Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A doutrina divina do autoritarismo

Foto: White House

Vamos limpar a cabeça e repensar tudo de novo. Quem são os grandes apoiadores de Trump nos Estados Unidos? Os supremacistas brancos, sem dúvida, como mostram as fotos e filmes feitos durante a invasão do Capitólio. Eles se julgam os melhores, os superiores, e integram as diversas tendências da extrema-direita.

Mas não são os únicos a preferirem governos anti-democráticos, dominadores, por redundância racistas, autoritários, machistas e intolerantes. Um politólogo norteamericano da Universidade de Massachusetts demonstrou na sua tese de doutorado ter sido a atração do autoritarismo de extrema-direita o fator determinante da escolha de Trump, nas primárias do Partido Republicano. E essa preferência foi marcante não só entre os supremacistas como entre os afroamericanos e os chamados latinos.

Assim, pesquisas feitas nos anos 1950, teriam também mostrado, já naquela época, uma atração por políticos de tendência autoritária por americanos de origem mexicana. A tese, cujo título é Autoritarismo Americano nos Negros e Brancos, parece absurda, porém explicaria a popularidade e mesmo um certo fanatismo por Trump, entre as minorias por ele insultadas, xingadas, menosprezadas e diminuídas, como os hispânicos, os muçulmanos e os asiáticos. E inclusive entre as mulheres.

Para não ficar só nos Estados Unidos, feitos os ajustes necessários, a eleição de Bolsonaro se deveu justamente aos seus fanáticos eleitores por ele desprezados, os pobres. Ainda hoje ao apoiarem Bolsonaro, grande parte é atraída por sua imagem autoritária, que se volta contra tudo, contra a ONU, contra a Organização Mundial da Saúde, contra a existência de um vírus, contra a ciência. Essa oposição quase demente, de um presidente grotesco e ridículo contra as organizações mundiais, incentivada pelas redes do ódio e fake news, gera o mesmo paradoxo do Trump americano — os rejeitados adoram seu algoz!

Nos EUA, as mulheres brancas suportam o comportamento misógino do líder autoritário porque compartilham do seu poder na relação de domínio com as mulheres negras? Desse estranho compartilhamento do exercício do poder e submissão participam também os latinos, chamados de traficantes, criminosos e violadores por Trump, que se sentem superiores aos negros? E assim por diante?

De onde vem isso? Da colonização, da escravidão ou de uma educação de sujeição à classe dominante? Ou também da religião? Na tese do professor Matthew C. MacWilliams, da Universidade de Massachusetts, a influência da religião na vida dos afromericanos, é determinante, pelo aprendizado da submissão e obediência, que leva ao culto da extrema-direita autoritária. A conclusão é alarmante – os ovos da serpente nazifascista poderiam estar sendo chocados nos altares e nos púlpitos das igrejas.

No Brasil, não se precisa ir longe para saber terem sido os evangélicos os grandes eleitores de Bolsonaro. Os fanáticos adoradores do “mito”, talvez nem tenham percebido terem sido também vítimas do caos, do desgoverno e do genocídio, ainda engambelados por pastores em nome de um Deus todo poderoso. Os crentes não morrem como os infiéis — são chamados por Deus, por intermédio do coronavírus, e deixam a vida terrena para subirem aos céus. Para aqueles cuja hora da gloriosa morte, a hora ainda não chegou, Deus cura.

A ideia de Deus todo poderoso também poderia justificar e estar subjacente no comportamento de muitos fiéis. Deus, também símbolo de bondade e justiça, tem igualmente a imagem do ditador e juiz supremo, de cujas sentenças não se pode apelar. É ele quem fixou em definitivo os conceitos de Bem e do Mal, é o ditador Supremo. Trump seria um eleito ou imitador, Bolsonaro seria o messias enviado. Não esqueçamos, já era assim na Idade Média.

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.