Publicado originalmente no blog Histórias Mal Contadas.
Tudo que é novo assusta as redações. Até ser decifrado. Bolsonaro não fugiu à regra. Por muitos anos, ele foi descrito por nós, repórteres, como um parlamentar exótico pelas suas pirotecnias, pelo linguajar chulo, pelas atitudes agressivas e por sua origem profissional (capitão da reserva do Exército que defende o legado da Ditadura Militar — 1964 a 1985 ).
Começamos levá-lo a sério quando disparou nas pesquisas para presidente da República, graças a um bem arquitetado e executado plano de uso das redes sociais. E agora, a menos de seis semanas para ele assumir o cargo de presidente da República, a retórica que beira o macarthismo — campanha do senador norte-americano Joseph McCarthy, na década de 1950, que instituiu a perseguição aos comunistas — e que, por isso, chama a nossa atenção e continua ocupando generosos espaços nos noticiários. Se continuarmos engalfinhados em cobrar do presidente eleito e do seu grupo político coerência no que falam, nós vamos perder o foco do que interessa ao nosso leitor, que é saber, concretamente, como o seu problema será resolvido, por exemplo: desemprego, assistência médico-hospitalar e a segurança pública.
Antes de prosseguir contando a história. Vou relatar uma advertência feita aos repórteres americanos pelo jornalista investigativo Bob Woodward, que ficou famoso ao lado do seu colega Carl Bernstein, no Washington Post, no caso Watergate, que derrubou o presidente republicano Richard Nixon (falecido em 1994), em 1974. Em 1976, toda a história foi contada no filme Todos os Homens do Presidente. Recentemente, ele escreveu o livro Medo – Trump na Casa Branca. Disse Bob, em uma entrevista dada ao El País e reproduzida no Observatório da Imprensa: “Mordemos o anzol. Ele quer conflito, e, para os repórteres em modo de combate, então, temos uma guerra entre Trump e a mídia. Minha postura é ignore-o, faça seu trabalho, cheque o que está acontecendo, ponha em um livro e conte às pessoas.”
Aqui, no Brasil, Bolsonaro segue o modelo Trump de se relacionar com a imprensa. Nós, repórteres, não podemos repetir o erro dos nossos colegas americanos e nos engalfinharmos em uma briga com o presidente eleito, deixando de lado o que interessa. Claro, não é fácil, porque há personagens no grupo político do eleito que desfilam um rosário de asneiras impressionante. O próprio Bolsonaro tem um discurso que lembra a Guerra Fria (1947 a 1991), quando o mundo era dividido entre capitalistas e comunistas.
E foi por conta do seu discurso contra os comunistas que Bolsonaro levou a primeira bola nas costas. O governo de Cuba rompeu, de maneira unilateral, o contrato com o programa Mais Médicos e retirou 8,5 mil de seus profissionais do Brasil. Não deu o gostinho para Bolsonaro de romper o contrato. A reação do presidente eleito foi lembrar que Cuba é uma ditadura e que os médicos cubanos realizam trabalho escravo no Brasil. Fato. Centenas de pessoas em favelas e sertões ficaram sem médico. Os cubanos ganhavam R$ 10 mil (sendo R$ 7 mil para o governo de Cuba, e o resto para eles). Nos padrões dos ganhos dos médicos brasileiros, R$ 10 mil é troco. Dificilmente, vão trocar as cidades médias e grandes pelos vilarejos e pelas favelas. Podemos botar o presidente eleito em uma saia justa, perguntando se a solução não seria ampliar o número de faculdades de medicina, que hoje somam 291 e formam 30 mil médicos por ano. Duplicar o número de médicos formados causaria uma inundação de mão de obra, o que forçaria a ida deles para o interior em busca de sobrevivência. Se as instituições de ensino nacional não tiverem capacidade de fazer novos cursos, uma das saídas é a abertura do mercado para grupos estrangeiros se estabelecerem no Brasil com faculdades de medicina. É assim que o capitalismo resolve os seus problemas com mão de obra. Paulo Guedes, o guru de Bolsonaro, sabe dessa solução. Por que ele está quieto?
Uma questão: a geração de novos empregos. Guedes, que vai ser o superministro da economia, tem falado muito em privatizações, reforma da previdência e cortes de gastos na máquina governamental. Mas tem evitado falar sobre o número de empregos novos que o governo eleito irá gerar. Em um país com 14 milhões de desempregados, isso é um assunto muito sério. Lembro que, quando o então presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT – SP) assumiu, a promessa de campanha era gerar 10 milhões de empregos durante o seu primeiro mandato (2003 a 2006). Não conseguiu: gerou 6 milhões de empregos. Qual o número de empregos que o novo governo pretende gerar e como chegará lá? Guedes é o cara para dar essa resposta.
Ao contrário de Guedes e Bolsonaro, que encobrem as suas verdadeiras intenções com bravatas, o futuro ministro da Justiça e Segurança Pública, o ex-juiz federal Sérgio Moro, da Operação Lava Jato, é uma pessoa discreta que fala com os jornalistas de maneira direta. Quando não sabe, não fala. O que nos deixa pouca margem para especulações. Mas ele colocou na sua equipe de transição a delegada federal Érika Mialik Marena. Em 2017, ela foi responsável pela desastrada Operação Ouvidos Mocos, que investigou o desvio de verbas na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O então reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier, suicidou-se, e o inquérito policial, um amontoado de 817 páginas, indiciou 23 pessoas, sem apontar objetivamente o seu envolvimento no caso. Temos que saber qual foi o resultado da investigação da corregedoria da Polícia Federal (PF) sobre o trabalho da delegada. Moro deve ter essa resposta. O governo eleito pode “vender o seu peixe” nas redes sociais. Para nós, ele vai ter que responder as perguntas. Se não responder, já é uma resposta. É simples assim.
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Carlos Wagner é jornalista.