Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Redes, pânico e a “Bruxa do Guarujá”

No dia 3 de maio de 2014, Fabiane Maria de Jesus, 33 anos, foi brutalmente agredida após seus vizinhos a confundirem com uma suposta sequestradora de crianças denunciada na página do Facebook “Guarujá Alerta”. A postagem original afirmava que havia uma mulher no Guarujá sequestrando crianças para utilizá-las em rituais de magia negra: “Boatos rolam na região da praia do Pernambuco, Maré Mansa, Vila Rã e Areião, que uma mulher está raptando crianças para realizar magia negra […] Se é boato ou não, devemos ficar alertas”.1 A postagem incluía um retrato falado da chamada ‘‘bruxa’’ e a fotografia colorida de uma mulher loira apareceu posteriormente num dos comentários da publicação. Fabiane Maria de Jesus não sobreviveu aos ferimentos provocados pelas agressões e faleceu dois dias depois. 2

Este foi um caso que teve grande cobertura na mídia brasileira (Leal e Martin, 2019). É um exemplo de como a desinformação é um processo complexo, que articula uma extensa rede de atores e produz realidades paralelas com graves consequências. O caso conhecido como “Bruxa do Guarujá” [1] – porque associa uma mulher que sequestrava e utilizava crianças em rituais de magia negra – foi um dos tantos linchamentos ocorridos no Brasil em 2014, sendo motivado por ódio e pânico difundido nas redes. No primeiro semestre daquele ano, foram noticiadas mais de cinquenta vítimas de linchamento no Brasil [2]. A maioria dos casos ocorreu após a divulgação em portais de notícias e no Facebook, como o linchamento ocorrido do dia 31 de janeiro de 2014, quando um adolescente negro e pobre foi espancado e acorrentado nu a um poste no bairro do Flamengo do Rio de Janeiro. O jovem tinha sido acusado de praticar roubos e furtos no bairro.

O caso de Fabiane Maria de Jesus é uma evidência das consequências da atuação do ecossistema da desinformação pelas redes sociais já em 2014. Boatos sempre existiram, mas o fenômeno da amplificação de seus efeitos no cotidiano se acelerou com a rápida difusão do uso dessas redes no país. É um fenômeno global chamado de desordem da informação (Wardle e Derakhshan, 2017) que assumiu proporções alarmantes nos últimos anos (McIntyre, 2018). Chamamos aqui de desinformação as informações falsas criadas deliberadamente para causar dano e criar um ambiente favorável ao discurso do ódio, mobilizando o medo, ressentimento e a violência. Wardle e Derakhshan (2019) classificam a desinformação por meio de uma tipologia (Figura 1), explicada abaixo:

(Fonte: Wardle & Derakhshan, 2019)

Existe um ecossistema que usa a desordem da informação em seu favor e a provoca ativamente. As mensagens que viralizam nas nossas redes sociais não tem a espontaneidade que aparentam. Elas são cuidadosamente construídas, usando estratégias de propaganda e contam com uma base de lançamento estruturada, o que possibilita sua difusão rápida. 3

Para entender o funcionamento de um ecossistema de desinformação, decidimos explorar o caso “Bruxa do Guarujá” por ser um fato mais antigo, mas em um período em que esse ecossistema já estava presente e se amplificando mas termos como  fake news, má-informação e desinformação ainda não eram amplamente utilizados. Este foi um dos casos com repercussão por ter produzido e dinamizado pânicos que produziram uma grave consequência.

Buscamos explorar o ecossistema de desinformação a partir do caso que é objeto de pesquisa, seja informação, boato, post, imagem compartilhada, áudio ou vídeo. A partir das informações presentes na internet e outras mídias, é possível seguir a desinformação, seus atores e desdobramentos (Wardle, 2017). O exercício de seguir a desinformação começa a reconstruir o caminho feito por ela, ajudando a entender por quem e por onde passou, por quais meios foi distribuída, qual é sua natureza, quais são suas mensagens, qual era o público pretendido e quais as consequências da sua disseminação. Nem sempre é possível descobrir a origem da desinformação – quem criou, produziu e distribuiu o conteúdo, mas às vezes é possível identificar se a desinformação é parte de um conjunto de desinformações semelhantes ou de uma campanha (Wardle, 2017).

Neste caso não foi possível seguir a desinformação em tempo real e  a coleta de dados e informações foi realizada através do levantamento de notícias publicadas na internet em sites de jornais que reportaram o caso do linchamento público. Consultamos também trabalhos acadêmicos e textos jornalísticos que sistematizaram os acontecimentos e trouxeram seus desdobramentos [3]. A partir desse material, buscamos analisar o ecossistema de desinformação utilizando as categorias sistematizadas por Wardle (2017) e Wardle e Derakhshan (2019), identificando agentes, mensagens e intérpretes e as fases de criação, (re)produção e distribuição da desinformação. Nosso objetivo foi analisar e identificar o processo pelo qual uma desinformação comunica com temores gerais de uma  comunidade, e se converte em pânico capaz de estimular atos violentos.

1. “Estava na Internet”: O boato e a vítima

No dia 25 de abril de 2014, a página do Facebook ‘‘Guarujá Alerta’’ – que se definia como uma “Página de fatos, acontecimentos, notícias, reclamações e sugestões do morador e turista de Guarujá”4 – fez uma postagem (Figura 2) afirmando que uma mulher estaria sequestrando crianças para realizar rituais de magia negra na cidade do Guarujá, litoral do estado de São Paulo. 5

(Foto: Página Guarujá Alerta, 6)

A postagem estava acompanhada de um retrato falado da suspeita (Figura 3) e da seguinte mensagem: “se é boato ou não devemos ficar alerta”. 7  Além disso, nos comentários da postagem foi publicada uma foto de uma mulher loira, supostamente a sequestradora. 8

(Foto: Página Guarujá Alerta 9)

A publicação do boato teve grande repercussão: foram 139 comentários e 765 compartilhamentos. 10 Segundo o dono e administrador da página Guarujá Alerta, os seguidores compartilharam em seus perfis não só o post original, mas também informações de que haviam visto a sequestradora e encontrado uma criança morta em um bairro próximo. 11 Os comentários continham discurso de ódio e a postagem despertou a revolta dos guarujaenses (Figura 4). 12 O boato se espalhou rapidamente em Morrinhos, bairro periférico da cidade do Guarujá.

Comentários seguidos da postagem do dia 25 de abril de 2014 (Fonte: Página Guarujá Alerta) 13

No dia 3 de maio, Fabiane Maria de Jesus, moradora do bairro, voltava para a casa após buscar a bíblia que havia esquecido na igreja. No trajeto entre igreja e casa, Fabiane, que tinha descolorido o cabelo na noite anterior, foi identificada pelos moradores do bairro como a mulher da foto da postagem do Guarujá Alerta. As agressões teriam começado depois de um casal ter corrido para pedir ajuda ao ter visto uma mulher parecida com a pessoa denunciada no Facebook entregar uma fruta a uma criança. Um homem teria começado as agressões a Fabiane 14 e, a partir daí, uma multidão se juntou, munida de pedaços de pau e outras armas improvisadas. Como resultado, Fabiane foi arrastada, onde foi linchada por um grupo de pessoas enquanto muitas outras assistiam. O número de pessoas envolvidas no linchamento variou bastante segundo os depoimentos coletados pela polícia. Fabiane estava indefesa, prostrada no chão, e foi agredida brutalmente. Durante a agressão, assumiram que a bíblia em suas mãos era um livro de magia negra. Vários participantes do linchamento gravaram o ato com seus celulares e postaram no Facebook. Fabiane foi resgatada e levada ao hospital e faleceu dois dias depois. 15

Logo após o linchamento e morte de Fabiane, a polícia declarou que não havia nenhuma denúncia registrada sobre uma mulher sequestradora de crianças no Guarujá. 16 A investigação policial verificou que o retrato falado (Figura 3) divulgado junto à postagem (Figura 2) pertencia à suspeita de um crime ocorrido no Rio de Janeiro em 2012 e que a foto da mulher loira não estava relacionada com o caso. A polícia civil afirmou que esse tipo de boato era comum e já tinha sido identificado em outros estados. 17

No dia 6 de maio de 2014, um dos participantes do linchamento, Valmir, foi detido. 18 Ele bateu com um pedaço de madeira na cabeça da vítima 19 e alegou que, naquele momento, acreditou no boato: ‘‘O povo dizia que a história da moça ser sequestradora estava na internet’’20. Através dos tantos vídeos gravados durante o linchamento outros quatro homens foram identificados e, no dia 10 de maio, detidos por homicídio: Abel, Carlos, Lucas e Jair. 21 Em seus depoimentos, Abel e Carlos alegaram que não tinham conhecimento do boato antes da agressão. O primeiro tinha amarrado os braços da vítima e o segundo puxado os cabelos de Fabiane e batido com sua cabeça no chão. Diferentemente dos dois, Lucas tinha ouvido o boato: “O povo comentou que era a mulher da internet, que era da página Guarujá Alerta”. Lucas ergueu a dianteira de sua bicicleta e bateu com o pneu na cabeça de Fabiane. E com Jair: ‘‘Disseram que a mulher era a que tinha saído no Facebook, relacionada com magia negra’’22. No vídeo, Jair empurrava Fabiane. 23

O dono e administrador da página declarou que, anteriormente à postagem, já havia recebido o retrato falado de dezenas de seus seguidores, inclusive de diretoras de escolas que teriam entrado em contato com a polícia. 24 Segundo ele, o retrato falado já estava circulando entre a população do Guarujá havia algum tempo e sua página não teria sido a origem do boato 25 – o que a página fez foi repercuti-lo 26 até o momento em que descobriu que as informações das pessoas que tinham visto a sequestradora ou encontrado crianças mortas eram falsas. A partir desse momento, ele teria se esforçado em mostrar à população que aquilo era realmente um boato. Como a página e todo seu conteúdo, porém, só foram tirados do ar horas após o linchamento, não foi possível averiguar se qualquer contenção do boato foi feita. Airton Sinto, advogado da família de Fabiane, culpou o dono do Guarujá Alerta de ter disseminado falsos boatos e alarmado toda comunidade de Morrinhos. 27 O dono da página, porém, se isentou de qualquer responsabilidade porque teria tentado desmentir o boato através de notas na página. Segundo ele, a culpa seria de seus seguidores: “faltou, daquele pessoal que foi lá e fez aquela atrocidade, interpretar um pouco mais o que nós estávamos querendo passar para a população”. 28 O dono da página não foi identificado pelas notícias porque recebeu ameaças e se tornou testemunha do caso após o linchamento de Fabiane. [4]

O linchamento e a morte de Fabiane Maria de Jesus estão conectados com o contexto: só no primeiro semestre de 2014 foram noticiadas mais de cinquenta vítimas de linchamento no Brasil. 29 Os linchamentos são uma expressão coletiva dramática de reação aos “processos sociais percebidos como sinais de desagregação social e de desordem” (Leal e Martin, 2019). De acordo com José de Souza Martins (2015), o linchamento é visto como uma forma de criar ordem onde a ordem não existe: a população lincha para punir, mas também porque se sente ameaçada e quer mostrar que não concorda com alternativas de mudança social que vão contra certos valores e normas de conduta tradicionais.

Martins (2015) aponta que os linchamentos acontecem no país desde o período colonial – o mais antigo conhecido tendo ocorrido em 1585 na Bahia. Em particular, o final do século XIX viu, com a aproximação da abolição, um aumento de linchamentos motivados pela resistência ao fim da escravidão, quando negros e brancos foram linchados por apoiarem a abolição. O que Martins chama de cultura do linchamento, porém, tem início no pós-Segunda Guerra Mundial, em especial com o fim dos regimes autoritários no Brasil. Nesses contextos, não só o medo da repressão diminui, mas a população se inspira nas manifestações de violência dos regimes e apresenta elementos em comum: a percepção de uma situação de anomia em um Estado com leis frágeis e benevolentes e uma justiça lenta e tolerante para alguns crimes que se transforma em necessidade de ação, normalmente violenta (Martins, 2015). [5]

Soma-se a isso a articulação de temores relacionados a rituais satânicos, vinculado a uma política de ódio e mobilizando atitudes excepcionais (quase que as legitimando), que pode ser analisada a partir do referencial dos pânicos morais e suas derivações. No final da década de 1970, Stanley Cohen analisava como gangues e grupos sociais considerados desviantes compunham o imaginário britânico social de desordem e anarquia. A esses grupos era outorgada a responsabilidade pelo aumento no número de crimes e violência no país, e mais ainda, seriam a representação mais direta da desvirtuação social e decadência moral do país, como geralmente eram retratados pela mídia e por autoridades diversas.

Na definição de Stanley Cohen (2002), os pânicos morais são fenômenos recorrentes aos quais as sociedades estão sujeitas, condições ou episódios em que uma pessoa ou grupo é definido como uma ameaça aos valores e interesses sociais. O assunto é estereotipado pela mídia e outros atores, construindo barreiras morais ao seu redor. Os episódios produzem comoção social e compõem argumentos que justificam, a restrição de direitos e liberdades democráticas. [6]

Um exemplo de mídia que reforça o espalhamento de notícias falsas e inflação de pânicos morais são os programas pinga-sangue, que se configuram como todo um estilo de noticiar acontecimentos e crimes. 30 Frases de efeito, como “bandido bom é bandido morto” e “direitos humanos para humanos direitos”, são repetidas constantemente e, nos casos retratados, os suspeitos são prontamente considerados culpados e os preconceitos com as populações pobres, negras e gays são reforçados regularmente. 31

Em sua dissertação “30 anos de Linchamentos na Região Metropolitana de São Paulo 1980-2009” (2013), Ariadne Lima Natal observou que picos de linchamento ocorriam logo após o noticiamento de crimes pela mídia -um espelhamento, que faz com que a população se sinta compelida a reagir da mesma forma quando se depara com algo semelhante. 32 A pesquisadora observa fenômeno semelhante quando as notícias aparecem nas redes sociais. 33 Com a difusão do uso da internet e das redes sociais, atingem um número maior de pessoas em um menor tempo.

2. Ecossistema da Desinformação

O termo “fake news” não dá conta da complexidade do fenômeno da desordem da informação na medida em que este termo foi apropriado por figuras públicas que o utilizam como ferramenta para criticar reportagens com as quais discordam (Wardle, 2017). Wardle e Derakhshan (2017) argumentam que o problema vai muito além de informação falsa,  trata-se todo um ecossistema que cria, produz e distribui informações. Para entender a desinformação é preciso identificar quais os tipos de conteúdo estão sendo criados e compartilhados, quais as motivações dos criadores e compartilhadores e as formas com que o conteúdo está sendo compartilhado. Quando uma desinformação é criada e divulgada em forma de boato, gera impactos socialmente visíveis (McIntyre, 2018; Morozov, 2011). As plataformas digitais – sobretudo em forma de mídias sociais – entram não apenas como um catalisador da desinformação, mas também como agentes que se recusam a averiguar os conteúdos compartilhados por medo de perda de lucratividade (Barbosa et al, 2020).

A “desordem da informação” é composta por informações incorretas, má-informações e desinformações, como apresentado na Figura 1, que interagem entre si e, muitas vezes, têm efeitos semelhantes na sociedade (Wardle, 2017):

  1. Informação incorreta: a informação é falsa e o compartilhamento é feito por pessoas que não sabem da natureza da informação (conexão falsa, conteúdo ilusório);
  2. Má-informação: a informação tem origem na realidade, mas é utilizada para causar mal a alguma pessoa ou instituição (vazamento, assédio, conteúdo de ódio), e;
  3. Desinformação: a informação é falsa e criada intencionalmente para causar dano.

Para entender a desordem da informação, é necessário analisar separadamente seus três elementos – o agente, a mensagem e o intérprete (Wardle, 2017). É necessário descobrir quem são os agentes que criaram, produziram e distribuíram a mensagem e quais eram suas motivações – lembrando que, muitas vezes, são agentes diferentes que participam de cada um desses momentos e eles podem ter motivações diferentes. A mensagem, que precisa ser analisada não só quanto ao seu conteúdo, sua forma e qualquer outra característica relevante. É necessário ir além do conteúdo básico transmitido pela informação, publicação, imagem etc. O intérprete, aquele que recebe a mensagem. Para esse elemento, a discussão deve estar relacionada à forma como as pessoas interpretam a mensagem recebida, quais são suas reações e quais ações elas tomam ao recebê-las (Figura 5):

Elementos da Desordem da Informação (Fonte: Wardle e Derakhshan.2019, p. 53)

Para Wardle (2017) também é necessário analisar as três fases da desordem da informação: criação, produção e distribuição, sendo que a distribuição pode alimentar uma quarta fase de reprodução. Uma mensagem precisa ser criada e, depois, precisa ser produzida, no sentido de se tornar um produto da mídia, para então ser distribuída ou tornada pública (McIntyre, 2018). A circulação da mensagem pode ser realizada tanto por humanos quanto por bots. A partir disso, pode ser reproduzida em outras redes e em outros formatos. Os elementos e fases se conectam em um processo complexo: os agentes criam, produzem e distribuem a mensagem para os intérpretes, que podem reproduzir a mensagem em outros meios, fazendo com que ela ganhe mais visibilidade e outros intérpretes. Quanto ao conteúdo, Wardle (2017) e Wardle e Derakhshan (2017; 2019) apresentam sete narrativas de má-informação e desinformação: 1) sátira ou paródia: conteúdo criado para entreter sem a intenção de causar mal; 2) falsas conexões: manchetes, infográficos ou legendas que não sustentam o argumento sendo desenvolvido no texto; 3) conteúdo enganoso: informações usadas para enquadrar um problema ou uma pessoa (citações e estatísticas escolhidas seletivamente, por exemplo); 4) falso contexto: conteúdos genuínos compartilhados fora do seu contexto original; 5) conteúdo impostor: informação criada em nome de uma fonte genuína de informações; 6) conteúdo manipulado, e; 7) conteúdo fabricado: informação é totalmente falsa.

É importante observar que as desinformações não circulam sozinhas: elas estão articuladas entre elas para atingir algum objetivo. As desinformações formam um ecossistema, que é intencional e articula uma rede complexa e extensa de atores. A criação de desinformações, além de intencional, é dirigida a públicos específicos, que vão redistribuir a mensagem porque se identificam com ela. Isso faz com que a circulação da informação seja acelerada e ampliada, angariando mais seguidores. As pessoas compartilham sem ler, sem assistir até o fim os vídeos, sem refletir sobre o significado daquilo, sobre o que aquilo está querendo dizer. Encaminham rápido porque foi enviado por alguém de confiança e combina com suas opiniões no momento.

3. Desinformação e produção do pânico

Considerando as categorias propostas por Wardle (2017) e Wardle e Derakhshan (2019), traçamos o caminho da desinformação e identificamos alguns de seus elementos para o caso “Bruxa do Guarujá”.

O fluxo de desinformação começou com o boato sobre a mulher que estaria sequestrando crianças para realizar rituais satânicos no Guarujá, que estava circulando pela população da cidade havia algum tempo. Como comunicado pela polícia civil, esse tipo de boato era comum, ainda que não houvesse nenhuma denúncia registrada sobre uma mulher sequestradora de crianças na cidade. Foi na página Guarujá Alerta que, pensando nas fases da desordem da informação (Wardle, 2017), a desinformação foi criada e produzida com retrato falado e frase de efeito, reunindo as informações que circulavam desorganizadamente antes da postagem e transformando esse conteúdo em um produto de mídia para ser distribuído. O autor da postagem na página Guarujá Alerta se torna o agente da desinformação (Figura 5, retirada de Wardle e Derakhshan, 2019). Por sua vez, a intencionalidade da produção da desinformação – característica da desordem da informação (Wardle, 2017) – estava claramente conectada ao objetivo da página Guarujá Alerta e à lógica das redes sociais. A postagem foi criada e publicada com o objetivo de gerar engajamento – curtidas, comentários e compartilhamentos – por meio de conteúdo preocupante e recorrente para a população do Guarujá – no caso, os boatos sobre uma mulher sequestradora de crianças.

Considerando as sete narrativas de conteúdo das más-informações e desinformações de Wardle (2017) e Wardle e Derakhshan (2017; 2019), no caso da postagem do Guarujá Alerta, é possível categorizar o retrato falado como informação em falso contexto (conteúdo genuíno, já que o retrato falado era referente a um caso verdadeiro do Rio de Janeiro em 2012 e, portanto, descontextualizado). O texto da postagem, de autoria não identificada, pode ser categorizado como conteúdo fabricado (Wardle, 2017) – o conteúdo era falso, já que não havia uma mulher sequestradora de crianças no Guarujá, ou mesmo denúncias sobre, e a origem da informação teria sido um boato recorrente na região.

Seguindo o fluxo da desinformação, a fase seguinte – distribuição – acontece a partir do Guarujá Alerta: a página tinha cerca de 56 mil curtidas na época 34 e serviu como um canal de compartilhamento. Considerando os elementos da desordem da informação (Figura 5, retirada de Wardle e Derakhshan, 2019), a mensagem recebida pelos primeiros intérpretes – os seguidores da página – foi de que havia uma mulher loira que estava sequestrando crianças para realizar rituais de magia negra no Guarujá. O boato continuou sendo compartilhado pelo Facebook e pelo bairro e ganhou adesão ao longo da semana, com novas informações sendo compartilhadas (inclusive a foto da mulher loira, de origem desconhecida), como os relatos de que crianças foram encontradas mortas pelos bairros, conformando o que Wardle e Derakhshan (2019) identificam como a fase de reprodução, quando a desinformação passa para outras redes e formatos. Especificamente sobre Morrinhos, de acordo com Leal e Martin (2019), boatos são frequentes e sua “manifestação e propagação […] compõem um papel essencial na promoção de certa estabilidade nas relações sociais e que, inofensivamente, preenchem e conferem um sentido no cotidiano local” (Leal e Martin, 2019, pp. 194-195). Quando uma mulher loira foi vista interagindo com uma criança, a postagem do Guarujá Alerta virou realidade e a agressão à Fabiane teve início. A multidão durante o linchamento também reproduziu a mensagem, transmitindo a desinformação para outros participantes da agressão que, em muitos casos, só tomaram conhecimento das denúncias durante o linchamento.

O linchamento de Fabiane foi fotografado e filmado por pessoas presentes e as fotos e vídeos foram parar nas redes sociais. Em março de 2017, uma das fotos foi atrelada em uma postagem no Facebook a outro caso de linchamento e morte: de Ana Luiza Caetano da Silva, que jogou ácido em um bebê e sua mãe em Anadia, Alagoas. 35 As notícias sobre o linchamento não trazem a foto de Fabiane, encontrada apenas na postagem do Facebook. 36 O fluxo da desinformação relacionado ao caso “Bruxa do Guarujá”, portanto, não terminou com o linchamento e morte de Fabiane e foi usado para produzir outra desinformação. Dessa vez, o conteúdo não era fabricado – a notícia sobre o linchamento em Anadia era real – mas a foto utilizada na postagem do Facebook se conformava como conteúdo em falso contexto (Wardle, 2017).

É notável aqui como a sequência descrita por Wardle (2017) para a reprodução da desinformação é bastante similar à dinâmica de espalhamento de pânicos morais em Cohen (2002). Em si, o pânico moral é resultante de um processo de desinformação, e a sua particularidade é que ela se conecta a medos e temores intrínsecos a um grupo social (como medo da desordem, da decadência de valores, de temores metafísicos, crenças etc.), e ganha corpo durante o processo. A produção de pânicos morais exige um processo de distorção da informação no sentido de inflar a sua urgência, seu potencial de dano, e principalmente, a sua relação com medos já conhecidos – o que permite a fluência e adesão da comunidade. Assim ainda que as fases da desinformação (criação, produção e distribuição) analisadas por Wardle (2017) guardem semelhanças com as fases de difusão de pânicos morais em Cohen (2002) (inventário e mobilização, ao menos), nesse segundo conjunto de sistematizações é possível estabelecer conexões entre o contexto sociopolítico e o conteúdo das desinformações – algo determinante para a compreensão do caso de Morrinhos.

Em 2015, um ano depois do linchamento de Fabiane, dados da Fundação Getúlio Vargas mostram que a pobreza no país vinha aumentando substancialmente (CEE-Fiocruz, 2019),  o mapa da violência mostrava que,  nesse período, as mortes por homicídio no país eram maiores do que em atentados terroristas em 2017 (Lisboa, 2017) e o crescimento de  movimentos de uma direita ultra conservadora (Keller, 2019). Safatle (2015) mostra que as principais características dessa onda conservadora poderiam ser resumidas em três elementos: seu conteúdo e programa militarista, suas aspirações liberais (de mercado, e no que tange temas econômicos e, fundamentalmente, sua cosmologia moral evangélica (valores sagrados, centralidade da família, e combate a uma pauta pró LGBT, mulheres etc). Morrinhos é, nesse sentido, uma mimese do Brasil: a violência está relacionada aos conflitos cotidianos e às disputas sociais existentes ali e os linchamentos se manifestam como tentativa de estabelecer qualquer coisa que pareça uma ordem  vingativa e violenta (Leal e Martin, 2019).

Em 2014 essa cosmologia conservadora e moralista já havia ganhado muito espaço e   pânicos morais – especialmente os relacionados a rituais satânicos, e a desvios morais e religiosos – circulavam com muita facilidade ganhando adesão e produzindo medo e ódio. Sarah Hughes (2017, p. 693), em sua análise sobre a ascensão dos “pânicos satânicos” entre 1970 e 2000 nos EUA, argumenta exatamente nesse sentido:

However, the panic was also symptomatic of the major social, cultural, political, and economic changes that had taken place in the United States since the late s. It was primarily connected to the rise of the “New Right,” the major strands of which converged and expanded in the 1960s against a backdrop of growing economic instability, even in the seemingly prosperous environment of the white suburb. During the 1970s, neoconservatives, libertarians, economic conservatives, and evangelical Christians began their cultural ascent. Despite major differences in ideology, they united through a shared antagonism towards “sixties” activists, members of liberal movements who were culturally prominent in the late 1960s and early 1970s. Conservatives specifically directed their anger at feminists, gay rights activists, black power advocates, and scientists, whom evangelical conservatives often identified with liberalism. They also collectively derided communists or “fellow travelers,” who remained reliable Cold War foes, but recast them as “hippies” who were lazy, greedy, or dangerous.

Todos esses indesejados passavam a ser odiados e entendidos como desviantes a partir do filtro moral dos pânicos satânicos. Isto é, de uma histeria ligada a abusos e rituais satânicos, que articulavam diretamente com os temores ocultistas de uma sociedade maquinada por noções morais de uma direita conservadora em ascensão. Como Hughes (2017, p. 697) irá pontuar: “In many ways, the panic represented a confluence of the New Right’s values and policies, and demonstrated that their social impact, reinforced by the media, could be significant.”

Em Morrinhos, dois boatos começavam a ser articulados: um relacionado a um eventual sequestro de crianças – algo que não havia sequer um registro até o momento, como aponta uma especialista (Rossi, 2014) e as notícias sobre o caso – e que já vinha atingindo a comunidade há algum tempo, e um segundo boato, o de que essas crianças estariam sendo raptadas por uma mulher, para a realização de rituais de magia negra. A criação e o desenvolvimento desses boatos é um processo muito difícil de ser rastreado, mas o que fica claro é que eles se tornam um pânico, e objeto de histeria coletiva, quando sistematizados por uma página na internet. Os procedimentos de inventário e mobilização são bastante claros na postagem do Guarujá Alerta. A postagem confere status de verdade ao boato, a expressão “rolam boatos” seguida da afirmativa “recebemos diversas mensagens” claramente atribui legitimidade a algo que nem mesmo os autores da mensagem são capazes de confirmar. A mesma mensagem possui um conteúdo de mobilização que a conecta a pânicos satânicos e temores morais, ao afirmar que os raptos estariam ligados a rituais de magia negra. A mensagem demanda urgência e prontidão dos leitores, “Se é boato ou não devemos ficar alerta”. Como Cohen (2002) irá pontuar, um dos elementos que mobilizam pânicos morais é justamente o modo como ele autoriza um linguajar de excepcionalidade para lidar com temas que são tidos como urgentes, e mesmo existenciais – no sentido de ameaçar a existência.

O pânico da “Bruxa do Guarujá” é o resultado da desinformação provocada pela legitimação e conclamação à ação feita por um núcleo de produção de informações na internet e nos ajuda a entender o modo de operação desse ecossistema, como redes e núcleos diversos de produção de desinformação que posteriormente se reproduziram e se ampliaram. Nesse caso um boato foi elevado à categoria de pânico, ao se manter no ar produzindo engajamento e sendo inflacionado por, aproximadamente, dez dias.

4. A violência da desinformação

O caso da desinformação e da produção de pânicos nesse caso do linchamento é bastante elucidativo pois, ainda que de forma embrionária, revela o modo como plataformas e redes sociais tem se transformado em um poderoso aparato de desinformação em massa. Mais ainda, esse caso explicita como, em um contexto de ascensão conservadora e de grupos de extrema-direita, tais instrumentos podem informar não apenas uma violência simbólica, como habilitar formas de diretas de agressão. [7]

A desinformação, assim, articulada a partir de um complexo conjunto de meios, customizada de forma ordenada e direcionada precisamente a determinados grupos tem um potencial de maquinar imaginários, e conduzir ações de indivíduos e grupos. Não há escapatória fácil dessa situação, ainda que agências de fact-checking e empresas de jornalismo se esforcem para desmentir boatos, revelando esquemas de desinformação, isso é um processo tardio e pouco eficaz contra a rapidez e a multiplicidade de canais de desinformação. 37 Simultaneamente disponível em todos os meios de interação digital (aplicativos de mensagem, redes sociais, e outras plataformas), a desinformação se torna total, abrangente e uma poderosa ferramenta para a criação e articulação de pânicos diversos. [8]

Se no período do linchamento de Fabiane, uma notícia falsa espalhada via Facebook apresentou consequencias trágicas, atualmente, o potencial destrutivo do ecossistema de desinformação se intensificou. A profusão de sistemas informacionais amparados por técnicas de mineração, processamento e perfilização de dados (Big Data), para o direcionamento e privação de conteúdos em redes sociais e plataformas de compartilhamento de mensagens. [9]

Esse ecossistema de desinformação se desenvolve como um efeito colateral do que Shoshana Zuboff (2019) define como capitalismo de vigilância. Zuboff parte do diagnóstico de que, nos últimos 20 anos, o processo de acumulação e reprodução capitalista global se tornou profundamente dependente de sistemas de compartilhamento, coleta e processamento massivo de dados. Nesse capitalismo de vigilância, empresas e uma série de outros atores, estados, grupos organizados, agem com base na extração dessa “mais valia comportamental”, que torna previsíveis e calculáveis os comportamentos dos indivíduos e grupos, conferindo a capacidade de antevê-los e modulá-los conforme interesses diversos. Ao coletarem uma série de dados de usuários, essas plataformas dispõem de uma perspectiva mais refinada do conjunto de interesses do indivíduo, o chamado “perfil”, que é comercializado com outras empresas, e permite o direcionamento mais refinado e cirúrgico de conteúdos: “a instrumentação e instrumentalização do comportamento para fins de modificação, previsão, monetização e controle” (Zuboff, 2019, p. 352, tradução nossa).  No livro, a autora afirma que essa perfilização e “controle” comportamental seria livre de violência (Zuboff, 2019, p. 381), dado que apenas tutora comportamentos e organiza interesses. Já outros estudos têm explorado o modo como essa organização do capitalismo de vigilância pode ser nociva, e organizar comportamentos agressivos (Han, 2018). Para Chul-Han, por exemplo, toda essa série de movimentos que se dá na web, como os “shitstorms” (tempestades de merda), ou linchamentos digitais – e que aqui vimos como eles degringolar para uma manifestação física – são uma evidência clara sobre o modo como grupos podem organizar e direcionar anonimamente a violência nesses espaços de interação (e aqui ressaltamos que esse processo pode se dar criando e inflando pânicos).

No momento do linchamento de Fabiane Maria de Jesus, pouco se discutia sobre a produção e difusão organizada da desinformação nas redes. Hoje, sabemos que a circulação de boatos estimulando pânicos morais, são amplificados pelas redes sociais, além de tornar mais difícil a identificação de seus perpetradores. Imaginários são mobilizados, medos, expectativas, condutas e ações de diversas pessoas passam a ser domados e governados. Mais ainda, quando essas redes são configuradas como formas de assimilar e difundir desinformações, o capitalismo de vigilância acaba por potencializar pânicos morais, criminalizando e incriminando pessoas e grupos, provocando formas de violência direta, assoreando formas de sociabilidade e cooperação. A desinformação contribui para a ruptura das instituições democráticas e fragmentação dos arranjos de liberdade.

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Nicole De March é mestre e doutora em Física (UFRGS). Pós-doutoranda do LABTTS (DPCT-IG/Unicamp) e membro do Grupo de Estudos de Desinformação em Redes Sociais (EDReS).

Marina Fontolan é International Visiting Scholar na Robert Morris University e pesquisadora de pós-doutorado no Centro de Estudos em Ciência, Tecnologia, Cultura e Desarrollo da Universidad Nacional de Río Negro (CITECDE/UNRN, Argentina).

Leda Gitahy é professora do Programa de Pós-graduação em Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da UNICAMP e professora colaboradora do Doutorado em Sociedade, Natureza e Desenvolvimento da Universidade Federal do Oeste do Pará.

Alcides Eduardo dos Reis Peron é professor substituto do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal de Sergipe.

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Notas

[1] Optamos por nos apropriar do nome dado ao caso (“Bruxa do Guarujá”) neste capítulo, porque a expressão é repetida em diversos materiais consultados (como notícias e trabalhos acadêmicos, em particular o de Behs (2017) e Fonseca e Rantin (2017).

[2] Na reportagem Dias de Intolerância, Rosanne D’Agostino faz um resumo da série de linchamentos que aconteceram em 2014 no Brasil, trazendo outros casos além dos mencionados aqui. Mais informações podem ser encontradas em: http://g1.globo.com/politica/dias-de-intolerancia/platb/, acessado dia 19 de dezembro de 2020.

[3] Os dois textos jornalísticos mais utilizados para a reconstrução do caso foram “A volta ao tacape” (Yahoo!notícias, 5 de maio de 2014) e “Veja o passo a passo da notícia falsa que acabou em tragédia em Guarujá” (Folha de S. Paulo, 27 de setembro de 2018). O primeiro, escrito mais próximo do linchamento, traz as figuras sobre o caso que estavam postadas no Guarujá Alerta, que desde então foram deletadas junto da postagem e da página do Facebook e não estão mais disponíveis na origem. O segundo descreve os acontecimentos do dia do linchamento de Fabiane Maria de Jesus, sistematizando as notícias sobre o caso. A partir deles, procuramos notícias mais específicas sobre alguns dos desdobramentos.

[4] Em 2019, a família de Fabiane processou judicialmente o Facebook responsabilizando a plataforma pela proteção e incentivo de notícias falsas. Além disso, acusaram a rede social de omitir-se quanto à verificação das desinformações disseminadas na plataforma. A indenização foi negada com o argumento baseado no artigo 19 do Marco Civil da Internet (lei nº 12.965/2014), que isenta de responsabilidade os provedores por conteúdos publicados por terceiros, desde que, após ordem judicial, sejam tomadas as providências para retirar o conteúdo considerado infringente. Fonte: https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2020/02/25/justica-nega-indenizacao-do-facebook-a-familia-de-linchada-apos-fake-news.htm, acessado em 4 de dezembro de 2020.

[5] Segundo Martins (2015) e Natal (2013), a pesquisa sobre linchamentos no Brasil carece de dados porque não existem estatísticas oficiais, uma vez que o ato não está definido no código penal. Casos de linchamento são classificados nas ocorrências como homicídios ou tentativas de homicídio. As únicas fontes que reconhecem linchamentos como tal são jornais e a definição normalmente é subjetiva.

[6] Os pânicos morais autorizam linguagens e práticas “excepcionais” para lidar com questões que agora são definidas como problemas urgentes. Em um primeiro momento (inventário), a mídia cria sentido e faz circular boatos catalogando o assunto como problema, depois (mobilização), esses problemas são inflados e conectados às questões emocionais e pessoais de um público, identificando danos além dos imediatos. Por fim, há uma ampliação do desvio, em que comportamentos considerados irrelevantes passam a ser suspeitos, o que justifica a mobilização de uma cultura de controle social – de uma rede conceitual e institucional orientada a explicar e administrar o que é considerado um “desvio” (Machado, 2004, p. 62).

[7] Pascual Serrano (2009) fala sobre a forma como os meios midiáticos de massa transformaram a comunicação para ter como principal objetivo a adesão da população às ideias das classes dominantes. Mais especificamente, o autor trata da manipulação midiática (de grandes grupos midiáticos e governo) como uma nova forma de censura invisível: acreditamos ter mais liberdade (e que agimos por ela) por ter maior acesso à informação, mas as informações são constantemente ocultadas ou manipuladas, ou somos inundados por informações de outros lugares/contextos. Serrano (2009) sugere formas de combater a manipulação e censura, como emitir notícias sobre temas que não estão sendo tratados ou são tratados com unanimidade pelos grandes meios midiáticos e discute o trabalho de meios alternativos de informações.

[8] Se tomarmos como base o contexto pandêmico atual no Brasil, fica evidente o potencial destrutivo dos ecossistemas de desinformação. Articulada por redes bolsonaristas, a desinformação acerca do isolamento social e da adoção de vacinas teve como base a inflação de pânicos morais relativos à controle e manipulação ditatorial (no que se refere às políticas de isolamento adotadas pelos governos estaduais, em contraposição às recomendações em prol da “livre” circulação sustentadas pelo governo federal) assim como pânicos relacionados ao comunismo e controle (no que se refere à adoção de vacinas estrangeiras para o combate à COVID-19, em especial a vacina CoronaVac).

[9] Em um escândalo revelado pelo jornal The Guardian, a empresa britânica Cambridge Analytica, se utilizou de dados produzidos pelo Facebook, para identificar o perfil de eleitores estadunidenses durante a corrida eleitoral de 2016, e passou a direcionar e privar conteúdos a determinados indivíduos, favorecendo o então candidato Donald Trump.

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