Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Pode-se imaginar um retorno de Trump?

Foto: Gage Skidmore/Creative Commons

Foi a jornalista Valérie de Graffenried, correspondente suíça nos Estados Unidos do jornal Le Temps, quem levantou a lebre: e se Donald Trump retornar à Casa Branca? Nada mais que uma hipótese, não uma profecia, com o faro político de quem vive em Nova York desde a posse do presidente norte-americano, inspirador do negacionismo copiado por Bolsonaro. E sem querer assustar ninguém, ela cita sondagens dando preferência a Trump.

Mas é claro que assusta. Os republicanos de Trump estão decididos a recuperar a maioria no Congresso, depois da derrota do candidato a governador dos democratas na Virgínia. Evidentemente, não será fácil Trump recuperar seu cargo, pois ainda existem processos contra ele, principalmente por incitar seus seguidores a invadir o Capitólio, com base na sua obsessão de ter havido, sem provas, fraude nas eleições.

Todos ficamos impressionados com a facilidade com que Bolsonaro e suas redes sociais espalham e impõem mentiras aos seus fiéis e ingênuos seguidores, chamados de “gado”, por estarem blindados contra qualquer exercício mental de crítica. Nos Estados Unidos, a onda negacionista e conspiracionista começou com mensagens ditas secretas vindas de um desconhecido QAnon, membro do governo trumpista com acesso a informações sigilosas. Distribuídas pelas redes sociais, essas teorias ainda continuam tendo seguidores e são as responsáveis pelo atraso dos Estados Unidos na vacinação contra o coronavírus.

Ainda na última semana, em Dallas, nos EUA, adeptos do movimento conspiracionista inclusive com as letras QAnon impressas em seus t-shirts, esperavam o retorno do filho de John F. Kennedy, morto num acidente de avião há 22 anos. Segundo o QAnon, o filho de Kennedy não teria morrido, mas depois da simulação de um acidente teria ficado incógnito, e deveria reaparecer agora para anunciar o retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. Numa mistura com as crenças de um retorno de Cristo, os seguidores de QAnon acreditam num retorno de Trump, quando será ungido como “rei dos reis”.

O filho de JFK não apareceu, pois está morto, mas isso não significa uma desilusão definitiva para os conspiracionistas. Eles continuam acreditando em absurdos, pois no dizer de um senador democrata, “o debate político se separou da realidade”.

Essas mesmas teorias, com ligeiras variantes, eram as mesmas razões das resistências iniciais à vacinação no Brasil. Embora seja uma perda de tempo, uma consulta dos vídeos favoráveis a Bolsonaro da Jovem Pan, Record e redes sociais bolsonaristas mostrará que elas se especializaram na fabricação de mentiras absurdas, relacionadas com o Covid-19 e com as vacinas, aceitas pelos seguidores de Bolsonaro como verdadeiras.

A frase do senador democrata norte-americano se adapta perfeitamente ao Brasil, onde a política passou a fazer parte do credo das igrejas e congregações evangélicas. Sem o apoio dos evangélicos, Bolsonaro não teria sido eleito. Ter escapado vivo do atentado foi sempre considerado pelos pastores evangélicos como milagre e, mais que isso, como um sinal de Deus em favor de Bolsonaro. Essa opção pelo poder foi extremamente lucrativa para os evangélicos, recompensados com diversos ministérios e com uma equipe em torno do presidente Bolsonaro.

Porém, no caso de não reeleição de Bolsonaro, essa proximidade acabará sendo, provavelmente, prejudicial em termos de perda de credibilidade. A atual deterioração econômica do governo deixará sequelas graves entre os pobres. Depois das mortes causadas pelo coronavírus, contra o qual os pastores não se mobilizaram, seguindo o negacionismo de Bolsonaro, o retorno e agravamento da pobreza acabarão certamente por gerar a dúvida e a incredulidade em muitos fiéis.

Nos dias de hoje, as prévias eleitorais reforçam uma derrota de Bolsonaro, mesmo no caso de bipolarização. O presidente democrata Joe Biden tem ainda três anos para impedir a hipótese de uma reeleição de Trump em 2024. Porém, se o mundo já se livrou de Trump e se o Brasil logo se livrará de Bolsonaro, isso não significa uma certa estabilidade no cenário internacional. Porque a França vive hoje um pré-pesadelo: o crescimento nas prévias eleitorais de um candidato de extrema-direita, pior do que seriam Marine Le Pen e seu pai criadores do Front National. Trata-se do jornalista, comentarista e polemista Éric Zemmour, sobre quem logo falaremos.

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro Sujo da Corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A Rebelião Romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.