Publicado originalmente pelo Balaio do Kotscho.
Como já era de se prever, os donos da CNN Brasil apresentaram na última sexta-feira suas credenciais ao presidente Jair Bolsonaro, como fazem os novos embaixadores que chegam ao país. A audiência não constava da agenda presidencial.
Logo depois, também entrou no gabinete presidencial do terceiro andar do Planalto, em audiência agendada, a cúpula da Record, para apresentar seu novo diretor de jornalismo, indicado no lugar de Douglas Tavolaro, que vai comandar a CNN Brasil.
No mesmo dia, o Jornal Nacional deu um furo jornalístico denunciando as descobertas do Coaf sobre as movimentações financeiras suspeitas de Flávio Bolsonaro, senador eleito, que se escondeu no foro privilegiado do ministro Fux.
Estes três movimentos simultâneos têm muito a dizer sobre como será o relacionamento da nova ordem com a imprensa.
O capitão reformado já deixou bem claro, antes mesmo de tomar posse, que divide a mídia entre os amigos que lhe prestam vassalagem e aqueles que simplesmente fazem jornalismo.
No primeiro grupo, destacam-se a Record, de Edir Macedo, e o SBT, de Silvio Santos, que funcionam quase como emissoras oficiais do governo, ao lado de redes de emissoras de rádio.
Caso a CNN Brasil siga pelo mesmo caminho, a Globo terá que enfrentar sozinha a ira dos bolsonaristas adoradores do “Mito” ou mudar sua política editorial.
Com o Judiciário e o Congresso aparentemente sob controle até o momento, a oposição em frangalhos e a sociedade civil ainda de férias, restarão apenas alguns órgãos de imprensa para fiscalizar e denunciar os desmandos do governo, que se multiplicam em ritmo assustador a cada dia.
Por enquanto, o bolsonarismo apenas ameaça quem não lhe bater continência, com retaliações e cortes de verbas de publicidade oficiais, mas este pode ser apenas o primeiro passo para intimidar empresas e jornalistas.
Já circulam há tempos nas redes sociais listas de profissionais “malditos” das artes e da imprensa, genericamente tachados de “vermelhos”.
Como os aliados do governo na mídia se comportarão agora, diante da grave denúncia veiculada pela Globo no JN, de que Flávio Bolsonaro recebeu 48 depósitos em dinheiro, no valor de R$ 2 mil cada, em apenas cinco dias?
Segundo o relatório do Coaf, por terem sido feitos de forma fracionada, os depósitos levantaram a suspeita de ocultação da origem do dinheiro.
A defesa de Flávio Bolsonaro alega que os procuradores do Ministério Público agiram de forma ilegal e pedem, simplesmente, a anulação das provas e o fim das investigações.
Um dos muitos mistérios nesta história é quem está fazendo a defesa do filho do presidente porque até agora não apareceram os nomes dos advogados que conseguiram a liminar de Luiz Fux.
Para juristas e ministros dos tribunais superiores foi um tiro no pé porque, se o processo ficar no STF, terá que ser acionada a Procuradoria Geral da República.
Quer dizer, federalizaram o escândalo que estava localizado na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, onde encontraram movimentações atípicas de R$ 1,2 milhão nas contas do PM motorista Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro.
O relator do processo no STF, ministro Marco Aurélio Mello, já avisou que vai jogar a liminar de Fux no lixo quando voltar ao trabalho, no dia 1º de fevereiro, devolvendo o processo à primeira instância.
Tudo faz lembrar o célebre caso do motorista Eriberto e da Fiat Elba que acabou levando ao impeachment de Fernando Collor, dois anos após a posse.
Agora, o rolo das contas suspeitas da família do presidente e seus assessores estourou logo no início do governo Bolsonaro, e ninguém sabe onde isso vai parar.
A diferença é que o Coaf agora está sob o comando do superministro Sergio Moro, aliado de primeira hora do bolsonarismo, que esta semana sumiu de cena e ainda não se manifestou sobre o imbróglio que une as famílias Bolsonaro e Queiroz.
Vida que segue.
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Ricardo Kotscho é repórter desde 1964 e já trabalhou em praticamente todos os principais veículos da imprensa brasileira em diferentes cargos e funções, de estagiário a diretor de redação.