Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A capa homofóbica da cultura

(Foto: Reprodução Folha de S.Paulo)

A matéria da Folha de S.Paulo deste sábado (20/6) ilustrando a nomeação do novo Secretário da Cultura, Mário Frias, em pose nu sensual delineando as nádegas e o título “O Novo Homem do Presidente”, dividiu a comunidade LGBT. Mas não só.

A pasta da Cultura é um vexame em si desde a nomeação do primeiro Secretário, Henrique Pires, que deixou o cargo sete meses depois porque não concordou com a suspensão do edital que continha a linha LGBT: Bolsonaro criticou as produções para TVs públicas e cinema. “Para ficar e bater palmas pra censura, eu prefiro cair fora”, disse. Entrou o segundo Secretário, Ricardo Braga, que não esquentou cadeira, foi demitido em dois meses.

O vexame aumentou quando o substituto Roberto Alvim reproduziu um discurso hitlerista com música de Wagner, som predileto do regime, ao fundo. E nada poderia destruir mais a relação com artistas do que a escolha de Regina Duarte, que pertence à tribo, para tornar-se namoradinha de Bolsonaro. Regina noivou, cantou “Prá Frente, Brasil” numa entrevista à CNN e foi retirada do cargo três meses depois. Nesse meio-tempo a pasta da Educação, que no passado foi ligada à da Cultura, deixava claros os princípios pretendidos pelo governo. Foi quando o colombiano Ricardo Vélez exigiu filmar, sem a permissão dos pais, alunos cantando o hino nacional em alinhamento cívico comum às ditaduras.

A reação nas escolas foi tão grande que Bolsonaro demitiu Vélez… e colocou em seu lugar o anti-semita, anti-minorias, anti LGBT e linha dura, Abraham Weintraub. Sem rumo, é nesse vazio que as escolhas olavistas do presidente para a Cultura agora esbarram noutro campo. A comunidade gay se divide com a matéria da Folha, que viu ali a intenção de somar mais um aos defeitos intrínsecos da escolha de um ex-galã de “Malhação”.

Foi o que o professor de Direito e militante da causa LGBT, Renan Quinalha, chamou de “piadinha homofóbica” da Folha. “Tantas críticas necessárias e urgentes a serem feitas, a troca constante no comando da pasta, censura moral em editais, sub financiamento da cultura, falta de experiência do nomeado… Mas a Folha achou legal fazer a piadinha homofóbica”, escreveu no Guia Gay São Paulo.

O consultor empresarial de Diversidade, Ricardo Sales, criticou tanto a imagem como o título da matéria. “A semiótica escancara é intenção. Mário Frias é patético, e talvez perigoso até, pelo que representa. E isso não tem nada a ver com ter feito foto sensual no passado… Deixe a baixaria com os asséclas do Bolsonaro, Folha”.

A deputada estadual pelo PSOL de São Paulo, Érika Malunguinho, que é transexual, criticou o viés. “Triste ver um povo seletivamente moralista que tenta desqualificar uma pessoa por ter saído pelado numa revista. Não regridam. Não é por isso que moral do Frias não serve para Secretário de Cultura. Melhorem, progressistas”.

O despreparo dos eleitos por Bolsonaro para o comando da Secretaria Especial de Cultura é tamanho que dispensa mais esta apelação. A foto, um ensaio sensual do extinto site Paparazzo, somado ao título, deixa no ar a conotação gay para ser vista como mais um defeito.

Como se o fato de um galã sensual configurado com traços suaves fosse mais submisso ao desejo de varrer “comunistas” da área, declarado em alto e bom som pelo presidente. E o pior é que Frias já declarou essa vontade de submissão desde o início. “Se o dono da empresa tem uma maneira de trabalhar, eu sou o cara responsável pelo marketing, tenho de me adequar”, disse mês passado à CNN durante a fritura de Regina. “Pro Jair, cara, o que ele precisar eu tô aqui”. E foi escolhido por isso.

Texto publicado originalmente no site da ABI.

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Norma Couri é jornalista.