A confusão presente no mundo objetivo reflete a confusão mental que assola os homens nesta era pós-moderna. Parmênides (530 a.C.-460 a.C.), um dos sete sábios da Antiguidade, legou-nos a percepção de que existe correspondência estrutural entre o mundo objetivo da natureza e o mundo subjetivo das nossas interpretações sobre a natureza. Ele afirmou que ser e pensar são o mesmo. É em razão disso que a ciência resulta possível e o conhecimento humano sobre as coisas evolui e se aperfeiçoa, isto é, torna-se crescentemente correspondente à real compleição do mundo. Por que, então, a confusão? Porque o discernimento também está sujeito à evolução, e a escola não nos ensina a pensar metodicamente, ou seja, não nos ensina a tornar “científico” o ato de pensar. Para pensar com competência, precisamos conhecer tanto as leis que regem o pensamento quanto as que regem a existência do mundo objetivo. Só esse conhecimento pode organizar as cabeças e tornar o mundo objetivo também organizado. O problema não está, portanto, no mundo, está em nossas cabeças.
Aliás, o mundo vive uma inversão de valores. Idolatra figuras autoritárias e faz pouco caso da democracia. Alguns chegam a cultuar a figura nefasta de Adolf Hitler (1889-1945), oito décadas depois do suicídio do líder nazista, e a fomentar o neonazismo — uma espécie de ressurgimento da ideologia hitleriana. Sem levar em conta que o chanceler do Terceiro Reich assassinou 6 milhões de judeus. Em vez de fomentarem o bem-estar social e a paz, algumas lideranças do planeta insistem em semear a guerra, não raras vezes movidos pela xenofobia, pela sanha expansionista ou por um estranho senso narcisístico e egocêntrico. Querem impor-se pela força militar e chegam a lançar uma chantagem nuclear: ameaçam usar armas atômicas, como se fossem brinquedos de guerra, e ignoram que tal arsenal não foi utilizado durante os últimos 80 anos.
No contexto das relações internacionais, a paz está na disposição de fazer concessões difíceis, porém necessárias. Tantos conflitos no mundo teriam um fim se os atores envolvidos não priorizassem apenas interesses próprios e pensassem mais no coletivo. O planeta carece de simplicidade. A Universidade de Oxford, no Reino Unido, definiu o termo “brain rot”, ou “cérebro podre”, como a palavra (ou expressão) do ano de 2024. O verbete trata da “suposta deterioração do estado mental e intelectual de uma pessoa, especialmente pelo consumo exacerbado de conteúdo superficial no contexto da internet”. Trata-se de uma clara manifestação de preocupação da sociedade mundial com o desenvolvimento intelectual das pessoas (ou a falta dele), diante da onda de memes, vídeos superficiais e outros conteúdos do tipo a qual estamos vulneráveis a cada deslize de tela com os dedos.
É preciso separar o joio do trigo. São inegáveis as vantagens trazidas pela internet ao aprendizado de estudantes do mundo inteiro. As ferramentas de busca, até mesmo a inteligência artificial, oferecem alternativas interessantes para o desenvolvimento intelectual. E esses mecanismos nada têm a ver com as limitações trazidas pelas redes sociais. A simples vedação do uso dos dispositivos na escola não vai corrigir problemas que acontecem nas casas de muitas famílias pelo acesso às redes sociais. É preciso conscientização digital. Orientar pais e mães criados no mundo analógico e que, muitas vezes, sequer entendem os impactos sofridos pelos filhos no universo digital. Os dados e a experiência empírica são incontestáveis. Mas qual a solução para que a nova geração seja mais independente do mundo digital?
Considerando as reflexões do cientista político Giovanni Sartori (1924-2017), presentes em Homo videns: televisão e pós-pensamento (1997), é importante entender que a mutação tecnológica dos Meios de Comunicação está transformando o homo sapiens produzido pela cultura escrita em um homo videns no qual a palavra vem sendo destronada pela imagem. Tudo se torna visualizado, portanto. Mas, neste caso, o que vai acontecer com as coisas que não são visíveis, que constituem de fato a maior parte da realidade? “Terra e céu pertencem à ordem terrena que vem sendo substituída pela digital. Hannah Arendt habita ainda a ordem terrena. A verdade tem, para Arendt, a solidez do ser. Na ordem digital, dá lugar à fugacidade da informação. Teremos que nos contentar, hoje, com informações. A época da verdade evidentemente passou. O regime da informação recalca o regime da verdade. No estado totalitário, construído na base de uma mentira total, dizer a verdade é um ato revolucionário” – alerta o filósofo Byung-Chul Han, em Infocracia: digitalização e a crise da democracia (2022).
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Marcos Fabrício Lopes da Silva é doutor e Mestre em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (FALE/UFMG). Poeta, escritor, professor e pesquisador. Jornalista e autor do livro Machado de Assis, crítico da imprensa (Outubro Edições, 2023). Participante do Coletivo AVÁ, coorganizador do Sarau Marcante e Membro da Academia Cruzeirense de Letras – ACL (Cruzeiro-DF).