Os dois mais angustiantes dilemas do jornalismo contemporâneo são a incógnita da sustentabilidade financeira e a complexidade do relacionamento entre profissionais e a comunidade de leitores, ouvintes e usuários de redes sociais. O choque causado pela introdução das tecnologias digitais no cotidiano jornalístico já foi absorvido na maioria dos projetos informativos. Já a adaptação das rotinas profissionais à produção multimídia de narrativas avançou pouco, mais por problemas financeiros do que por inexistência de recursos técnicos.
A sustentabilidade financeira de um projeto jornalístico em ambiente digital é um quebra-cabeça ainda insolúvel tanto nas grandes empresas como entre blogueiros individuais e influencers em redes sociais. Há, é claro, corporações e indivíduos que alcançaram a estabilidade entre receitas e despesas, mas estes ainda são exceções num cenário jornalístico marcado por um imenso cemitério de projetos.
O primeiro grande obstáculo na busca da sonhada sustentabilidade financeira está no fato de que ela dificilmente será alcançada sem que se leve em conta três problemas cruciais:
- O engajamento com o público-alvo mediante estratégias de fidelização,
- A produção de narrativas jornalísticas sintonizadas com o tipo de pessoas a serem alcançadas pelo projeto informativo;
- O nível da renda dos indivíduos participantes do público-alvo;
Esta inter-relação estrutural entre sustentabilidade, engajamento e narrativas é uma constatação relativamente recente entre os empreendedores jornalísticos online. Mas é também um grande desafio porque introduz a questão da complexidade dentro das rotinas profissionais. Para chegar à sustentabilidade é preciso ter receitas. Para ter faturamento é preciso ter um produto que o público necessite e goste. Isto acaba exigindo o que se convencionou chamar de alfabetização informativa, um mínimo de conhecimentos sobre como ler uma notícia, como desconfiar de mentiras e como checar fatos e dados. O melhor recurso para chegar a esta alfabetização é o relacionamento estreito, duradouro e interativo entre jornalistas e o seu público-alvo.
Como você leitor já deve ter percebido, estamos diante de um quadro complexo onde uma coisa depende da outra, sem que se possa dizer que alguma seja mais importante do que as demais. Os profissionais, num projeto jornalístico digital, vão precisar desenvolver a habilidade e as competências necessárias para lidar com a complexidade das comunidades sociais, ou seja, ver o conjunto das pessoas e cada individuo como partes diferentes mas integradas.
Isto nos leva de volta à questão da sustentabilidade e do engajamento porque estes são, atualmente, os dois desafios jornalísticos com maior carência de dados e de técnicas de investigação da realidade. Pulando etapas, pode-se afirmar com algum grau de segurança que na questão financeira não é possível uma solução única para todos os casos. Isto porque a montagem de um sistema de receitas financeiras vai depender do poder aquisitivo médio do público-alvo, da existência de algum tipo de financiamento público ou privado, da presença de anunciantes, para mencionar só os casos mais comuns. Estas informações serão obtidas basicamente através de pesquisas pois as realidades inevitavelmente serão diferentes e específicas. Portanto, cada projeto acabará tendo que criar o seu próprio modelo de captação de receitas.
O engajamento é ainda mais complexo porque vai envolver pessoas, logo exigirá conhecimentos mínimos sobre relações humanas, entender a dinâmica social numa comunidade, tolerância ideológica e persistência diante de eventuais recusas de colaboração. Aqui também é quase certo que haverá a necessidade de muita pesquisa para adaptar à realidade do projeto estratégias de engajamento desenvolvidas noutros locais e países. Isto tudo vai exigir algum tempo para que jornalistas e comunidades se tornem parceiros na produção de informação e na sustentabilidade financeira.
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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.