Há nove anos, quando fui convidada para ajudar na criação do Palavra Aberta, muitos me perguntavam se era mesmo preciso uma entidade de propósito específico como o instituto. Minha resposta foi sempre a mesma: a defesa da liberdade de expressão era uma luta cotidiana, pois todos os dias surgiam novos desafios e questionamentos a esse direito tão fundamental para a democracia.
Depois de quase uma década, os desafios se transformaram e se tornaram ainda mais complexos. Hoje, a luta não é mais pela conquista do direito à liberdade de expressão. Passa também pela preservação e utilização correta desse direito.
Novos atributos são exigidos dos cidadãos, e educar a sociedade para o consumo de informação passou a ser uma prioridade. Formar leitores aptos a diferenciar conteúdos, a identificar gêneros textuais, a separar fato de opinião e, claro, a questionar a informação que recebe é o grande desafio do momento. E vai além, passa por formar cidadãos mais conscientes e responsáveis, aptos a serem consumidores e produtores de conteúdo.
A educação midiática, termo ainda pouco difundido no Brasil, parece condensar as tendências da educação para crianças e adolescentes nesta primeira metade do século XXI. Significa ensinar a ler, a analisar e a produzir mensagens em tempos de excesso de informação e escassez de compreensão.
A mídia, qualquer que seja sua versão, tornou-se onipresente. É avassaladora, a começar pela influência que exerce na vida de crianças e adolescentes, desde a primeira infância. Mas o aspecto deseducador não está na onipresença, e sim na miscelânea de informações das quais somos alvo: ao entretenimento e às mensagens comerciais, políticas e ideológicas, somam-se as fake news, mensagens de ódio, de intolerância, de violência, enfim, as muitas faces da sociedade, não necessariamente saudáveis, que podem incentivar desde o bullying até distúrbios alimentares, até a baixa autoestima e a violência.
É preciso espírito crítico para separar o joio da deseducação do trigo da informação no caminho positivo. Caso contrário, pode prevalecer o joio deseducador, que semeia o caos e a desagregação.
Países como os Estados Unidos, o Canadá e a Inglaterra há décadas despertaram para essa realidade. E o Brasil deu sinais positivos nesse sentido. A inclusão do “campo jornalístico-midiático” na Base Nacional Comum Curricular do ensino fundamental, aprovada no final de 2018, reforça a importância do tema.
Os desafios são imensos, é preciso disseminar o conceito, unificar o termo, formar professores. Passa também pelo convencimento da importância de adotar a educação midiática em sala de aula. Sem contar o desafio imposto pelas dimensões brasileiras e pela diversidade de agentes envolvidos.
É como diz uma das maiores especialistas no tema, a professora americana Renee Hobbs: “O resultado da educação midiática será sentido no final do ciclo de formação do aluno, um processo que dura em torno de dez anos. Isso só reforça a importância de começarmos a falar sobre isso imediatamente. Não podemos esperar mais”.
A união de esforços em torno do tema é fundamental. Mobilizar os agentes envolvidos, começando pelos professores, passando pelos formuladores de políticas públicas, pais, alunos, membros da academia e sociedade em geral, é condição para implantar o processo de educação midiática nas escolas e, com isso, levar crianças e adolescentes a lerem as notícias criticamente.
Esse processo educacional fortalece a liberdade de imprensa, pois abre as portas para uma melhor compreensão do que vem a ser, por exemplo, uma informação baseada em fatos e o que é pura ficção. Isso interessa a todo cidadão, pois equivale a um processo de redescoberta do genuíno papel da imprensa.
A educação midiática é, sem dúvida, o caminho seguro para superarmos a onda avassaladora de desinformação que nos atinge. Não será a solução de todos os problemas pelos quais a mídia passa, mas será uma boa oportunidade de formar cidadãos conscientes e aptos a exercer a liberdade de forma responsável e segura. Uma grande contribuição para o fortalecimento de uma sociedade mais democrática e participativa.
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Patricia Blanco é presidente-executiva do Instituto Palavra Aberta.