As técnicas sociológicas consagradas pela sua ampla aplicação e eficiência e que nutrem de dados os departamentos de pesquisa nas áreas de marketing em grandes empresas, têm evidenciado a necessidade de recorrer a métodos complementares para apurar e descrever a face subjetiva do consumidor. Os dados operacionais habitualmente obtidos, tem deixado lacunas nas informações sobre os hábitos afetivos, relações familiares, os traços de personalidade ou de perfil emocional dos consumidores de determinado produto e/ou marca. Por isso as relações não racionais que unem um consumidor a um determinado produto, ou, as relações que sustentam a fidelidade deste consumidor ao produto não estão suficientemente esclarecidas.
Entre todas as variáveis a questão da adesão é a mais frágil e difícil de manipular quando se busca garantir a eficácia de uma estratégia promocional de um determinado produto. Parte desta inoperância advém — em nossa opinião — da maneira objetiva, racional, imparcial, diríamos, até mesmo asséptica, com que os pesquisadores buscam tratar a questão da adesão. É como tentar domar um leão bravo explicando-lhe a teoria da relatividade de Einstein. Não há nada menos lógico, racional, quantitativo ou objetivo do que a adesão. Talvez por ter sido mal definido como experiência essencialmente subjetiva é o que o momento de adesão vem se mostrando arredio às manipulações até aqui alcançadas por técnicas de pesquisa de cunho exemplarmente sociológico.
Propomos definir o momento de adesão, e portanto a obscura relação do consumidor com seu produto, a partir de referências criadas pelos estudiosos da psicologia de massas e discutidos em livros como: A manipulação das massas pela propaganda política, e o Ego e a psicologia das massas, de Sigmund Freud.
Outros autores fundamentais são antropólogos da Universidade de Palo Alto, na Califórnia, que se dedicam aos efeitos psicológicos das mensagens verbais e não-verbais sobre o psiquismo humano e suas respostas sociais. Neste aspecto nos referimos a Jay Hailey e Gregory Bateson com suas teorias de estratégias de abordagem do grupo social através do conceito doube-blind. Levi Strauss e Roland Barthes também não podem ser deixados de lado. O primeiro por nos fornecer dados preciosos sobre os mitos estruturais que garantem a coesão grupal e o segundo por analisar os efeitos subjetivos da linguagem no ser humano.
Ambos são fundamentais quando se quer formular uma abordagem qualitativa do consumidor, fornecendo-nos conceitos básicos para investigar a corrente associativa inconsciente e subjetiva do comportamento humano nas quais se inserem os elementos de identidade da marca que vão, ao se combinar com os traços íntimos da identidade do consumidor, determinar o momento da eleição e a eventual adesão a um determinado produto e/ou marca.
A primeira pergunta que se impõe quando pensamos a partir desta ótica é: que tipo de vinculação é esta entre um sujeito e um produto ou objeto, que chamamos de adesão? Há vários conceitos a redefinir nesta primeira etapa: sujeito, objeto e dependência (pois é a partir deste viés que a conduta de adesão é por nós enquadrada), que passam a servir de alicerces das técnicas de pesquisa qualitativa que propomos.
Outra questão: esta vinculação responde a que tipo de expectativas (fantasias, diríamos nós) de uma pessoa? Formulada desta maneira a questão desloca o eixo das pesquisas do conceito de motivação, que é uma contribuição da psicologia experimental e behaviorista, para o conceito de satisfação, vinculado às teorias da psicologia da personalidade.
Este deslizamento de eixo redefine os conceitos focais. Em lugar da motivação externa pensamos o desejo do consumidor. Ao invés de explorar a percepção buscamos reconstruir a fantasia do sujeito investigado. Os hábitos de consumo são por nós avaliados como consulta de dependência, o que faz com que o produto se torne um objeto de satisfação, em cuja marca o consumidor reencontra e representa seus objetos não-conscientes de satisfação. Portanto, a identificação com a marca abre para nós a questão da identificação do produto como uma fonte de prazer.
Ainda outra questão: que função passa a exercer na vida da pessoa, este objeto/produto e/ou marca ao qual ela adere? É fundamental entender este objeto como um fetiche e compreender as fantasias e imagens que o envolvem para que possamos acentuar o grau de adesão e a fidelidade de um consumidor a seu objeto de preferência.
Não é a toa que a onda ecológica vem dominando o contexto político neste início de século. Mais do que nunca o homem se descobre angustiado por questões relativas a sua sobrevivência sobre o planeta. Ele não é dono do mundo, nem seu criador. É como criatura, separado da mãe-natureza que o homem tenta voltar a ela desesperadamente. Esta brecha, esse hiato, este espaço vazio, é a condição de toda e qualquer eventual substituição. Neste vazia instala-se o produto/fetiche.
O produto/fetiche é a parte da estrutura subjetiva, emocional de qualquer ser humano. Ninguém precisa ser motivado (de fora) a consumir. O ato de consumo é uma necessidade estrutural, interna, íntima de qualquer ser humano em nosso tipo de organização social. O produto, qualquer que seja ele é sempre uma substituição — por isso deve ser tratado como um espaço aberto, passível de múltiplos preenchimentos.
Substituição de que? O que as pesquisas sociológicas esquecem é que elas se fixam aos estereótipos, as máscaras e ideias sociais artificialmente impostas, e por isso passageiras e fugazes como são todas as circunstâncias históricas. Quando nós propomos o objeto de consumo como um fetiche que burla a regra social, que tenta transgredir a norma imposta, estamos fazendo uma abordagem de estrutura do comportamento de consumo, e com isso criaremos uma estratégia de approach do consumidor mais personalizada e menos circunstancial.
O que estamos objetivando através de nosso método é identificar como e porque se instala a adesão. A partir daí, poderemos obter um novo tipo de informação qualitativa sobre os consumidor, que possa ser utilizado pelos setores de comunicação de marketing na elaboração de campanhas que fortaleçam a fidelidade do consumidor ao produto.
Frequentemente, quando se trata de adesão, tomam-se os efeitos gerados pela mesma, como sendo causa. Ou seja, os pesquisadores de um modo geral, consideram que precisam descobrir o que motiva o sujeito a uma determinada adesão. Na verdade, o que ocorre é o contrário, uma vez que o sujeito está estruturado para depender, aderir, apaixonar-se, e que ele busca preencher suas lacunas internas com um determinado produto.
O sujeito não escolhe o produto, ele é absorvido, tragado pela rede de significações inerentes ao produto, possibilitando assim que, o consumidor recrie seu mundo interno ao aderir a um determinado produto. Portanto, é preciso criar estratégias de marketing que exprimam e reflitam esta condição humana básica: sua ânsia de preenchimento, a volúpia de completar-se.
Daí a especificidade de nosso método. As máscaras sociais pouco nos tem a dizer, porque elas recobrem o que nos parece essencial: determinar a ânsia do consumidor em projetar, expressar, criar, ativamente os objetos que garantam a sua satisfação. E com essa abordagem do consumidor como um ser ativo e não apenas manipulável por esquemas de motivação, que desenvolvemos nossa metodologia de trabalho.
O método se propõe, enquanto instrumento, identificar os mecanismos psicológicos e a dinâmica subjetiva a partir da qual o consumidor estabelecerá sua relação com o produto. Precisamos por isto, fazer aflorar suas imagens internas, suas representações íntimas, as quais definem a direção de sua adesão.
O novo aqui é a criação de um método projetivo que permita recolher e descrever os traços constitutivos do produto sobre os quais se inscrevem as imagens afetivas, através das quais o consumidor se identifica e se define como pessoa. Nosso principal objetivo é identificar e analisar a imagem de comunicação do produto, e não o produto em si.
A primeira etapa de nosso método é decompor a imagem do produto em seus elementos, traços constitutivos. Sendo assim, estes vários elementos serão apresentados ao consumidor da seguinte maneira:
1 – Levantamento dos referenciais projetivos do consumidor sobre a marca.
Projeção de slides com traços decompostos da marca para que os consumidores descrevam a forma que sua fantasia modela.
2 – Construção subjetiva da marca (produção individual).
Os traços decompostos da marca serão transformados em objetos concretos a serem manipulados pelo consumidor. Caberá a ele efetivamente construir, segundo seus próprios referenciais e imagens internas, a representação de um objeto que ele ainda não sabe que se relaciona com a marca pesquisada. Posteriormente, solicitamos a ele que elabore uma pequena estória a partir destes objetos. Nesse momento começamos a constituir um arquivo vivo da rede de significados e temas que são sustentados pela marca.
3 – Imagens agregadas a marca (produção coletiva).
Quando trabalhamos em grupo é o momento em que exploramos a articulação entre os diferentes consumidores da mesma marca e o que eles tem de comum. Um painel contendo todos os objetos reconstruídos por cada um dos consumidores individualmente (etapa dois) será apresentado pelo moderador a fim de que, agora em grupo os participantes desenvolvam três estórias a partir da criação individual. Por associação livre, cada integrante do grupo prossegue a narrativa, iniciada por um dos participantes.
4 – Variáveis da vida afetiva agregada a marca
O grupo nessa etapa já está suficientemente trabalhado para nomear as principais experiências afetivas vividas na interação com os traços da marca durante as etapas anteriores, a fim de checar a trajetória psicológica identificada pelo método.
5 – Definição da identidade do consumidor
Será realizado ao final de todo processo uma entrevista individual para identificar a história de vida do consumidor em questão, visando apontar sua relação consigo mesmo, com o trabalho, com os amigos. Serão identificados também a dinâmica do prazer dos indivíduos em questão, e sua articulação com a marca enquanto elemento de reconhecimento social.
Conclusão
Este artigo pretende analisar e investigar a relação existente entre a identidade da marca e a identidade do consumidor. Ao mesmo tempo, apresenta um método de pesquisa de consumo que utilizando técnicas projetivas e recursos não verbais procura estabelecer uma complementaridade e parceria, com os dispositivos de pesquisa já consagrados.
Nota: Todos estes conceitos estão sendo por nós elaborados minuciosamente visando publicação em livro técnico.
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Halina Grynberg é psicanalista e escritora.