Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Em Minha Defesa, Eu Não sou Jornalista

Publicado originalmente no Medium.

Glenn Greenwald em participação na CNN. (Foto: Reprodução).

O radiojornalismo encontrou nas redes sociais e no YouTube seu espaço para a tão famosa “reinvenção”. E viu no jornalismo de opinião, cada vez mais presente nos dias de hoje, a sua força para alavancar as audiências. Com a programação transmitida ao vivo, rapidamente o que se fala viraliza e serve de argumentação para os “tribunais da internet”, onde sobra raiva e falta reflexão.

É nesse contexto que surgem os novos formadores de opinião na mídia brasileira. Como o comentarista Caio Coppola, que participa dos programas da rádio Jovem Pan e tem um canal de YouTube. O jovem formado em Direito pela USP normalmente se utiliza de dados, estatísticas, notícias, Robespierre e Isaac Newton para embasar os seus argumentos. E dessa forma, usa a mídia para se comunicar e levar informação ao público.

Coppola é o novo queridinho dos comentários políticos da direita. Ele mesmo se caracteriza como um “cristão conservador”, muitas vezes antes de emitir alguma opinião ou fazer alguma análise. Ou seja, ele avisa ao público de que lado está antes de falar. Não há mal nenhum, diga-se de passagem, em deixar explícita sua visão de mundo. É melhor do que fingir neutralidade, com o intuito de enganar quem vai receber a mensagem. Além disso, o espaço da opinião deve contemplar a todos.

Mas em meio ao Fla-Flu da polarização política, que entramos em 2013 e não conseguimos mais sair, Coppola viralizou nas redes ao discutir com o apresentador do programa Morning Show, Edgar Piccoli, no dia 25/01.

Ao analisar o anúncio de Jean Wyllys, de que ia deixar o país, Coppola criou a seguinte teoria: Por ter sido eleito com pouco mais de 24 mil votos, ou seja, “em decadência”, “em execração pública”, Wyllys teria dado um “golpe de mestre”. Teria criado uma narrativa de perseguição política, “vitimizando-se” para se tornar ativista internacional e embaixador da oposição no exterior. E para completar, quem assume seu lugar é o suplente David Miranda, “sangue novo no Congresso gozando de prestígio e simpatia de toda a mídia progressista internacional”.

Por que?

Porque David Miranda é casado com o jornalista Glenn Greenwald, vencedor do Prêmio Pulitzer por sua reportagem sobre o caso “Snowden/NSA/Espionagem” e um dos criadores do The Intercept.

Coppola faz o link com a “mídia progressista internacional” apresentando Greenwald dessa maneira: “Esse Glenn é aquele jornalista, militante, correspondente internacional da CNN, que vendeu a tese do “Golpe” pra mídia internacional. É só o ouvinte da Pan dar um YouTube, dar um Google em Christiane Amanpour, CNN, Golpe, vai achar tudo isso”.

Exatamente um mês depois, no dia 25/02, Greenwald é então convidado para participar do programa Pânico, da Jovem Pan, e Coppola é chamado para compor a mesa.

Frente a frente, o americano rebateu a fala do analista dizendo que para sustentar a teoria sobre Wyllys, Coppola usou “falsidades”.

Em primeiro lugar, Glenn nunca foi correspondente internacional da CNN. Em segundo, na participação a qual Caio se refere, no programa da Amanpour no dia 18/04/16, o jornalista não diz em nenhum momento que o Impeachment era um Golpe.

Na verdade, Amanpour diz que Dilma Rousseff estava chamando o Impeachment de Golpe e pergunta a Greenwald o que estava acontecendo. E ele analisa de maneira bem simples. Para ele, Dilma era impopular e havia cometido erros em seu governo, mas aquele era um processo presidido por Eduardo Cunha e votado por políticos envolvidos em corrupção. E, por isso, considerava os motivos do Impeachment como “antidemocráticos”. Segundo ele, era perigoso um país com uma democracia tão jovem viver um impeachment daquela forma.

Segue o link da participação: (https://edition.cnn.com/videos/tv/2016/04/18/intv-amanpour-glenn-greenwald-dilma-rousseff-impeachment.cnn)

Confrontado por Greenwald, Coppola convida mais uma vez os ouvintes a procurar o dito vídeo no YouTube, para provar que o que ele falava era verdade. O jornalista americano responde com meio sorriso no rosto, que o que Caio estava fazendo era muito feio, não era jornalismo.

E assim, chega-se a fala que deve incomodar a todos nós.

O analista político da Jovem Pan se defende dizendo: “Eu não sou jornalista, Glenn!”

Acontece que a teoria aventada por Caio foi replicada nas redes sociais, inclusive no YouTube do deputado federal Eduardo Bolsonaro com legendas em inglês e espanhol. E é claro que muitos a tomaram como fato.

Deve-se chamar muita atenção a esse acontecimento.

Com essa nova era do rádio e do jornalismo no YouTube, produz-se diariamente uma quantidade muito grande de opinião das mais variadas e que atendem a praticamente todos os gostos. O que é ótimo. A liberdade de expressão gera pluralidade de visões e debates, e faz com que as pessoas se desvencilhem do discurso único.

Mas não se pode confundir opinião com informação.

O analista deve ter em conta informações para fundamentar a sua opinião. Mas nunca deve usar o espaço que um meio de comunicação lhe dá, para em sua costura de ideias, insinuar algo que não corresponde à realidade e não se tem como provar.

E, principalmente, não ser jornalista não exime ninguém da responsabilidade de trabalhar com a verdade.

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Rodrigo Zelmanowicz é jornalista.