Foram três eventos recentes que nos obrigaram a enxergar a realidade assombrosa sobre o jornalismo brasileiro. A primeira constatação ocorreu em 2015, quando a multinacional Uber entrou no Brasil patrocinando uma campanha feroz e uníssona contra os taxistas. A segunda demonstração aconteceu em 2016, com a imprensa engajada às forças mais repulsivas e anti-republicanas da política na disseminação de uma publicidade perversa contra o governo federal e pelo impedimento da ex-presidente Dilma Rousseff. A terceira ocorrência é deste ano de 2019, com parte da grande mídia se fazendo de desentendida sobre as denúncias que envolvem ações obscuras da Lava Jato, escândalo batizado de Vaza Jato. Nos três casos, a mídia facilitou as distorções jurídicas que acumulam consequências danosas para o futuro da nossa sociedade, cujos efeitos já começam a se manifestar.
No caso do Uber, consolida-se a ideia do trabalho sem direitos e o cultivo de empresas que confessam aversão por laços empregatícios formais. No golpe parlamentar contra a ex-presidente Dilma, ainda estamos acompanhando a implosão institucional do Estado, sua degeneração moral e o vácuo da racionalidade que permitiu a ascensão de uma extrema-direita tosca e sombria. Nos desvios cometidos pela Lava Jato, divulgados pelo corajoso jornalista Glenn Greenwald, setores da imprensa insistem em autenticar conchavos sombrios entre procuradores e juízes na condenação de réus por motivação política, numa absurda subversão do processo legal.
O que há em comum entre três episódios que parecem absolutamente desconectados? A predominância da vontade implacável do grande capital de expandir seus tentáculos, eliminando direitos sociais e constitucionais que subtraem o lucro e restringem o controle de poderosas corporações sobre as escolhas dos caminhos da economia. Além disso, existe o desejo indecente de nichos da Justiça em ampliar o próprio poder através da sórdida prática do lawfare.
O papel medonho dos jornalistas está na subserviência às pautas ditadas pelos barões que controlam os maiores veículos de comunicação do país. É uma postura humilhante, mesmo que se justifique pela necessidade do emprego e da sobrevivência. O comportamento servil daqueles que deveriam zelar e lutar pela independência do pensamento e da imparcialidade na interpretação dos fatos reflete um jornalismo que se rende como cúmplice voluntário às campanhas de ódio que soterram a missão de informar todos os aspectos de questões que irão impactar o cotidiano dos cidadãos. O atual jornalismo brasileiro está muito mais próximo à fraude e à omissão, afastando-se conscientemente da autenticidade que deveria guiar os profissionais da área. Não seria exagero afirmar que a verdade é vista frequentemente pela nossa imprensa como um elemento incômodo a ser contornado.
Em 2015, testemunhamos todos os colunistas do jornal O Globo se deixarem pautar pelo objetivo vil de promover uma empresa estrangeira, de capital privado, que invadia o Brasil revestida pela falácia da tecnologia, mas cuja única intenção é encampar e monopolizar os ganhos da produção dos taxistas, que atuavam como força de trabalho autônoma. Rotulando como “máfia dos táxis”, transformaram o taxista no maior vilão de todos os tempos, tudo isso para entregar um segmento de serviço, que sustentava milhares de trabalhadores com dignidade, à ganância de acionistas internacionais.
Em 2016, vimos Dilma também transformada em vilã pelos maiores jornais do país, sendo massacrada e ofendida como mulher, deposta por justificativas controversas, com seu governo sendo apreendido pelos tentáculos mais insensíveis do mercado financeiro. Usam as mesmas táticas de manipulação da opinião pública e subversão das leis quando almejam potencializar o lucro corporativo.
Que me perdoem os diletantes digitais, mas a evolução não é um conceito que tenha lógica quando se liga à degradação social. Porém, é necessário reconhecer que a tecnologia nos trouxe uma maliciosa armadilha, explora severamente uma nova geração de mão de obra sob a ilusão de que democratiza oportunidades.
Um jornalismo indômito, comprometido com toda a sociedade, nos conduziria a questionar o admirável e desumano mundo novo que está emergindo envernizado por uma modernidade obscurantista. Infelizmente, em nossa terra, os jornalistas concordaram em se reduzir a desprezíveis incubadoras de ogros e vigaristas. A maior lição que o nosso jornalismo nos deixa é que precisamos aprender a pensar além dele e apesar dele.
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Alexandre Coslei é jornalista.