Publicado originalmente em Histórias Mal Contadas
Não se tem como separar, para a opinião pública, as imagens do presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL-RJ), e das Forças Armadas. Até porque, sempre que tem uma chance, ele lembra o vínculo. Isso não tem nada de mais. Usar o prestígio da carreira militar para ganhar votos na disputa eleitoral faz parte do jogo. Ao redor do mundo, militares da reserva ingressam na política todos os dias. Por exemplo, em uma das mais sólidas democracias do mundo, a dos Estados Unidos, dos 45 últimos presidentes, apenas treze não tiveram vínculos com as Forças Armadas. Um dos presidentes foi o general Dwight David Eisenhower (1951 até 1961), que se tornou famoso por ter sido comandante das tropas aliadas durante a Segunda Guerra Mundial.
O capítulo seguinte dessa história é um caminho exclusivo do presidente Bolsonaro. Ele se elegeu pelo Partido Social Liberal (PSL). Fundado em 1994, o partido ganhou notoriedade com o sucesso do presidente nas urnas e elegeu 52 deputados federais e quatro senadores. O presidente não levou o PSL para o poder. Levou as Forças Armadas. Tanto que preencheu uma enorme quantidade de cargos de primeiro e segundo escalão com militares da reserva. Graças a ele, as solenidades nos quartéis voltaram às páginas dos jornais. Em suas viagens a nações vizinhas, não tem poupado elogios a generais que foram ditadores em seus países, como Augusto Pinochet, que governou o Chile de 1973 a 1990 e tornou-se sinônimo de tortura, mortes e perseguição política, e Alfredo Stroessner, que ocupou a presidência do Paraguai de 1954 a 1989, em um dos mais longos e sangrentos períodos da história paraguaia. No Brasil, ele é admirador do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, falecido em 2015 e descrito na história do país com um símbolo da tortura implantada no Brasil durante a ditadura militar (1964 a 1985).
Alguém tem que avisar o presidente que as Forças Armadas do coronel Ustra não existem mais. Nas últimas três décadas, houve uma reinvenção na imagem do Exército, da Força Aérea Brasileira (FAB) e da Marinha. Em missões da ONU, em vários cantos do mundo, oficiais brasileiros têm se destacado. Profissionais formados nas escolas militares são disputados no mercado de trabalho. Tanto no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) quanto no de Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP), militares da reserva ocuparam postos importantes e deixaram o legado de um trabalho bem feito. Qual é o legado que irão deixar os militares da reserva que fazem parte deste governo? A persistir a atual maneira como as coisas estão sendo resolvidas pela administração federal, por mais eficientes que eles sejam, o que será lembrado são os desastres, tipo os do ministro da Educação, Abraham Weintraub, que semeia a discórdia entre alunos, professores e governo. Ou do ministro da Fazenda, Paulo Guedes, que centrou a sua ação na tramitação da nova Previdência Social e deixou o resto da economia à deriva – as enormes filas de desempregados são um dos símbolos fortes da atual situação. Ou as ações do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, que tem se concentrado nos crimes de colarinho branco e deixando de lado o resto. Soma-se a isso tudo a língua solta do presidente e dos seus filhos, que deixam o mercado financeiro de cabelo em pé toda vez que usam as redes sociais.
Tudo o que descrevi aqui, com riqueza de detalhes, como falavam os repórteres na época das máquinas de escrever nas redações, pode ser encontrado em detalhes na internet. Como repórteres, precisamos começar a garimpar para encontrar onde fica a fronteira entre as Forças Armadas e o governo Bolsonaro. O que temos publicado parece que é tudo a mesma coisa. Mas não é. Há uma fronteira. E muito do que irá acontecer, caso o governo siga semeando o caos, depende do que existe nessa fronteira.
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Carlos Wagner é jornalista.