Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

MasterChef e a crueldade do mercado de trabalho

Crédito: TV Band/Divulgação

Os especialistas em saúde mental dizem que esta é a era da ansiedade e da depressão. Num mundo cada vez mais dominado pela imprevisibilidade, as pessoas tentam calcar seus passos em pisos firmes, ainda que estejam sujeitas a diferentes pressões todos os dias de suas vidas. Especialmente em ambiente de trabalho, somos pressionados pelo resultado. Se o resultado não vier, outro indivíduo o fará vir. Basta um risco na CLT.

O programa MasterChef Brasil, da Rede Bandeirantes, explicita o que eu acabo de dizer com primazia. De todo o Brasil, aspirantes a chefs de cozinha inscrevem-se com o intuito de buscar reconhecimento em relação aos seus talentos culinários. Para tanto, são orientados por profissionais renomados no mercado a criarem os melhores pratos possíveis. A avaliação vai do sabor até a estética do material apresentado.

Houve momento da televisão mundial em que programas como o MasterChef estavam em voga. O American Idol costumava selecionar a dedo cantores de talento e outros sem futuro, com o único objetivo de humilhar estes. O mérito do programa não estava na qualidade das vozes dos participantes, mas sim nos elogios, raríssimos, ou nas cruéis críticas dos avaliadores. Essa tendência mudou. Ao menos na música, a humilhação deu lugar a programas mais propositivos.

É o caso do The Voice, que seleciona pessoas de notória capacidade vocal. Se um cantor é eliminado, ele é elogiado mesmo assim. O MasterChef ainda segue a premissa antiga de destrinchar pessoas em rede nacional.

O recado do programa é simples: “Seja perfeito sempre. Um passo em falso… você está fora”. Curiosamente, é exatamente assim que o mercado de trabalho funciona.

Normalmente, as empresas estão vinculadas a números. Se os números desse semestre forem menores que os do semestre anterior, isso significa demissões. Logo, a pressão começa pelo presidente, se espalha pelos gerentes e chega até os operários. No mercado de trabalho, o princípio da autopreservação é constante: não deu certo? Pode não dar certo ali na frente? Melhor cortar. Trata-se de uma pirâmide de pessoas altamente instável.

O MasterChef, como um restaurante simulado, também trabalha dessa maneira. A diferença é que a concorrência entre os participantes acontece de forma transparente, sem maquinações nos bastidores, pois há a vigília das câmeras. O aspecto humano repousa sob os chefs avaliadores, que emitem sua opinião um na frente do outro. Essa perspectiva, claramente, influencia o chef seguinte a apreciar ou criticar o prato em análise.

Enquanto isso, uma câmera especialmente posicionada filma a ansiedade dos participantes. A trilha sonora é perturbadora. As imagens são salpicadas por comentários de colegas ou flashbacks do programa. A atmosfera criada faz o coração do telespectador bater mais forte. E a comida? Fica em segundo plano. MasterChef é um programa cujo objetivo principal reside em filmar reações provocadas pela ansiedade.

É de se ponderar a respeito do custo do sucesso. O reconhecimento instantâneo gerado pelo aparecimento em rede nacional vale o estresse a que os participantes se submetem? Lembrando que apenas um vence. Os outros são eliminados – e normalmente humilhados – antes. Saem do programa com as imagens arranhadas, a despeito de todos os seus esforços em fazer o melhor. Esse é o problema do mundo hoje: a análise exclusiva pelo resultado.

Em resumo, perfeição não existe, mas, para um mercado de trabalho ultracompetitivo, deve existir. Mesmo que custe a saúde emocional das pessoas envolvidas.

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Gabriel Guidotti é escritor.