O assassinato de Dom Phillips colocou o jornalismo brasileiro diante da obrigação profissional de continuar e aprofundar a investigação que o colaborador do jornal britânico The Guardian vinha fazendo sobre a ampliação do controle do crime organizado na Amazônia.
A captura e punição dos criminosos é uma obrigação do Estado brasileiro, mas o detalhamento do processo criminoso que motivou a execução de Dom e do indigenista brasileiro Bruno Pereira deveria ser uma missão assumida por todos aqueles profissionais que consideram o jornalismo uma função social insubstituível.
O duplo assassinato no interior da floresta amazônica assinala um momento em que o exercício do jornalismo ultrapassa os limites de uma cobertura normal. Marca um contexto em que a investigação jornalística se torna indispensável à produção de informações capazes de habilitar a sociedade brasileira a reassumir o controle sobre a Amazônia, hoje parcialmente nas mãos do crime organizado.
Dom e Bruno seguiam um filão informativo que os colocou em confronto direto com grupos do crime organizado na Amazônia. O recurso à execução sumária mostra que os dois estavam desencavando informações e nomes muito importantes, capazes de comprometer uma estrutura envolvendo narcotráfico, milícias, políticos e grupos empresariais.
O trabalho dos dois precisa, portanto, ser continuado tanto como uma homenagem ao sacrifício e à memória de ambos, mas também, e principalmente, como uma demonstração de que o jornalismo está ciente das responsabilidades que a profissão tem no momento que a informação passou a ser a principal arma do cidadão comum na defesa do patrimônio coletivo.
A identificação do processo criminoso responsável pelo assassinato de dezenas de ativistas ambientais, lideranças indígenas e agora também de um jornalista configura uma tarefa que não pode ser executada apenas por um profissional ou por um órgão de imprensa. Vai muito além porque precisa identificar toda a capilaridade da organização criminosa.
Investigação jornalística colaborativa
Por isto, o aprofundamento das investigações de Dom e Bruno, inevitavelmente, terá que ser um esforço coletivo, no estilo crowdsourcing (jargão inglês para investigação coletiva e colaborativa). Um esforço cuja amplitude cria a necessidade de iniciativas diversificadas de coleta e interpretação de dados que, obviamente, terão que ser coordenadas por uma instituição, como a ABI (Associação Brasileira de Imprensa), dotada de prestígio e representatividade nacional suficientes para promover a colaboração entre profissionais de todo o país e até do exterior.
É essencial conhecer o que Dom e Bruno já tinham recolhido em suas investigações e quais os próximos passos que pretendiam dar. Inevitavelmente, isto concentra as investigações iniciais na área geográfica em que o crime ocorreu. A partir daí surgirão os fios condutores de investigações em âmbito estadual, regional, nacional e até internacional.
O governo e a polícia brasileira se preocuparão em esclarecer o assassinato do jornalista inglês e do indigenista brasileiro, mas não irão ao fundo do problema por questões administrativas e pelo medo de conotações político-eleitorais. Se depender das autoridades constituídas, o processo de instalação do crime organizado na Amazônia não será tocado, e é neste ponto que está o principal diferencial entre a ação jornalística e a atividade jurídico-policial.
A milicianização da Amazônia é um verdadeiro câncer político que, se não for desvendado a curto prazo, vai provocar uma metástase nacional, já perceptível em partes isoladas do país, como no Rio de Janeiro. O jornalismo brasileiro pode transformar Dom Phillips e Bruno Pereira em ícones desta imensa tarefa que acaba de ser colocada diante da nossa profissão.
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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.