As imagens da entrevista de Lula para os jornais Folha de S.Paulo e El País mostraram sua extraordinária força, seu carisma, sua enorme facilidade de comunicação e inteligência verbal. Ele ainda é o único líder da esquerda no Brasil.
A nova aposta proposta pelos bookmakers em Londres – quem sai primeiro, Lula ou Bolsonaro – é suficiente para demonstrar o êxito da entrevista de Lula à Folha e ao El País espanhol. Bastou se abrir uma fresta na prisão de Lula para se projetar com destaque, na imprensa internacional, a figura do ex-presidente cumprindo pena em Curitiba.
Essa entrevista sete meses proibida, repentinamente permitida e rapidamente realizada foi, sem dúvida, uma resposta do Supremo Tribunal Federal aos bombardeios que lhe são feitos pela redes sociais bolsonaristas. E uma tentativa do STF para retificar a má impressão deixada com a censura à revista virtual Crusoé e ao site Antagonista, embora rapidamente corrigida.
Pode ser um pouco mais do que isso: uma avaliação pelo STF do impacto e da penetração de Lula, depois de um ano subtraído da cena pública. Uma oportunidade para muitos fazerem uma comparação entre o ex e o atual presidente. Com vistas a uma eventual transformação de sua pena em prisão domiciliar. Ou, embora inimaginável, uma anulação de sua pena a fim de provocar o choque, capaz de despertar e mobilizar a oposição e, assim, evitar que o Brasil seja destruído e acabe tragado pelo buraco negro da incompetência.
Ninguém precisa me lembrar já ter publicado neste espaço críticas, algumas severas, ao presidente Lula, e lamentado seus erros e desvios. Tenho plena consciência, continuo na expectativa de uma autocrítica do PT e, por que não, do próprio Lula. Mas o momento é de trégua e de união, porque neste momento nosso país atravessa um momento de grande perigo. Os erros agora cometidos ou em fase de execução poderão levar o Brasil a um retrocesso cuja correção exigirá anos ou mesmo dezenas de anos.
A política entreguista da Petrobras com o pré-sal vai privar o Brasil de sua maior riqueza e isso nos condenará à condição de tantas outras nações pobres, exploradas e sem futuro. A imagem do Brasil vem sendo diariamente dilapidada por decisões e declarações absurdas ou estúpidas, tomadas ou pronunciadas pelos diversos setores do governo.
A política externa brasileira, no contrassenso das tendências e realidades internacionais, tornou-se motivo de troça ou chacota nas chancelarias, comprometendo todo um passado de respeito e admiração pelo Brasil.
O desmatamento programado em áreas até hoje protegidas e a destruição da Amazônia, suas florestas e reservas indígenas, para plantação de soja, criação de gado ou exploração de recursos minerais preocupa os outros países, pois todos os esforços feitos para evitar o aquecimento do planeta são anulados pelo Brasil.
Numa demonstração de extrema ignorância de ciência ambiental, um dos filhos do capitão acaba de fazer uma declaração ridicularizando a mobilização pela salvação do nosso planeta, considerando tudo um complô ecológico de esquerda. Preocupados, 600 cientistas enviaram uma carta-apelo ao presidente Bolsonaro, tentando convencê-lo da necessidade de levar a sério o aquecimento do planeta, confirmado por provas científicas. Vassalo do norte-americano Trump, nosso presidente fatalmente descartará esse apelo.
O corte de subvenções às atividades culturais irá emburrecer o país e retirar o Brasil do circuito das atualizações artísticas internacionais em cinema, teatro, dança, música. Uma verdadeira catástrofe. A mudança das disciplinas escolares visa amordaçar espírito e raciocínio críticos dos estudantes. Só valem matérias escolares ou universitárias, ou profissões que deem retorno econômico.
A situação é de uma catástrofe anunciada, sem reação e mobilização popular. E a esquerda, aparentemente anestesiada, não reage. Por isso a necessidade urgente de uma união em torno do único nome capaz de reunir a esquerda para evitar a catástrofe, Lula.
Um ano depois da prisão, as imagens não mostraram um homem diminuído, deprimido ou aniquilado. Dotado de um forte carisma, dominando a propriedade das palavras com sua inteligência verbal, não há ainda no momento outro líder disponível de esquerda para defender o povo que, como ele disse, “não sabe se defender”. No caso da ameaça da nova lei da Previdência, que fará economias nas costas do povo.
Um exemplo da força verbal de Lula é sua frase-choque usada como título nos jornais estrangeiros: “Fico preso cem anos, mas não troco minha dignidade pela liberdade”.
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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. É criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.