Há várias “deseducações” em processo escolar. Deseducação no sentido de que educamos sem realmente educar. São vários os exemplos, mas o escarcéu produzido pelo MBL e solenemente aceito pelo Santander (um banco banana, conforme bem descrito no artigo publicado na Folha de S.Paulo) chamou especial atenção para o fato de que formamos cidadãos que não entendem nada de produção artística para além de confeccionar bandeirinhas e enfeites com papel crepom.
Para quem se interessa em pesquisar o início da educação de arte nas escolas brasileiras se deparará, na década de 20, com a participação de artistas como Mário de Andrade e Anita Malfatti. Artistas que ajudaram a construir um projeto educacional de arte que preconizava, sobretudo, a espontaneidade, a experimentação e a valorização de novas formas de expressar e compreender o mundo.
Em outras palavras, a arte como fator decisivo para a formação e desenvolvimento de cidadãos críticos e expressivos. Mas virou história.
Nada foi tão devastador para a educação artística do que a ditadura militar¹. Por obra do sarcasmo, a educação artística do brasileiro foi devastada a partir de um projeto verde-oliva que deu nome à disciplina que agora se passava a chamar Educação Artística (1971).
Claro, uma educação artística vigiada e censurada, ministrada por professores de outras áreas e sem formação teórica, que acabou se transformando em uma simples atividade. E taca bandeirinha, papel crepom, sulfite, régua e ponto de fuga nos alunos. Uma arte quadrada, com ângulos bem delimitados e de estética que variava entre dois pólos: o cafona e o tradicional (nada contra o cafona e o tradicional, mas só os dois parece-me um tanto limitado).
A educação artística nas escolas sofre até hoje, fruto de ter sido relegada a uma posição de inferioridade frente a outras disciplinas. E é difícil reverter, tendo em vista que a escola é, por referência, uma instituição que agrega de maneira muito lenta — e geralmente reativa — novos modelos, novas dimensões de ensino, novos conhecimentos, novas formas de expressão. Uma instituição estrutural, mas vista com emergência somente em momentos críticos da esfera política e, nesses casos, geralmente para fazer besteira (vide a atual reforma do ensino médio).
Então, vai um aviso. Pra quem não entende de arte, seria bom entender ao menos o que é essencial: que a arte não é para ser, necessariamente, entendida. É para ser expressada e, talvez a partir daí, compreendida, refletida, reinterpretada. Portanto, a liberdade de expressão é mais fundamental para a arte que a própria arte em si, pois é sua essência, sua gênese. Já a intolerância e incompreensão do mundo não é fundamental pra ninguém. Podemos guardar para nós mesmos.
**
Alexandre Marini é sociólogo e professor.
________
¹ Convém lembrar que recentemente que Zezé di Camargo nos revelou que não houve Ditadura Militar: tratou-se de “militarismo vigiado”. Já não bastava ter que ouvi-lo cantar, ainda temos que ouvir esse tipo de elucubração.
² Para quem ainda não sabe, a nova reforma do Ensino Médio está reeditando o mesmo erro do passado, só que agora abrindo essa possibilidade para todas as disciplinas.