Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Administração Bolsonaro lembra a da extinta União Soviética

Publicado originalmente no blog Histórias Mal Contadas.

O presidente Jair Bolsonaro dá posse à equipe ministerial no Palácio do Planalto. (Foto: Roque de Sá/Agência Senado)

A decisão do grupo político do presidente da República Jair Bolsonaro de ocupar os ministérios com técnicos altamente qualificados para a função e de usar militares da reserva para cargos na burocracia é muito semelhante ao modelo que funcionou na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que nasceu em 1931 e foi extinta em 1991. A URSS era dirigida pelo Partido Comunista e teve o seu auge durante a Guerra Fria (1944 a 1991), como foi descrita pelos historiadores a disputa tecnológica, econômica e política que os soviéticos travaram com os americanos.

Diferentemente dos Estados Unidos, a administração da URSS era planejada, os ministérios, dirigidos por técnicos altamente qualificados, e os cargos mais importantes na burocracia, ocupados por ex-militares. Restou da extinta República Socialista a Rússia que é presidida por Vladimir Putin, que foi dirigente da KGB, o extinto e temido serviço de inteligência da URSS. Assim como Bolsonaro, que é capitão da reserva do Exército, Putin foi tenente-coronel. As semelhanças à extinta URSS e ao Brasil atual são apenas o modelo de administração.

O grupo de Bolsonaro é de direita, e a extinta URSS era dirigida pelos comunistas. Eu citei essa semelhança para puxar um assunto com os meus colegas repórteres, principalmente os jovens. Nas últimas duas décadas, alguém “soltou uma pilha” — no jargão das redações, uma ideia — no nosso meio que os ministérios deveriam ser dirigidos por técnicos. E não por políticos. Nós compramos a “pilha” e passamos a mencionar nos nossos conteúdos como se fosse uma verdade absoluta que apenas um técnico tinha capacidade de ser ministro.

O envolvimento de vários políticos em corrupção e outros crimes descobertos pela Operação Lava Jato consolidou na opinião pública o conceito que os técnicos são honestos e os políticos um bando de safados. A bem da verdade, eu quero dizer o seguinte: não foi o presidente Bolsonaro que pregou a ideia do técnico honesto e do político safado. Fomos nós nos nossos conteúdos dos noticiários. O presidente surfou na onda criada por nós. E não é por outra razão que ele “bate no peito” e diz que “o meu ministério é de técnicos”.

A verdade é que o técnico não é símbolo de competência e honestidade, e o político não é sinônimo de safado e incompetente. A história ensina ao repórter que o mundo não é dividido entre honestos e ladrões. Ele é bem mais complexo. Tanto que a raça humana já teve várias oportunidades de ser extinta por uma guerra nuclear, como foi a crise dos mísseis em Cuba (1962), entre a URSS e os Estados Unidos, e conseguiu se safar graças à arte da política.

No auge dos escândalos da Operação Lava Jato, eu fui chamado por um colega de escola do meu filho para uma conversa. Meio constrangido, ele me disse que o seu sonho era ser político. Já tinha lido todos os livros clássicos sobre arte da política. E as biografias dos grandes líderes mundiais. Perguntou a minha opinião sobre o assunto. A pergunta dele me fez refletir sobre o que tinha escrito sobre o assunto nos meus 40 anos de carreira como repórter. Lembrei da história do técnico honesto, do político safado e da crise dos mísseis de Cuba. Pelo que me lembro, eu respondi mais ou menos assim para o adolescente: “cara, fazer política não tem nada a ver com a sacanagem, mas com a arte de saber encaminhar soluções para resolver as nossas disputas, sem nos matarmos”.

A maneira de resolver as coisas do governo Bolsonaro e do seu herói, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, faz com que os chamados “repórteres rodados”, velhos como eu, pensem nas coisas que escrevemos por ouvir falar e acabamos transformando em verdades. Nas palestras que tenho feito nas faculdades de jornalismo e nas redações dos jornais pelo interior do Brasil, eu tenho alertado aos jovens repórteres que sempre desconfiem quando ouvirem de um entrevistado uma declaração dita como se fosse “a única verdade”. A desconfiança é a ferramenta mais eficiente que existe para o trabalho do repórter. Claro, não uma verdade absoluta. Mas ajuda a esclarecer as coisas. É bem assim.

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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais.