Em 1934, Bertold Brecht escreveu um panfleto político intitulado Cinco Dificuldades no Escrever a Verdade. Vivendo sob o fascismo, ele procurava respostas para a barbárie do entre-guerras, ou então buscava aprender a formular as perguntas certas diante do caos estabelecido naquele período. No texto, ele enumera os obstáculos que devem ser superados a fim de se alcançar a verdade.
Em primeiro lugar, deve-se ter a coragem de escrever a verdade. Brecht lembra que não é preciso grande coragem para queixar-se da maldade do mundo e do triunfo da crueldade em geral. Afirmações amplas, abrangentes, acabam por não levar a lugar algum. “Se todas as emissoras berram que o homem sem cultura e sem instrução tem mais valor que o instruído, então é corajoso perguntar: tem valor para quem?”, questiona o dramaturgo.
Em seguida, é preciso que haja a inteligência de reconhecer a verdade. De alguma forma pode-se dizer que é fácil encontrar a verdade. Não. Diante de tantas “verdades”, não é fácil decidir qual delas merece ser dita. Aí, a tarefa é descobri-la, como ensina Brecht: “Não deixa de ser verdade que as cadeiras têm assento, ou que a chuva cai de cima para baixo. Muitos poetas escrevem verdades dessa espécie. Parecem pintores que pintam naturezas mortas nas paredes de navios que estão naufragando.”
A arte de tornar a verdade manejável como uma arma é o próximo passo a ser seguido. É necessário reconhecer as causas de cada situação, para poder melhor enfrentá-las. “Como poderá alguém dizer a verdade sobre o fascismo ao qual é contrário sem querer falar do capitalismo que o produz? (…) Os que são contra o fascismo, sem tomar posição contra o capitalismo, os que lastimam a barbárie como resultado da barbárie, parecem pessoas que querem comer sua porção de vitela sem abatê-la.”
As relações de propriedade dos meios de comunicação
A quarta dificuldade a ser superada é alcançar a capacidade de escolher aqueles em cujas mãos a verdade se torna eficiente. Nesse ponto, a atenção se volta para o leitor. O cuidado com a recepção do texto é de máxima importância, pois a verdade tem de ser dirigida a alguém que saiba reconhecê-la.
Finalmente, recomenda-se a astúcia de divulgar a verdade entre muitos. Brecht ilustra essa característica com o discurso de Marco Antônio perante o cadáver de César, na peça de Shakespeare. O bardo inglês “realça, repetidamente, que Brutus, o assassino de César, é um homem honrado, mas relata também o delito e faz a descrição desse delito. O orador se deixa vencer pelos fatos e os torna mais eloquentes do que ele mesmo”. Brecht propõe uma questão sobretudo ética. Retomando o texto:
“Quem, nos dias de hoje [1934], quiser lutar contra a mentira e a ignorância e escrever a verdade tem de superar ao menos cinco dificuldades. Deve ter a coragem de escrever a verdade, embora ela se encontre escamoteada em toda parte; deve ter a inteligência de reconhecê-la, embora ela se mostre permanentemente disfarçada; deve entender da arte de manejá-la como arma; deve ter a capacidade de escolher em que mãos será eficiente; deve ter a astúcia de divulgá-la entre os escolhidos. Estas dificuldades são grandes para os escritores que vivem sob o fascismo, mas existem também para aqueles que fugiram ou se asilaram. E mesmo para aqueles que escrevem em países de liberdade burguesa.”
Para Brecht, a grande verdade de nossa época (cujo conhecimento não basta, mas sem o qual não se achará outra verdade de importância) é que “nosso continente submerge na barbárie, por querer manter pela força as atuais relações de propriedade dos meios de comunicação”. Pergunta o bardo: “Qual a valia em escrever algo corajoso, revelador do estado de barbárie em que estamos afundando, se não definimos claramente por que chegamos a ele?”
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Fabrício Marques é jornalista, doutor em Literatura comparada e professor de Jornalismo