Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Rastreamos a hashtag que espalhou fake news sobre Jean Wyllys

Publicado originalmente por Agência Pública.

(Foto: Reprodução)

Por Bruno Fonseca.

Levou pouco mais de duas horas para que a notícia da renúncia do ex-deputado Jean Wyllys (Psol) devido a ameaças, em 24 de janeiro, fosse capturada por seus mais ferrenhos opositores e transformada em um novo ataque ao parlamentar. Entre as ameaças denunciadas por Wyllys antes de deixar o país, havia avisos sobre um atentado com explosivos e advertências de que seus familiares seriam estuprados e esquartejados, incluindo dados pessoais de parentes, como endereços e placa de carro.

Mas, nos dias 24 e 25 de janeiro, boatos insinuavam ou afirmavam que Jean estaria envolvido no atentado a faca contra o presidente Jair Bolsonaro (PSL) cometido por Adélio Bispo, que confessou o crime e está preso. Mesmo com a Polícia Federal (PF) descartando o envolvimento de terceiros no inquérito concluído em 2018 e sem evidências de que Wyllys estaria ligado às investigações em andamento – a PF afirmou à Pública que não comentaria o inquérito em curso –, diversos perfis de direita e ultradireita afirmaram que a saída de Wyllys do Brasil era uma fuga das autoridades brasileiras.

O caminho do boato nas redes seguiu um roteiro já conhecido das fake news: primeiro, foi lançado por perfis anônimos no Twitter, que, em seguida, foram retuitados por perfis mais populares, influenciadores e políticos com alcance nacional. Além do Twitter, o boato alcançou youtubers com milhares de seguidores, assim como páginas conhecidas no Facebook. Depois de terem explodido na rede, vários tweets, vídeos e postagens foram deletados.

A Pública analisou mais de 300 mil postagens no Twitter, além de conteúdos no Facebook, YouTube e no GAB – rede social criada pela ultradireita dos EUA que chegou ao Brasil no ano passado – e concluiu que os boatos ganharam repercussão após terem sido compartilhados por figuras ligadas a Jair Bolsonaro, como Olavo de Carvalho, Lobão e Alexandre Frota, além do próprio presidente, que endossou ligação do Psol com o autor do atentado.

A reportagem apurou também que páginas de notícias hiperpartidárias e de apoio a Bolsonaro foram fundamentais na difusão do boato, o que pode levar a condenações criminais para quem o espalhou.

Anônimos iniciaram boato

O primeiro registro nas redes que traz os nomes de Wyllys e Adélio juntos apareceu no Twitter cerca de uma hora depois da publicação da entrevista da Folha de S.Paulo que revelou que Wyllys deixaria o país. Às 15h48, Ruth Coriar compartilhou uma nota do site Renova Mídia, que replicou a entrevista da Folha, acrescentando que estava mal contada “essa história” da renúncia de Wyllys. O Renova, que se afirma um veículo “sem o filtro politicamente correto da velha imprensa”, tem sido utilizado como fonte por apoiadores de Bolsonaro. A coleta foi realizada pelo Monitor do Debate Político no Meio Digital, da Universidade de São Paulo (USP).

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Às 15h56, em um comentário na própria matéria no site do Renova, um usuário chamado Diogo Marques questionou a relação de Adélio Bispo, autor confesso da facada em Bolsonaro, com Wyllys.

Às 15h57, uma resposta ao Twitter oficial da Folha de S.Paulo fomentou o boato. A usuária @margareth_rei, que faz constantes críticas ao PT e elogios a Bolsonaro em seu perfil, tuitou: “ah, se Adélio falasse…”. A publicação teve seis curtidas.

As publicações seguiram sem grande engajamento até que, às 16h49, Milene Reis, com mais de 12 mil seguidores (entre eles o vereador Carlos Bolsonaro e o assessor do presidente Filipe Martins), escreveu que a fuga de Wyllys ocorreu após um vídeo comprovar visita de Adélio ao Congresso. Com a hashtag #VaiPraCubaJean, a postagem de Milene teve mais de 1,5 mil compartilhamentos e mais de 4,9 mil curtidas.

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A história que Adélio teria sido registrado na Câmara dos Deputados no dia do atentado já foi desmentida pela própria Câmara. Em setembro de 2018, a casa informou que os registros em sistema da entrada de Adélio foram um erro do recepcionista da portaria onde se acessa o sistema de identificação de visitantes (Sivis).

A partir daí, dispararam as interações com conteúdos semelhantes. Contas pessoais como a do advogado e membro do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) Ricardo Peake Braga (@peakebraga) e a do consultor em negócios Adriano Tomasoni (@adrianotomasoni), mas também páginas de memes e humor como a Bolsonéas (@Bolsoneas) publicaram tweets sugerindo relações entre Wyllys a Adélio.

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Procurado pela Pública, Adriano respondeu “Quem vcs acham que são pra chegar aqui e fazerem esse tipo de afirmação? Vocês têm o intuito de me colocar medo?”.

Entre as contas que mais tuitaram sobre o tema nesse período está a de Maria Rita Lopes (@maryritalopes), que publicou uma série de tweets insinuando envolvimento de Wyllys no crime, inclusive pejorativos à orientação sexual de Wyllys e a LGBTs em geral. Com mais de 30 mil seguidores, Maria pediu que outros usuários usassem a hashtag #VaiPraCubaJean.

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À noite, às 21h56, foi a vez de uma conta não verificada no Twitter do ex-secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Júnior (PRB), que publicou que “essa história do Jean Wyllys tá muito estranha!!! Tem coelho nesse mato!”. O tweet alcançou mais 2,1 mil compartilhamentos e foi repercutido por diversos perfis de apoio a Bolsonaro, incluindo de usuários do GAB.

Nessa primeira leva de publicações com grande repercussão há perfis que foram desativados após a onda de boatos, como a “O Corvo”, crítico ao PT e apoiador de Bolsonaro. O perfil havia obtido mais de 2,2 mil curtidas em uma postagem que associava a saída de Wyllys a uma suposta descoberta da PF: “Talvez a PF tenha descoberto o vínculo de Adélio com alguém do Psol no caso do atentado! Será que Jean Fugiu?”, publicou. Depois da desativação do perfil, O Corvo possui agora uma segunda conta.

Entram em cena os youtubers e Olavo de Carvalho

Um fator decisivo para a repercussão do boato foi a publicação de vídeos no YouTube por apoiadores do presidente. O canal Cabra da Peste TV, de Regina Vilella, compartilhou um longo vídeo listando razões pelas quais Wyllys estaria deixando o Brasil. Especulando sobre as investigações da PF sobre o atentado a Bolsonaro, a transmissão de mais de 40 minutos passou das 70 mil visualizações.

Em seguida, veio o canal Política Play, que republicou o vídeo do Cabra da Peste e teve mais de 500 mil visualizações. O vídeo está atualmente deletado. A página de Facebook Avança Brasil, de maçons, também compartilhou e depois deletou o vídeo.

No Facebook, uma série de páginas de ultradireita e apoiadoras de Bolsonaro também amplificaram o boato. O Notícias Brasil Online questionou: “se Jean Wyllys está sofrendo ameaças, será por queima de arquivo?”. Na madrugada, o blog do empresário e jornalista Cleuber Carlos, de Goiás, afirmou que “Jean Wyllys pode ser o mandante por trás de Adélio Bispo na tentativa de matar Jair Bolsonaro”. A página Movimento Curitiba Contra a Corrupção sugeriu “juntar os pontinhos” entre a renúncia de Wyllys e o crime contra Bolsonaro.

Por fim, ainda durante a madrugada, foi a vez de Olavo de Carvalho publicar que “a perseguição ao Flávio Bolsonaro, a fuga de Jean Wyllys e a tentativa de assassinato de Jair Bolsonaro, por um ex-membro do PSOL, estão ligados de alguma forma bem bizarra”. A postagem, com mais de 2,1 mil compartilhamentos, ainda trouxe um vídeo que acusa o Psol de ter origens terroristas. O vídeo é de autoria do Canal Terça Livre, do comunciador Allan dos Santos e do analista Ítalo Lorenzon, que apoiam Bolsonaro.

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Lobão foi um dos primeiros a usar hashtag contra Jean Wyllys

Na manhã seguinte à publicação da reportagem da Folha, as críticas a Wyllys ressurgiram na forma da hashtag #InvestigarJeanWillis. E uma das figuras a liderar essa campanha foi a do músico Lobão. Às 6h44, ele publicou no Twitter que a saída ‘levanta sérias suspeitas” de envolvimento no atentado. A postagem, ainda pública, teve mais de 6,8 mil compartilhamentos e mais de 29 mil curtidas.

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Lobão foi compartilhado pelo deputado Alexandre Frota (PSL), que já havia sido condenado por difamar Wyllys publicando uma fala falsa do ex-deputado na qual ele trataria a pedofilia como algo normal. Além de compartilhar a postagem de Lobão, Frota usou emoticons para insinuar ligação com a facada e compartilhou outros conteúdos com a hashtag #InvestigarJeanWillis e, mesmo dia depois, segue postando referências de Wyllys com o atentado a Bolsonaro.

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O próprio Jair Bolsonaro publicou no Twitter uma relação do Psol com o atentado. A publicação não faz menção a Wyllys, mas despertou comentários que refizeram a associação, inclusive do próprio Lobão, que, em resposta ao presidente, ajudou a impulsionar novamente a hashtag #InvestigarJeanWillis. A resposta de Lobão a Bolsonaro pelo Twitter teve quase 4 mil curtidas.

Com a ação conjunta desses perfis, a hashtag #InvestigarJeanWillis se tornou uma das mais utilizadas no Twitter no Brasil no dia (Trending Topic). O movimento foi amplificado pela repercussão da entrevista de Caio Coppolla, um comentarista, youtuber e influenciador da direita, para a rádio Jovem Pan, na qual ele critica os motivos do autoexílio de Wyllys. Vídeos da entrevista foram utilizados em milhares de publicações com a hashtag #EstamoscomCaio junto à #InvestigarJeanWillis.

A Pública coletou mais de 300 mil tweets com a hashtag #InvestigarJeanWillis. Na coleta, os principais perfis são de personalidades da direita, ultradireita e de apoio a Bolsonaro. Destaca-se também uma rede de páginas de YouTube que produziram vídeos endossando os boatos, como a de Nando Moura, indicado pelo presidente como opção “de excelente canal de informação”.

Quantidade de publicações no Twitter que utilizam a hashtag #InvestigarJeanWillis e termos semelhantes

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A Pública coletou também postagens na rede GAB que disseminaram o boato da participação de Wyllys no atentado. Além de conteúdos pejorativos ao ex-deputado, havia uma série de postagens chamando para uma petição para investigação de Wyllys. Até o fechamento da reportagem, já havia mais de 44 mil assinaturas na petição. Procurada, a Polícia Federal esclareceu que para que seja instaurada uma investigação é preciso que a pessoa procure a PF apresentando provas ou documentos que embasem a acusação.

Políticos têm imunidade para caluniar – os demais podem ser condenados criminalmente

Usuários que compartilharam o boato podem ser processados pelo ex-deputado do Psol por calúnia – é esse o termo quando alguém é falsamente acusado por um crime, segundo o professor de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) Pablo Alves de Oliveira. “Quem faz a calúnia é que tem que provar que a sua acusação é verdadeira. Não é o Jean Wyllys que tem que provar ser inocente. Nossa Constituição garante a todos os cidadãos a chamada presunção da inocência, ou seja, todo mundo tem que ser considerado inocente até que se tenha uma decisão do Judiciário”, explica.

Contudo, como aponta o professor de direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Fundação Getulio Vargas (FGV) Diogo Rais, políticos em exercício são protegidos de serem processados por calúnia ou injúria. “Como agente, os parlamentares têm uma imunidade parlamentar que lhes permite falar e não responder criminalmente por algumas falas. Há uma proteção maior”, afirma o professor. Em 2017, o ministro Edson Fachin decidiu que a imunidade de políticos também abrange trocas de ofensas.

A Pública conversou com Guilherme Cohen, ex-assessor de Wyllys, que disse não se surpreender com os boatos porque o ex-deputado era constantemente alvo de mentiras. Ele citou uma série de páginas e perfis que repetidamente produzem conteúdo falso contra Wyllys, como Alexandre Frota, envolvido nas acusações recentes. “Isso só vem tentar mascarar o real motivo do Jean ter saído do país, que são as ameaças gravíssimas de morte que ele vem sofrendo há bastante tempo”, desabafa.

À Pública, a PF respondeu que há na Superintendência do Distrito Federal cinco inquéritos em andamento para apurar notícias de ameaça a Wyllys. A PF não esclareceu se as investigações tratarão também dos boatos recentes.

Paulo José Lara, da organização não governamental de direitos humanos Artigo 19, pondera que é preciso responsabilizar usuários nas redes de acordo com o seu alcance. “Uma coisa é quando uma ou outra pessoa sem muita expressão fala algo, ofende, comete alguma injúria. Outra coisa é quando esse personagem tem grande visibilidade: um político, um grande empresário etc. A gente tem que sempre medir essas atitudes de acordo com a reverberação que ela tem e com as responsabilidades do ator. Um político ou uma figura pública não pode reproduzir esse tipo de mensagem, por exemplo. O ator público tem que ter muito mais responsabilidade”, conclui.

A Pública enviou mensagens nas respectivas redes aos demais usuários citados no texto que fizeram menção aos boatos envolvendo Jean Wyllys pedindo esclarecimentos.