Há um braziu desconhecido para alguns milhões de brasileiros. No último almoço de família, tive um breve contato com ele e, tal como um viajante que andou por terras muito distantes, volto com muitas informações. Nesse país, Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), fugiu. O ministro da Defesa desse braziu, Paulo Sérgio Nogueira, teria dado um ultimato ao mesmo TSE e colocado suas tropas de prontidão para assumir o poder.
Peço perdão, desde já, se não apresento muitos detalhes, ou se parte das informações não fazem sentido, mas elas me foram metralhadas por um parente muito querido em poucos segundos, assim, aos borbotões. Foram cinco dessas estórias impressionantes contadas em coisa de 10 minutos. Uma a cada dois minutos de conversa. Como jornalista, fiquei bastante impressionado com a capacidade do familiar em transmitir tanta informação em tão pouco tempo.
De todas as estórias desse braziu profundo e indecifrável, a que realmente me impressionou foi de um ritual macabro de sangue do qual teria participado um candidato à Presidência da República. Esse tal braziu, como você, leitor mais atento, já percebeu, possui autoridades com nomes iguais aos do Brasil que você e eu conhecemos. Por isso, você já deve ter intuído o nome do candidato citado. Outra coincidência é que neste país também foram realizadas eleições em primeiro turno no início deste mês. Só que lá descobriram que urnas foram fraudadas em um Estado chamado Amapá.
Alguns milhões de eleitores desse braziu irão às urnas no próximo dia 30 e votarão de forma convicta com base em algumas dessas informações que vos apresento em primeiríssima mão. E, considerando que as pesquisas realizadas neste país mostram uma ampla vantagem de seu candidato à Presidência, tenho absoluta certeza de que seus moradores ficarão revoltados se os resultados apontarem algo diferente daquilo que acreditam. Eles decidiram seu voto depois de tomarem conhecimento desses fatos, contou-me meu familiar, principalmente pelo Facebook e ou em grupos de WhatsApp.
O único problema é que o voto dos eleitores do braziu podem decidir as eleições do Brasil. Como jornalista, isso me entristece. Como democrata, me desespera.
Poucas denúncias
Balanço do TSE mostra que a divulgação de desinformação lidera as representações recebidas pelo tribunal. O dado parece positivo, mas não é. De 15 de janeiro até 10 de outubro de 2022 foram registradas na Justiça Eleitoral 372 ações, sendo 85 delas (26%) ligadas ao que TSE chama de fake news. Como correspondente do braziu, digo que lá circulam tantas estórias escabrosas que esse número parece ridículo.
O próprio TSE tinha recebido mais de 15 mil denúncias pelo Sistema de Alerta de Desinformação Contra as Eleições 2022 até 20 de setembro. De acordo com o tribunal, ele repassa as denúncias às plataformas digitais e agências de checagem parceiras da Corte Eleitoral no Programa de Enfrentamento à Desinformação, para rápida contenção do impacto provocado pela disseminação desse tipo de conteúdo na internet. Dependendo da gravidade do caso, os relatos recebidos também podem ser encaminhados ao Ministério Público Eleitoral (MPE) e demais autoridades para adoção das medidas legais cabíveis.
Será preciso esperar o final das eleições para avaliarmos a efetividade do trabalho de denúncia e checagem. Temo que, mesmo com esforços redobrados em relação aos últimos pleitos, ainda estejamos longe de termos uma ação efetiva contra a desinformação.
A toga que precisa estudar
Na última quinta-feira (13) o ministro Alexandre de Moraes (que por sinal está no Brasil) apontou, durante o julgamento de uma ação protocolada pela campanha do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a remoção de um vídeo divulgado no canal bolsonarista “Brasil Paralelo”, o que chamou de “novas modalidades de fake news”. De acordo com ele, duas novas formas de desinformação estão sendo usadas durante estas eleições. A primeira seria a manipulação de algumas premissas verdadeiras para se chegar a uma conclusão falsa. A segunda seria a utilização de mídias tradicionais para se plantar fake news.
Causa certo espanto que o ministro acredite que esteja descobrindo algo que já foi apontado pelas pesquisas da plataforma first draft há pelo menos três anos. Ao descrever sete categorias de desinformação, Claire Wardle e sua equipe já mostravam que a desordem informacional era muito mais complexa do que a inexata expressão fake news. Por óbvio, não se espera do ministro amplo conhecimento sobre comunicação, mas, considerando-se sua posição como presidente do TSE, em uma eleição que já se sabia que seria marcada pelo espalhamento de todo o tipo de mentiras, algumas leituras básicas são altamente recomendadas.
Passados quatro anos desde que a mamadeira de piroca foi protagonista de uma eleição, o judiciário brasileiro parece menos surpreso com a desinformação, porém ainda bastante despreparado. Seus critérios para a exclusão de conteúdos das redes não são claros e visivelmente falta conhecimento do fenômeno. Considerando-se a qualidade da pesquisa feita em torno do tema por cientistas brasileiros, em diálogo direto com autores internacionais, seria importante incluir a Academia no processo.
Democracia depende de informação de qualidade
Há um ecossistema de combate à desinformação que busca confrontar a realidade paralela que aqui, ironicamente, chamo de braziu. Agências de checagem, veículos de imprensa e o próprio Poder Judiciário se esforçam para trazer alguma qualidade ao ambiente informacional durante estas eleições. Mas há muito a ser feito, especialmente, no que tange à responsabilização das plataformas.
Não há democracia plena quando os cidadãos tomam as suas decisões com base em mentiras. O combate à desinformação é fundamental se queremos um ambiente democrático saudável.
Me despeço dos leitores do ObjETHOS desejando que fiquem longe do braziu. Aquele lugar é por demais inóspito.
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Álisson Coelho é Doutor em Comunicação pela Unisinos e pesquisador associado do ObjETHOS