Vivemos a sociedade da transparência, como afirma o filósofo alemão – nascido na Coreia do Sul – Byung Chul Han. Para ele, essa condição reflete uma fragilidade de valores como sinceridade e honestidade. A sociedade da transparência é também da desconfiança. Há aspectos positivos e negativos nessa realidade. O jogo político pressupõe historicamente que nem tudo venha à luz e a transparência ao explicitar os bastidores faz aumentar essa sensação de suspeita, evidenciando o controle. Por outro lado, a dinâmica pode impor novos padrões éticos e morais, principalmente no setor público, mas também na imprensa.
O jornalismo não está fora desse contexto, embora historicamente seja o agente responsável por tornar transparente o que é obscuro. Mas ele também é observado e monitorado, evidenciando as condições de produção do discurso: quem diz o quê, com quais intenções. O pedido de demissão do jornalista Dony De Nuccio da TV Globo ilustra essa dinâmica, motivada pela divulgação de informações de que era sócio de uma empresa que prestava assessoria de imprensa e produzia conteúdo para bancos e planos privados de saúde.
Quando vêm à tona ligações de jornalistas com os gigantes do sistema financeiro em valores que ultrapassam as dimensões dos antigos bicos aumenta a desconfiança da isenção de informações sobre bolsas, reformas da previdência e outros temas que têm dominado a pauta econômica.
Na sociedade da transparência, bastidores como a troca de e-mails do jornalista com seu chefe, Ali Kamel, foram publicadas na coluna de Daniel Castro. De Nuccio diz que foi vítima de criminosa invasão de computadores, arquivos e mensagens e esclarece que sua função na própria empresa não era negociar valores, mas sim trabalhar na concepção de projetos de conteúdo. E reconhece que “o escopo de serviços prestados ultrapassa os limites do que a Globo espera de seus jornalistas”. O site invoca o sigilo da fonte e a ética jornalística como justificativa para divulgar os e-mails e notas fiscais de serviço.
Avançando na reflexão, a coluna da ombusdman da Folha de S.Paulo, Flávia Lima, trouxe uma perspectiva histórica para as relações entre os jornalistas e as fontes. “Não é de hoje que jornalistas têm mais de uma ocupação, algumas vezes conflitantes entre si. A diferença é que antes ninguém enxergava isso como um problema.” Há algumas décadas, era comum que repórteres de Brasília, por exemplo, acumulassem empregos em redações ao mesmo tempo em que assessoravam políticos. Baixos salários, atitude complacente das chefias, um pacto corporativista entre os pares conferiam normalidade à prática. Mas na sociedade da transparência, com suas redes sociais e outros mecanismos de controle, tudo vem à tona.
A mudança mais profunda parece ser mesmo a crise da noção de imparcialidade ou neutralidade. Cada um fala de uma determinada formação discursiva, utilizando um termo caro ao filósofo Michel Foucault, que dá os limites e possibilidades de sua expressão. Na expressão do trabalho jornalístico, ficam cada vez mais claras as filiações ideológicas e comerciais dos profissionais, o que impõe novas questões éticas.
O diretor de Jornalismo da TV Globo publicou um artigo na Folha de S.Paulo no dia 3 de agosto em resposta à coluna de Nelson de Sá e diz ser espantoso o fato do articulista concluir que a Globo não sabe lidar com choques na era digital “apenas porque a emissora admitiu, sensatamente, que esse novo mundo obriga todos a revisitar continuamente os temas”. Os temas e as práticas que hoje estreitam os limites entre o público e o privado. Numa ordem do discurso da transparência, os jornalistas passam também a ser objeto de investigação e desconfiança. Esse é um dado novo na complexidade das comunicações contemporâneas.