Uma rede de informação no YouTube tem estabelecido um combate à desinformação e disseminação de conteúdos falsos. Essa rede é formada por professores de história, física, advogados, filósofos, escritores, sociólogos e outros especialistas que estão de olhos abertos para responder a canais e aos youtubers brasileiros disseminadores de fake news, teorias da conspiração, pautas de ataques às instituições educacionais e aqueles que promovem, para além do ambiente acadêmico, o revisionismo científico e histórico no país.
Esses canais fazem parte de uma mobilização e resistência no YouTube para esclarecer conteúdos obscuros e sem fontes de informação, que há anos circulam nas redes sociais e repercutem para fora delas em proporções devastadoras. Trata-se de um movimento que vem crescendo por empatia e identificação pela causa e tem o objetivo de compartilhar ideias para elevar o debate e dar profundidade ao diálogo e senso comum.
A plataforma de vídeos se popularizou no país e para boa parte dos brasileiros é considerada como uma fonte de informação e notícias. Um relatório do Google revelou, em 2017, que 59% dos inscritos preferem se atualizar pelo YouTube do que ver notícias. Em 2018, a pesquisa Video Viewers apresentou um panorama sobre como os brasileiros estão consumindo vídeos na plataforma. Nos últimos quatro anos, o consumo da web cresceu 135%, enquanto que no mesmo período o consumo de TV aumentou 13%. A plataforma é o 2º maior destino para o consumo desse formato no Brasil ficando apenas 3 pontos percentuais atrás da líder, a TV Globo. É maior, segundo o levantamento, que os demais canais de TV aberta, se somados em número de vídeos assistidos.
O embate à desinformação na plataforma de vídeos é protagonizado, atualmente, por profissionais e especialistas que cansaram de assistir as barbaridades sendo disseminadas sem embasamento. Muitos desses canais perceberam um cenário de caos e engajados nesse combate a conteúdos obscuros e sem fontes de informação, começaram a produzir vídeos para questionar canais que manipulavam a opinião pública. O resultado disso é a mobilização de outros youtubers, com a mesma proposta de saírem da zona de conforto para se unir no fortalecimento de uma rede contra a desinformação.
É o caso de José Almeida Júnior, defensor público e escritor, que há pouco mais de um mês foi inspirado pelo movimento de resistência e passou a incluir análises em seus conteúdos sobre política e contribuições para aprofundar a discussão de temas, como por exemplo, o da crise da Venezuela e o governo Bolsonaro. Almeida Júnior é servidor na defensoria em Brasília (DF) e como escritor, ganhou Prêmio Sesc Literatura, em 2017, possibilitando, inclusive, a publicação de seu primeiro livro, Última Hora, e a receber indicação aos prêmios Jabuti (melhor romance) e São Paulo de Literatura (melhor livro de autor estreante de até 40 anos), em 2018.
O crescimento dessa rede de resistência tem se fortalecido pelas estratégias da própria plataforma de vídeos e do uso das hashtags, ou palavras-chave. É ela que dá abrangência, auxilia na busca de conteúdos relacionados aos canais e contribui para a indicação de conteúdos e temas relacionados aos usuários e inscritos. Os canais do YouTube como resistência contra fake news e revisionismo histórico e científico unem não somente produtores de conteúdos qualificados, mas também refletem um efeito de chamamento e empatia pela causa aos especialistas de diversas áreas do conhecimento humano.
Entre os youtubers que mais se destacam nessa rede de combate e inspiram novos produtores de vídeos a ampliar o debate, está o canal do escritor e filósofo Henry Bugalho, com 211 mil inscritos. Ele aborda temas filosóficos, comentários sobre assuntos contemporâneos, cultura, sociedade, história e religião para os brasileiros. “O Historiador”, com 91 mil inscritos, do professor de história, Carlito Neto aprofunda em assuntos políticos e traz análises do ponto de vista histórico. Clayson Felizola, professor e especialista em filosofia contemporânea, com 94 mil inscritos, faz análises de temas de grande repercussão na mídia.
O “Meteoro Brasil”, com 428 mil inscritos, apresentado por um jornalista e uma professora de artes, aborda temas da cultura pop, ciência e filosofia. E na ciência, o Canal do Pirula é focado em divulgação científica e assuntos da área de biologia. Possui, inclusive, o selo Science Vlogs Brasil, que reúnem youtubers colaborativos divulgadores de ciência mais confiáveis do Youtube Brasil.
Ainda na filosofia, destaca-se também o canal do Filósofo Paulo Ghiraldelli, com 204 mil inscritos. Engajado na produção de conteúdos diários em análises políticas e filosóficas, o também jornalista e escritor vêm crescendo em números de inscritos nos últimos dois meses. Além do canal “Saia da Matrix”, apresentado por Humberto Matos, com 54 mil inscritos, na produção de informações sobre economia, política, história, filosofia e sociologia.
“A Nova Máquina do Tempo”, com 20 mil inscritos e apresentado por André Teixeira Jacobina, mestre em história social e doutor em saúde pública, apresenta diariamente conteúdos sobre a cobertura política, além de aulas e análises de conceitos de ponto de vista histórico e social. O nome do canal, inclusive, surgiu do seu livro de ficção A Nova Máquina do Tempo, o qual defende métodos científicos e a importância da ciência e da democracia ampliada.
Com um conteúdo embasado em pesquisa para gerar informação e formação política, Sabrina Fernandes é a socióloga por trás do “Tese Onze”, com 139 mil inscritos. Seu canal é focado em debater o senso comum e trazer pontos sobre sociologia. Na área do direito, o canal” Dead Consense”, 25 mil inscritos, mantém conteúdo do ponto de vista jurídico e legal para questionar e combater notícias falsas.
Da Alemanha, o canal “Psicamente”, com 7 mil inscritos e apresentado pelo brasileiro Balthasar, médico residente em psicoterapia e medicina psicossomática, faz análises críticas e baseadas em estudos para responder youtubers brasileiros que disseminam crimes, como por exemplo, a homofobia, homossexualidade e o obscurantismo, além de outros temas de sua área de conhecimento. Já no campo da Física, Caio Gomes formado pelo Instituto de Física da Universidade de São Paulo, é produtor de conteúdo para o “Canal Físico Turista”, e já soma 54 mil inscritos.
Numa ala de jovens youtubers, há os canais de críticas, os quais se destacam “Nada se Cria”, do jovem Gabriel, com 24 mil inscritos, e Samuel Borelli, com 95 mil inscritos, ambos fazem análises sobre as notícias de grande repercussão do atual cenário político e cotidiano. Os canais de humor também se destacam, o “Maestro Bogs”, músico e compositor, possui 44 mil inscritos e é um dos que concentram críticas ácidas aos youtubers que propagam preconceitos, fake news e desinformação. Ainda no mesmo engajamento de repúdio a esses temas, é no humor que os produtores de vídeos Sub Tosco e Adão Bispo, ambos com 8 mil inscritos, encontraram por meio de paródias e sátiras uma forma de denunciar e protestar.
“Galãs Feios”, com 81 mil inscritos, apresentados pelos amigos e jornalistas Helder Maldonado e Marco Bezzi, somados às suas vivências acumuladas em redações da grande mídia, apresentam com humor um canal que reúne temas e opiniões sobre música, política, cinema, TV, celebridades e cultura pop.
Outro canal que também saiu de sua zona de conforto e decidiu combater a desinformação disseminada pelos youtubers brasileiros é o do chargista e jornalista Maurício Ricardo, um dos pioneiros no país na criação de um portal de humor, com o “canal Fala”, M.R., 37 mil inscritos.
Ele mantém seu vlog abastecido com, pelo menos, um vídeo por dia. Ainda na área das artes, seguem a mesma iniciativa, o cartunista Raposa, do interior de São Paulo, com o “Covil da Raposa”, 5 mil inscritos, e o desenhista Hugo Biscoito, com o “H. biscoito” e 4 mil inscritos.
O crescimento dessa rede de informação, aponta o surgimento de uma mobilização contra o avanço dos canais que promovem o revisionismo científico e histórico no país, além da manipulação da opinião pública e desinformação à população. O movimento vem se fortalecendo no YouTube por profissionais e especialistas que enfrentam, diretamente, a propagação de informações falsas e teorias da conspiração, além de outras obscuridades.
***
Ricardo Missão é jornalista.