Em fevereiro de 2022, pela primeira vez na história, o relatório do IPCC ( Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) tratou do papel danoso da desinformação na ação contra as mudanças climáticas.
‘‘A desinformação climática é um mecanismo que algumas indústrias interessadas na questão de venda de combustíveis fósseis ou desmatamento da Amazônia fazem para confundir a opinião pública e governos acerca da relevância e da importância da ação rápida contra as mudanças climáticas. Então basicamente é uma campanha de desinformação, propaganda, notícias falsas, fake news, sobre a questão das mudanças climáticas motivadas por interesses econômicos.’’, explica Paulo Artaxo, professor titular do Instituto de Física da Universidade de São Paulo e membro do IPCC.
Um exemplo é o caso da maior empresa petrolífera dos Estados Unidos, a ExxonMobil, que gastou milhões para disseminar desinformações contra o aquecimento global. A empresa sabia dos riscos do combustíveis fósseis para as mudanças climáticas desde 1977, época que o problema ainda não era conhecido publicamente.
Meghie Rodrigues, doutoranda no Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp, onde pesquisa desinformação sobre mudanças climáticas, estuda os diversos tipos de desinformação climáticas existentes, desde as que contestam o consenso científico, dando explicações alternativas, até as que afirmam que é tarde demais para atuar contra as mudanças climáticas.
A pesquisadora acrescenta também sobre as desinformações sobre a Amazônia e todos os tipos de teorias da conspiração que envolvem o assunto, já que envolve o desmatamento da floresta que impacta diretamente nas mudanças climáticas: “O desmatamento da Amazônia impacta no clima mundial; você desregula o clima do mundo inteiro, já que a Amazônia é uma das maiores florestas tropicais. ’’
Ela exemplifica também o interesse do agronegócio, citando as narrativas que argumentam que o desmatamento seria bom para a economia brasileira, já que segundo essa lógica o agronegócio é tido como uma atividade prioritária. O desmatamento feito pela agropecuária e a pecuária é um dos principais responsáveis pela emissão de dióxido de carbono no Brasil.
Para Artaxo, é essencial tratar de políticas públicas, diante do lucro da indústria com ações que intensificam o aquecimento global: ‘‘Sem políticas públicas nós não vamos conseguir lidar com a questão da mitigação e da adaptação às mudanças climáticas, então as políticas públicas têm papel absolutamente central. Sem elas as indústrias continuariam a queimar combustíveis fósseis ‘ad infinitum’ até aquecer o planeta 4, 5 ou 6 graus, porque as indústrias só estão interessadas em ganhar dinheiro o mais rápido possível, da maneira mais fácil possível. Essa é a lógica do capitalismo que nós temos hoje; então sem políticas públicas não há saída para essa questão.’’ Segundo ele, a melhor maneira de combater a desinformação climática é tendo uma legislação adequada, um controle mais forte sobre o que se publica e um Judiciário que realmente penalize os responsáveis por disseminar notícias falsas.
Os argumentos de Artaxo são complementados por Rodrigues: “Quem precisa agir são os governos, que enfim são eleitos para resguardar o bem das suas populações. Então, se os governos estivessem funcionando de uma forma ideal, e não fossem capturados pelos interesses das empresas e pela corrupção econômica, eles estariam fazendo isso há muito tempo’’, diz Meghie, para quem, tanto no caso da indústria petrolífera nos Estados Unidos, quanto no agronegócio no Brasil, essas empresas pagam pessoas dentro do governo para legislar a favor de seus interesses.
Um estudo recente revelou que a coalizão Global Climate Coalition (GCC) foi responsável por uma ofensiva campanha de disseminação de desinformação que tentava frear o combate ao aquecimento global. Formada em 1989, a GCC foi a primeira organização que fomentou argumentos contrários às ações climáticas e teve extrema influência nas políticas climáticas dos EUA e no resto do mundo. As táticas utilizadas nessas campanhas servem de modelo para a desinformação climática até hoje.
Esse estudo sintetizou as ofensivas disseminadas nessas campanhas de desinformação em quatro atividades: 1)‘‘O monitoramento e contestação da ciência climática’’; 2) ‘‘A encomenda e utilização de estudos econômicos para amplificar e legitimar seus argumentos’’; 3) ‘‘A mudança da compreensão cultural das mudança climáticas através de campanhas publicitárias’’ e, finalmente, 4) ‘‘A condução de um lobby agressivo nas elites políticas.’’
Desinformação nas redes sociais
O Greenpeace EUA, em parceria com Avaaz e Friends of the Earth, divulgou um relatório apresentando um ranking das BigTechs no quesito transparência quanto à desinformação climática. A análise mostra que as empresas estão ocultando os dados sobre a desinformação climática existente e sobre as medidas utilizadas em relação aos infratores que a produzem.
No ranking, de um total de 27 pontos, YouTube e Pinterest obtiveram a melhor pontuação, 14 pontos; Facebook teve 9 pontos, TikTok, 7 e o Twitter, 5 pontos.
Já a análise feita pelo Institute for Strategic Dialogue (ISD), em parceria com a CASM Technology e a Climate Action Against Disinformation alliance (CAAD), documentou o ecossistema de desinformação durante período de 18 meses e mostrou como as redes sociais têm amplificado a disseminação de informações incorretas sobre a mudança climática.
A pesquisa rastreou postagens do Central de informações sobre o clima do Facebook e comparou com posts de páginas de negacionismo climático entre o dia 31 de outubro de 2021 e 12 de novembro do mesmo ano. O resultado foi que o último grupo possuía uma quantidade e frequência maior de postagem do que a página climática oficial do Facebook e, além disso, tinha visibilidade e engajamento maior nestes conteúdos.
A análise de contas do Twitter mostrou que a maioria das contas de negacionistas climáticos, nos EUA, Reino Unido e Canadá, vêm de especialistas influentes, muitas vezes com contas verificadas. O relatório especifica os tipos de influenciadores: muitos influenciadores neste espaço geralmente vêm de origens científicas ou acadêmicas e alguns estiveram anteriormente envolvidos no movimento verde. Isso permite que eles se apresentem como ambientalistas ‘racionalistas’ e reivindicam maior credibilidade para suas análises (…) Também lhes dá um apelo online significativo e potencial de gerar públicos muito mais amplos, uma vez que são frequentemente convidados por meios de comunicação conservadores como ‘especialistas em clima’.’’
No Brasil, uma investigação realizada pela Agência Pública revelou que entre 121 vídeos sobre mudanças climáticas indicados pelo algoritmo de recomendação do YouTube, 37 continham desinformação climática. Além disso, a investigação mostrou que os principais responsáveis pelos vídeos que apresentavam informações incorretas eram bolsonaristas e ruralistas.
Como na pesquisa do ISD, a maioria dos vídeos analisados pela pesquisa da Agência Pública recebem um selo de credibilidade de cientistas. 70% dos vídeos da amostra da investigação continham respaldo de professores negacionistas Ricardo Felício e Luiz Carlos Molion (os dois já foram financiados pelo agronegócio, como mostra reportagem da BBC).
A pesquisa também revelou que dos 37 vídeos, 15 são monetizados, mostrando que a desinformação climática é lucrativa para o YouTube e para os publicadores dos vídeos.
***
Nicole De March é mestre e doutora em Física (UFRGS). Pós-doutoranda do LABTTS (DPCT-IG/Unicamp) e membro do Grupo de Estudos de Desinformação em Redes Sociais (EDReS).