Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O plano de saúde pública do Bolsonaro se resume a xingar o PT e os médicos cubanos?

(Foto: Antonio Cruz/Agencia Brasil)

Publicado originalmente no blog Histórias Mal Contadas

Seria cômico, se não fosse trágico. O programa Médicos pelo Brasil, lançado pelo governo federal, que irá substituir o Mais Médicos, é um amontoado de ideias vagas recheado por números e regado por uma grande dose de ideologia dos tempos da guerra fria (1941 a 1991), quando os países do mundo se dividiam em dois blocos de aliados: da então União Soviética, comunista, e dos Estados Unidos, capitalista – há um vasto material na internet. Antes de seguir contando a história, eu gostaria de conversar com os meus colegas repórteres, em especial os jovens. Tenho 68 anos, quarenta e poucos de profissão, e sempre viajei muito pelo país, fazendo coberturas de conflitos sociais. Trabalhei em redação de jornal de 1979 até 2014 e hoje escrevo meus livros-reportagens e ajudo na formação de novos repórteres.

Portanto, do que vou escrever eu sou testemunha e fiz reportagens a respeito. Desde que comecei a trabalhar em jornal, em 1979, a saúde pública no Brasil sempre foi um problema que depende do andamento da economia. Ora melhora, ora piora. Hoje, é um dos piores momentos da saúde pública no país, devido ao desemprego inédito: são 13 milhões de pessoas. Grandes, médios e pequenos negócios fecham as portas todos os dias. As ruas e as avenidas das cidades estão cheias de sem-teto. A crise não é maior porque os aplicativos, especialmente na área de transporte, estão dando trabalho para muitas famílias – motoristas, vendedores e outras ocupações. Meu colega repórter, imagine o seguinte: como uma pessoa desempregada, sem dinheiro e com o filho doente reage quando chega no postinho de saúde e não encontra o médico?

Chegamos ao xis da nossa história. Não vamos comparar os dois programas: Médicos pelo Brasil e Mais Médicos. Vamos conversar sobre o que há de comum entre os dois: os médicos cubanos. O Mais Médicos só chegou aos confins do Brasil e às entranhas das favelas das grandes e médias cidades brasileiras graças aos médicos cubanos. Nem os governos militares (1964 a 1985), o do PSDB (1995 a 2002) e os do PT (2003 a 2016) conseguiram fixar os médicos brasileiros nos confins do Brasil, muito menos nas grandes favelas urbanas. Por que? Por uma série de motivos, em que a questão do salário é a menor de todas. Pesam mais: isolamento profissional, carência de recursos para trabalhar e falta de segurança pessoal – áreas de conflitos. Só os cubanos aceitaram ir para esses lugares. O presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL-RJ), saiu com uma preciosidade durante o lançamento do Médicos pelo Brasil. Disse ele que o Mais Médicos tinha como objetivo “formar núcleos de guerrilha”. Hoje, quando o desempregado com o filho doente chegar no postinho e não encontrar o médico, alguém pode explicar para ele a história do “núcleo de guerrilha”.

Aliás, o governo de Cuba retirou seus médicos de um acordo que havia feito com o Mais Médicos devido a ofensas feitas por Bolsonaro contra os comunistas. Mais uma coisa: o programa Médicos pelo Brasil segue a cartilha da Associação Médica do Brasil (AMB), que defende uma carreira de médico de Estado – salários, benefícios e outras coisas – que atraia o jovem médico para trabalhar nos confins do Brasil e nas regiões de conflitos. Claro, a AMB é contra o aumento do número de vagas nas faculdades de medicina, como também não apoia o surgimento de novos cursos. Somando tudo isso, chega-se ao seguinte resultado: as entidades médicas se posicionaram contra os cubanos por uma questão de reserva de mercado de trabalho. É só isso. O que nós, repórteres, precisamos explicar ao nosso leitor. Por mais bagunçados que pareçam ser, os serviços de saúde pública brasileiros funcionam e têm bons resultados. Agora, o maior custo de um serviço de saúde não pode ser o salário do médico. Isso acontece hoje em dia devido ao poder de pressão que as entidades que os representam têm. É do jogo. Lendo atentamente os fundamentos do Médicos pelo Brasil, parece que o plano foi feito pelos médicos. O governo só entrou com a ideologia. Falar em ideologia para quem carrega um filho doente nos braços e não tem emprego é arriscado. Pode ouvir um desaforo. É simples assim.

***

Carlos Wagner é repórter.