-se que o autor fosse Felix Salten, autor de “Bambi” e tornou-se um guia da prática de amar para iniciantes, contrabandeado, pirateado ou surrupiado da estante dos pais.

O documentário confronta fantasias sexuais dos homens selecionados por Beckermann, seu choque, vergonha, timidez, ousadia, como se estivessem nus num bordel cercado de prostitutas embora a única personagem do sexo feminino fosse a diretora que conduz as entrevistas. A diretora deixa encabulados homens que aprenderam a ser machos agressivos quando a sós com uma mulher. Eles se atrapalham mesmo quando precisam repetir diante da câmera em coro palavras e gestos que devem ter repetido muitas vezes na cama com mulheres ou homens. 

É um filme feminista, demolidor de machismos tóxicos, revelador de quanto o sexo permanece um tabu cheio de preconceitos numa sociedade hipócrita e moralista.

Scheme

Direção: Farkhat Shapirov, Cazaquistão, 73 min

Uma paisagem nova-rica da sociedade cazaquistanesa não difere muito do que acontece com os adolescentes no Ocidente. Masha, 15 anos, é envolvida com bebidas, drogas e uma rede de exploração sexual de meninas por homens de meia idade que oferecem dinheiro em troca. Ramil, o aliciador, é um infuencer por quem Masha se apaixona .

Ela vive em Almaty com pais preocupados com seu futuro, comportamento e desempenho escolar, que nunca descobrem a vida que paralela que ela leva sem se dar conta dos perigos.

O dinheiro e a opulência do local simbolizado pelos shopping centers e marcas de alto luxo, também atrai drogas, bebidas, festas não tão inocentes e aproveitadores de meninas.

Filmado com câmeras na mão, o diretor enfatiza as consequências da opulência social numa sociedade pobre, o fascínio de Masha por um mundo desconhecido e excitante e pelo perigo.

Ela percebe os riscos, mas não se detém, e a tensão dura 73 minutos para saber até onde uma adolescente pode ser enganada.

Alma viva 

Direção: Cristèle Alves Meira, Portugal, 85 min

Portugal já escolheu o filme que vai representar o país nas cerimônias do Oscar ano que vem. É “Alma Viva”, que antes foi nomeada “Bruxa”. Trata da bruxaria em Portugal, terra onde a Inquisição fez um terrível trabalho queimando mulheres consideradas bruxas. Cristèle Alves Meira, de 39 anos, concentrou-se na aldeia onde nasceu no Trás-os-Montes, onde o tema não é estranho entre os aldeões. Os atores não são profissionais, são os próprios aldeões que a viram nascer, e a diretora colocou sua filha para viver a protagonista Salomé.

É Salomé, que mora na França com a mãe e vem à aldeia todos os verões de agosto visitar a avó portuguesa, que, numa dessas vindas, morre ao lado dela. Além de se considerar culpada, a menina assume a vingança pela morte.

Uma vizinha deu os peixes para Salomé levar à avó e é considerada bruxa. A menina, imbuída do espírito da avó para se vingar, passa a ser vista como feiticeira e do mal. Salomé quase mata a vizinha e também um galinheiro inteiro, provoca um incêndio na floresta ressecada ou é culpabilizada por ele. Basta para o cortejo do enterro da avó ser acompanhado pela ira dos aldeões acusando Salomé de estar possuída.

Na raiz do problema está uma questão amorosa: o marido da tal vizinha a deixou para ir morar com a avó de Salomé e por isso ela a detestava. Ao lhe presentear com os peixes teria enviado um mau-olhado possante, coisa que o médico contesta dizendo simplesmente que a avó teve um derrame à noite. Mas naquela aldeia ninguém acredita.

Mulheres são consideradas bruxas desde sempre. No filme uma cena de sexo provoca comentários sobre a presença do diabo no corpo de quem o libera para a sensualidade ou o amor.

A questão também é evocada sobre a herança a ser dividida entre os irmãos, que disputam e brigam, a inveja e o ciúme borbulhando entre os que ficaram na aldeia e os que partiram. Bruxa é o primeiro nome a ser atirado e naquele lugar é o que todos acreditam. Inclusive a diretora que, ao apresentar seu filme de estreia na Competição da Semana da Crítica do Festival de Cannes este ano, afirmou acreditar em bruxas, ou não conseguiria filmar “Almas Vivas”.

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Norma Couri é jornalista e Diretora de Inclusão Social, Mulher e Diversidade na Associação Brasileira de Imprensa (ABI).