No dia 19 de julho de 1958, Pelé chorou ao marcar seu primeiro gol em Copa do Mundo. No dia 22 de julho de 2018, Neymar chorou no final partida em que o Brasil ganhou de dois a zero da Costa Rica na Copa do Mundo, que acontece na Rússia. A diferença entre esses dois episódios é muito mais do que 60 anos e alguns dias. Nesse tempo, ao redor do mundo e no Brasil, em especial, o futebol se tornou um importante e milionário segmento da indústria de entretenimento. E a mídia esportiva foi deslocada do seu papel de critica para se tornar parte do show. Uma situação em que o legado deixado pelos grandes comentaristas de futebol foi varrido do no nosso meio e substituído por um enfoque que tornou os conteúdos dos noticiários um amontoado de informações de qualidade duvidosa. O que resulta no afastamento dos nossos leitores e na fuga de anunciantes.
O que escrevi não é uma opinião. É um fato. E tenho dito nas minhas palestras para estudantes de jornalismo e nas redações dos jornais do interior do Brasil que não vejo nessa situação uma tragédia para o futuro dos repórteres esportivos. Mas uma grande oportunidade para as novas gerações de repórteres esportivos de reinventar a maneira de fazer a cobertura do futebol. E, com isso, assegurar o futuro da nossa profissão. Sou defensor de que todos os assuntos que fazem parte do cotidiano dos nossos leitores têm que ser tratados por nós com seriedade. No caso do futebol, nós não fazemos parte de torcida organizada. Nós estamos ali para informar o que rolou. Uma hora depois que Neymar chorou, eu recebi uma ligação de um jovem colega de São Paulo.
O colega de São Paulo perguntou a minha opinião sobre a diferença entre o choro do Pelé e o do Neymar. Disse que o motivo do choro do Pelé e do Neymar é um assunto a ser tratado com um psiquiatra, profissional que tem condições de lançar luzes ao que acontece na cabeça de um jogador nesse hora. Uma avaliação que pode interessar ao nosso leitor. O que é necessário para nós é explicar ao leitor como era a indústria do entretenimento nos tempos de Pelé e como é hoje. Nos anos 50, os interesses dos jogadores eram tratados de maneira amadora, não por nada que muitos deles morreram pobres, como um gênio do futebol chamado Garricha. Hoje os jogadores de futebol são representados por empresas especializadas. A imagem deles é cuidada por marqueteiros. Ou seja: as lágrimas de Pelé entraram para a história como a emoção de um jovem e não foram valorizadas no mercado porque a indústria do entretenimento estava engatinhando. As de Neymar têm um valor de mercado porque o futebol é hoje um grande e milionário negócio nos dias atuais. Cada gota de lágrima pode render contratos publicitários milionários. Ou custar a carreira dele. Tudo vai depender de como ele irá se comportar até o final da Copa.
Outra diferença que comentei com o jovem repórter. Nos anos 50, a convivência entre os repórteres esportivos, os representantes dos jogadores e os anunciantes era muito restrita. Lembro que, nos anos 80, conversei longamente sobre o assunto com colegas do Rio de Janeiro durante a entrega de um Prêmio Esso. Hoje essa convivência é muito próxima. E essa proximidade compromete a independência do repórter, que é fundamental para a qualidade do trabalho dele. Depois de terminar a conversa com o jovem colega, abri uma garrafa de vinho e comecei a pensar sobre as informações que havíamos trocado. Lembrei que, quando comecei a trabalhar em redação, em 1979, foram muito importantes para a minha carreira as conversas que tinha com os “putas velhas” – como se chamavam os repórteres velhos. As conversas aconteciam basicamente nas mesas dos botecos, nos intervalos das coberturas dos conflitos, que era a minha área de ação. Hoje as novas tecnologias facilitam essas conversas. O importante é que nós, repórteres, continuamos conversando. Tenho fé que os jovens repórteres vão virar o jogo na imprensa esportiva e voltar a olhar para o leitor.
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Carlos Wagner é repórter.