A democracia vive turbulências em toda a parte. A Revolução Digital trouxe benefícios jamais imaginados para a vida das pessoas, mas, ao mesmo tempo, transformou de modo radical as sociedades e as economias. Nas democracias o poder ficou muito mais transparente e, com acesso a muito mais informação, a população multiplicou suas demandas ao Estado, colocando grandes pressões no sistema político. Para quem acompanhou a chegada dos computadores pessoais, a tsunami da internet e a revolução da Inteligência Artificial (IA), é surpreendente o fato de que muita gente, mais especificamente 62% da população brasileira, ainda assiste à TV aberta (O Globo, RJ, 08/08/2024). A edição discriminatória, infelizmente, ainda embola o meio de campo na busca por audiência. Quem não é comercialmente interessante para as emissoras costuma ficar à margem da história. Com isso, a desigualdade social e política do país domina o noticiário – do jornalismo político à indústria cultural.
Na era da informação inflacionada, basta abrir uma rede social qualquer para que tenhamos uma inundação de dados difusos que mais nos confundem do que nos auxiliam no processo de entendimento da realidade. Mas como falar em democracia, se os meios de comunicação deixam o angu do vulgo comandar a república do pensamento? Tratar o cidadão apenas como um consumidor de amenidades é idiotizá-lo nocivamente. O imaginário do homem pode pensar a ideia de um mundo a construir, sobre a ordem de um mundo a superar. Para tanto, “cada qual é livre para dizer o que quer, mas sob a condição de ser compreendido por aquele a quem se dirija. A linguagem é comunicação, e nada é comunicado se o discurso não é compreendido. Toda mensagem deve ser inteligível”, diz Jean Cohen (1919-1994), autor do livro Estrutura da linguagem poética (1966).
Dentro da liberdade de combinações que é própria da fala ou discurso – liberdade que permite a cada qual expressar seu pensamento de maneira pessoal, sem ter de repetir sempre, servilmente, frases já feitas, já estereotipadas – a linguagem midiática possui as armas de persuasão que o sistema de poder usa para preservar-se como ideia e realidade. A comunicação é um instrumento inigualável na mudança das pessoas para melhor. Solidário com a educação libertadora, o comunicador precisa aprender a cada dia qual a verdadeira direção para onde o barco-mundo deve seguir. Especialmente quando o trabalho solidário e inteligente do público governa a prática política, tanto a cultura que ali existe quanto as suas redes sociais de trocas simbólicas começam a se mover efetivamente.
Com o olhar atento à linguagem televisiva, Dominique Wolton salienta a força de audiência popular por ela obtida. Não por acaso, o autor defende a importância de preservar a diversidade na programação, sem perder de vista o interesse público. Se a imprensa escrita foi indubitavelmente muito importante para o estabelecimento e amadurecimento da democracia, gostemos ou não, firmou-se uma democracia elitizada com um índice de analfabetismo preocupante. A televisão foi, e é, portanto, um meio e um fenômeno de comunicação mais democrático do que a imprensa escrita. Quando falamos de televisão, sabemos: (a) que as massas podem ser democráticas, ao contrário daquilo que se pensava no passado; (b) que consegue comunicar com todos os estratos sociais; e (c) que é algo que é acessível, virtualmente aberto a todos. Acontece que o humanismo comunicativo está sendo apagado pela ordem pragmática, instrumental e mercadológica dos investimentos corporativos e publicitários exorbitantes.
Aqui e alhures, na condução dos trabalhos midiáticos, a geleia geral ainda vem imperando sobre a dialética do esclarecimento. Mesmo com um impressionante desempenho tecnológico da Internet e das Redes Sociais, a Revolução Digital precisa reconhecer sua presença tímida nos modos próprios de vida da cultura popular. Conforme frisa Carlos Rodrigues Brandão (1940-2023): “De todos os mundos imaginados contra e depois do mundo que o reinado do capital construiu sobre o trabalho, mais do que todos é real e humano o mundo aos poucos criado com os gestos e com o imaginário dos subalternos da Terra. Portanto, entre todos os trabalhos políticos possíveis, através de todas as práticas sociais imaginadas, o mais humano é o que se soma à construção progressiva deste novo mundo. É ele quem realiza na Terra a melhor profecia para o futuro dos homens e por isso é entre todos o que mais merece o empenho de todos aqueles que não são nem senhores nem os emissários da maldição do mundo da opressão” (Lutar com a palavra, 1982).
Desde priscas eras sob o signo da alienação, temos a mídia pão-e-circo impulsionando a indústria do entretenimento. De algum modo, somos esmagados pela “civilização do espetáculo” que se impõe com uma programação, por vezes, chata, obtusa e medíocre. Podem jogar no mesmo time da liga universal comunicativa a educação e a diversão. Aliás, em dupla, são capazes de fazer jogadas incríveis e gols sensacionais. Como diz o mundo da bola, talento não pode ficar no banco. Não há tática que justifique manter craques na reserva. Liberdade de expressão e responsabilidade argumentativa são insubstituíveis e jogam em qualquer time do mundo.
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Marcos Fabrício Lopes da Silva é membro da Academia Cruzeirense de Letras (ACL, Cruzeiro-DF). Doutor e Mestre em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (FALE-UFMG). Poeta, escritor, professor e pesquisador. Jornalista, formado pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Autor do livro Machado de Assis, crítico da imprensa (Outubro Edições, 2023) e integrante da equipe AVÁ editora desde 2018.