Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O problema dos algoritmos

(Foto: Unsplash)

Sei que os algoritmos me deixaram burro, muito burro demais…

Nas duas últimas décadas, a internet vem se transformando em um dos principais meios para a difusão de notícias. Isso ficou ainda mais evidente com o crescimento do uso das mídias digitais e dos novos aparelhos tecnológicos, tanto nas empresas de comunicação quanto por parte dos consumidores de informação. Esses fatores contribuíram para o aumento de conexões entre pessoas e aumentaram a facilidade de proliferação de conteúdos e de debates sem o espaço físico. Olhando essas palavras, parece um cenário maravilhoso. Mas não podemos tratar com normalidade o atual contexto.

O início da música Televisão, dos Titãs, diz que “a televisão me deixou burro, muito burro demais, agora todas coisas que eu penso me parecem iguais”. Na última década, os versos poderiam ser alterados para “sei que o algoritmo das redes sociais me deixou burro, muito burro demais, agora todas coisas que eu penso me parecem iguais”. Isso pode ser justificado devido aos espaços das bolhas digitais, ocupadas e sufocadas pelo excesso de opiniões direcionadas apenas a um tipo de público fundamentalista. A guerra entre lacração x mitagem que recorta diferentes realidades sobre determinado assunto em busca de impor uma única visão está fazendo a sociedade tratar temas complexos de forma reducionista. Todos os dias, ficamos exaustos com o festival de memes agressivos e discursos emocionais em busca de likes ocupando os lugares de possíveis discussões mais aprofundadas, que poderiam tratar os problemas reais de maneira mais racional, fora da bolha digital e sem ideias populistas direcionadas só a nichos indisponíveis ao diálogo.

O aumento de conexões entre pessoas de diferentes localidades, por incrível que pareça, aumentou a proliferação de ódio no mundo virtual, com o risco da violência ser transferida para o mundo real. Muitas bolhas geradas pelos algoritmos surgiram e, consequentemente, pessoas com pensamentos iguais se aproximaram, criando assim os seus grupos. O problema é que estamos ficando mais sensíveis ao contraditório, mesmo que o grau de discordância seja mínimo. É lógico que, em meio à grande quantidade de opções do mundo virtual, vamos acabar procurando o que é mais próximo dos nossos gostos, pois não dá pra ter contato com tudo e com todos. Até na vida real costumamos ter mais convívio com conteúdos e indivíduos próximos das nossas ideias e afinidades, mas no mundo fora das telas dos computadores as bolhas são mais fáceis de serem furadas. Lá fora, vemos diferentes realidades e nos damos conta de que o mundo não é o grupinho do WhatsApp ou a timeline do Facebook e do Twitter que nos prende durante boa parte do cotidiano. Lá fora é que nos damos conta da complexidade dos agrupamentos e em boa parte dos ambientes entendemos que nem tudo é como a gente deseja e nem todos têm o mesmo estilo de vida e de personalidade por causa de diferentes fatores de convivência, repertórios e ensinamentos.

Infelizmente, está sendo comum ver grupos parecidos, com discordâncias mínimas, brigarem entre si com ambos tentando impor suas ideias de forma beligerante. Já é possível observar o fenômeno da formação de bolhas dentro dos próprios grupos, que passam a se dividir e formar subgrupos com alto grau de intolerância entre seres humanos com ideais parecidos e pequenas diferenças.

Democracia x beligerância

Vou citar um pequeno exemplo: atualmente, não é nada incomum olhar grupos de direita e de esquerda discutindo de forma extremista entre eles mesmos, sendo que o esperado seria mais união e diálogo nos subgrupos criados dentro desses espectros, apesar das pequenas discordâncias que poderiam ser confrontadas nos momentos acalorados mais decisivos, e não continuamente na internet.

Em determinados períodos, nas sociedades de regime de coalizão, os debates mais quentes fazem parte da rotina e devem continuar fazendo, pois são importantes para os contrapesos da democracia. O problema é que, no ambiente virtual, a cultura do confronto, da distorção e imposição de ideias vem se tornando regra e, consequentemente, pode acabar sendo modelo para o mundo real. Isso é incentivado pelo excesso de segmentação e de algoritmos das redes sociais. Não há nada de errado em procurar conteúdo que a gente goste ou com que se identifique ideologicamente, mas, atualmente existe um bombardeio de informações durante o dia inteiro e as pessoas podem receber somente coisas com que concordam. Não há preocupação em filtrar dados ou diferenciar textos informativos de opinativos e nem de verificar a veracidade daquilo que consomem.

Mesmo sendo natural que, na avalanche de conteúdo, a gente faça escolhas baseadas em nossos gostos, sempre é essencial a cota do contraditório, até para sabermos os motivos de discordarmos ou concordarmos com algo e tomarmos a troca de ideias mais transparente e menos agressiva. Lógico que, na atual conjuntura, devemos fugir do excessivo discurso de ódio que contaminou a internet e, em certos momentos, é mais do que necessário ficar um tempo longe das conexões que nos apresentam o pior da humanidade – e de gente próxima do nosso ambiente -, mas isso não significa ignorar completamente o outro lado caso os diferentes contrapontos estejam dentro das regras democráticas. Não podemos ficar fechados em bolhas digitais que escondem a pluralidade e a complexidade do mundo real.

Infelizmente, no Brasil 2019, são comuns a idolatria e o endeusamento de influencers histéricos que distorcem informações para falar somente o que o público deles quer ouvir – e há uma grande diferença entre expor ideias e fazer contorcionismos intelectuais em nome de um “bem maior”. O modo caps lock e a gritaria roubaram o lugar daqueles que teriam mais qualidade para acrescentar nos debates, mesmo que fosse de um jeito popular.

Essa “algoritmização” da vida está fazendo sucesso na política e são comuns cenas de parlamentares filmando-se em momentos inoportunos em busca de likes. Há o incentivo de ambientes hostis que causam uma interdependência entre o internauta fanático e a figura que fala para seu público por meio de qualquer aplicativo ou aparelho tecnológico.

Não podemos criar realidades paralelas causadas pelos algoritmos porque poderá chegar um momento da humanidade em que não saberemos diferenciar o real do virtual e vamos mentir para nós mesmos em busca da satisfação pessoal. No futuro, há o risco de existir uma distopia com o ser humano enxergando somente o que ele quer ver, distorcendo fatos comprovados em nome de alguma paixão ou bem maior.

Nada no mundo é completamente neutro e imparcial e temos o direito de defender ideias, mas isso deve ser feito com honestidade intelectual e decoro, evitando ao máximo a difusão de fake news ou de sensacionalismos que aumentem a histeria da população.

Não dá para saber se a sensibilidade causada pelas bolhas digitais continuará no futuro, pois é impossível encontrar uma solução a curto prazo para o isolamento que pode ser causado pelos algoritmos. Seria interessante a criação de políticas públicas ou regras mais claras que incentivassem a diversidade de debates nas escolas, a pluralidade de opiniões na grande mídia e em emissoras públicas, democratização de veículos de comunicação que tenham transparência e credibilidade na divulgação de fatos, ações e discussões de empresas jornalísticas com setores da sociedade, promoção de atividades que ensinem educação midiática e cuidados necessários nas redes sociais, aproximação das academias com a linguagem do povo, além de trabalhos que estimulem o senso crítico, promovendo a evolução da capacidade de interpretação de fatos e textos, o funcionamento de órgãos da sociedade, a diversidade, a empatia e a tolerância.

As bolhas digitais dos algoritmos precisam ser furadas para que as pessoas conheçam a realidade fora de seus grupos de internet e tenham acesso às discussões importantes que não apresentem apenas populismos ou contorcionismos intelectuais para agradar um segmento extremista.

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Lucas Souza Dorta é jornalista.