Repórter na estrada é um negócio caro para o jornal. Aprendi isso ao longo de mais de 40 anos na profissão de repórter, a maior parte deles trabalhando em redação. O que nos manteve na estrada por muitos anos foi a concorrência entre os jornais. Hoje parece que houve um grande acordo entre as grandes e médias empresas de comunicação para economizar dinheiro mantendo seus repórteres dentro das redações. De fato, a falta de dinheiro é real, resultado da migração de anunciantes e assinantes para outras plataformas de comunicação que surgiram com o advento das novas tecnologias.
Mas a situação mudou. Porque o mundo como conhecemos por muitos anos foi alterado pela pandemia da Covid-19, que já causou mais de 6 milhões de mortes no mundo, sendo mais 600 mil no Brasil, e agora a invasão da Ucrânia por tropas russas, um conflito que está sendo transmitido online para o mundo todo. Por conta disso, vivemos em um daqueles momentos da história em que as pessoas mais necessitam de informações de boa qualidade para tocarem as suas vidas. E isso significa uma grande oportunidade para os jornais voltarem a ser competitivos na disputa por assinantes e anunciantes.
Os repórteres são os olhos e os ouvidos da redação. Sem repórteres na rua, a redação, usando uma linguagem dos pilotos de aeronaves, está voando às cegas. Por quê? O Brasil é um país continental, onde vivem pessoas de várias culturas, e com uma economia muito diversificada. A maneira como os habitantes do Sul interpreta as coisas é diferente de quem vive no Nordeste. Sem saber o que os brasileiros de todas as regiões pensam fica difícil fechar um texto analisando uma situação nacional. Se analisarmos o material publicado pelos colunistas políticos e econômicos de alguns anos atrás e o compararmos com as publicações atuais poderemos perceber que antes os textos continham mais informações do que opiniões.
Sempre viajei muito a trabalho, participando da cobertura de conflitos agrários, crime organizado nas fronteiras e migrações. Lembro-me que várias vezes, quando estava envolvido na cobertura de algum conflito, eu e os repórteres de outros jornais recebíamos ligações dos colegas colunistas de política e economia, que buscavam informações sobre o que estava acontecendo. Era muito legal, porque os colunistas tinham acesso a fontes junto a governantes e grandes empresários. E nós, que estávamos no local do conflito, tínhamos acesso às lideranças dos lados envolvidos na disputa. Logo, a troca de figurinhas era benéfica para os repórteres e para os colunistas. Em várias oportunidades troquei figurinhas com colunistas de outros jornais que trabalhavam em Brasília (DF). Antes de seguir, uma explicação para quem não é jornalista. “Trocar figurinhas” no jargão das antigas redações significava compartilhar informações.
Nos dias atuais, quando acontece um grande rolo, toca o horror na redação porque não há repórter nem dinheiro para montar uma força-tarefa e mandar gente para a estrada. Claro, diferentemente de alguns anos atrás, hoje se tem tecnologia à disposição que permite ter uma ideia da repercussão, principalmente nas redes sociais. Mas isso não resolve o problema, porque o que existe ali são opiniões de pessoas que conhecem apenas uma parte da história. Alguém ouviu, viu ou leu sobre algo que aconteceu e emitiu a sua opinião sobre o assunto. Nessas ocasiões, vale ouro ter por perto um repórter que tenha uma boa agenda de telefones de fontes espalhadas por vários cantos do país. Para “fazer” essas fontes demoramos uma vida inteira viajando por aí.
Voltando ao nosso problema da falta de repórteres nas estradas. Os grandes noticiários não sabem o que está rolando pelo interior do Brasil. Isso salta aos olhos lendo, ouvindo ou vendo as matérias. Por exemplo, não se publicou ainda uma boa reportagem sobre como a polarização entre o presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP) está sendo tratada nas pequenas e médias cidades do interior do Brasil. Por que interessa saber? Simples. Torna a matéria bem mais interessante para os leitores.
Hoje Bolsonaro e Lula estão pautando a imprensa. O presidente da República está usando o seu cargo para criar confusão e com isso desviar a atenção dos grandes problemas nacionais, que são imensos, vou citar só dois: o preço dos combustíveis (óleo diesel, gasolina e gás de cozinha) e a esculhambação da máquina administrativa federal, como o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que tem mais de 1 milhão de pessoas na fila de espera da perícia médica. É do jogo o presidente erguer uma cortina de fumaça para escapar de dar explicações constrangedoras.
Como dizem os meus colegas colunistas econômicos. A necessidade dos leitores por informações precisas para poderem sobreviver em meio às confusões do mundo atual cria uma oportunidade para as empresas de comunicação voltarem a investir em jornalismo. Como se diz aqui no Rio Grande do Sul: um cavalo encilhado está passando na porta. Se a oportunidade não for aproveitada vão piorar os atuais problemas que os CEOs dessas empresas enfrentam para garimpar lucros para os sócios. Nos dias atuais, eles obtêm os lucros demitindo jornalistas e misturando entretenimento com jornalismo, uma mistura tóxica.
Tenho dito nas minhas palestras que as grandes empresas de comunicação sempre existirão porque estão aí desde o tempo dos dinossauros e são referência para os leitores. Uma coisa é um grande jornal dar uma manchete, outra é um blog, por mais respeitado e conhecido que seja. Nós repórteres temos muito preconceito para tratarmos de assuntos referentes à sustentação econômica das empresas de comunicação. Por conta disso, a maioria dos CEOs que operam na área não são do ramo. É hora de falarmos sobre o assunto. Um jornal sem repórter na estrada é como uma padaria sem farinha para fazer o pão.
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Carlos Wagner é jornalista e trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais.