Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Cascas de banana: faltam informações sobre o uso de aviões da FAB pelos políticos

(Foto: Agência Brasil)

Entra governo, sai governo e a farra dos políticos nas asas da Força Aérea Brasileira segue intocável. Um escárnio. Coisa de país pobre, dominado por uma classe política patrimonialista, que se apropriou do Estado. Admito que resolver o problema da educação, por exemplo, é um tremendo desafio, principalmente para um governo como esse, em que o presidente acha que livro didático tem muita letra e o ministro da Educação carece de educação e de um mínimo de preparo intelectual para a função. Mas acabar com a sem-vergonhice de uso de jatos da FAB é simples. Basta estabelecer cotas em vôos privados para cada ministério e uma verba extra para situações de emergência.
Os próprios engenheiros militares – há tantos deles no governo, craques em logística, especialmente os formados pelo Instituto de Tecnologia da Aeronáutica (ITA) – poderiam fixar regras e liberar a FAB para cumprir o seu papel, que evidentemente não é o de levar político pra casa no fim de semana ou burocrata para a Índia, com escala em Davos, na Suíça.
Nesse caso específico, que custou quase R$ 1 milhão aos cofres públicos, a mídia escorregou na casca de banana jogada pelos políticos e dispensou energia e espaço para desvendar o destino de Onyx Lorenzoni quando a questão de fundo, e que de fato tem relevância para o país, era e continua sendo acabar com o uso da FAB para transporte de políticos. Por que, por exemplo, o deputado Rodrigo Maia, que aliás se vende agora como arauto da racionalidade, serenidade e probidade, tem direito de requisitar jatinhos da FAB na hora e para o destino que bem entender?
Aliás, sobre esse serviço da FAB, eu e o povo brasileiro temos curiosidade e direito de saber: qual é o orçamento anual? Quantas pessoas mobiliza? Qual o tamanho da estrutura (gente e aeronaves)? Quantas viagens/ano? Quantos quilômetros viajados? Quantas pessoas transportadas por quilômetro? Quantos litros de querosene são gastos? É possível que venhamos a descobrir – se houver disposição em buscar esses dados – que a “FAB Transportadora de Políticos Ltda” é uma empresa de aviação comparável a uma de médio porte. E vale também confrontar o serviço da FAB com os de outros países, não só os do primeiro mundo. Poucos lugares do planeta mantêm uma estrutura semelhante com dinheiro público para transportes de autoridades e afins.
Os melhores antídotos contra barbaridades como essa são a informação, a denúncia e a indignação. Se ficarmos sentados esperando que o exemplo parta da classe política, ou do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário, nem no século XXII algo terá mudado. Dificilmente, quem estabelece as regras do jogo vai abrir mão voluntariamente de privilégios e abusos como esse, que denotam ausência total de respeito e bom senso.
A mídia se habituou a publicar, de tempos em tempos, uma lista de quem requisita as aeronaves da FAB, fornecida pelas próprias autoridades, como se fora uma ação transparente. Se viesse acompanhada de gastos e comparações, tal lista teria alguma importância. No fim das contas, é uma informação de baixo valor para a sociedade, que, ainda assim, reage com alguma indignação.
Não creio que isso ocorra por falta de gente competente ou excesso de jornalistas inexperientes. O que me parece é que, com a multiplicação de novos meios, a velocidade de distribuição atropelou a da produção de conteúdo e, com isso, o factual ganhou dimensão maior para alimentar canais ao vivo, sites, blogs, portais etc. E um mesmo profissional tem que se desdobrar para dar conta das novas demandas: apura, redige, filme e fotografa, posta, comenta e repercute. Isso acaba comprometendo a apuração, a avaliação do que está em jogo e do que, de fato, é notícia.
***
Bruno Thys é jornalista. Trabalhou por quase vinte anos no Jornal do Brasil, onde foi de estagiário a editor-executivo. Foi um dos fundadores da revista Veja Rio. Participou da criação do Extra (RJ), jornal em que comandou a redação. Foi diretor da Infoglobo, empresa que edita os jornais e revistas do Grupo Globo e CEO do Sistema Globo de Rádio (CBN, Rádio Globo, etc). Tem prêmios relevantes, entre eles o Esso. É sócio da editora Máquina de Livros.