Piza (2008) data 1711 como o marco dos princípios do jornalismo cultural, mesmo ano em que foi lançada a revista The Spectator por Richard Streele e Joseph Addison, em Londres. A finalidade do lançamento foi “tirar a filosofia dos gabinetes e bibliotecas, escolas e faculdades, e levar para clubes e assembleias, casas de chá e café” (PIZA, 2008, p. 11). O jornalismo cultural se inicia depois do Renascimento. Com a imprensa inventada e as máquinas transformando a economia, o jornalismo europeu se tornou tão influente na modernidade quanto as descobertas e revoluções. Samuel Johnson, ou Dr. Johnson, que escreveu The Rambler, foi o primeiro grande crítico cultural. Suas resenhas, ensaios, estudos e reflexões sobre temas recorrentes do século 18 fizeram dele o homem mais lido e temido da época.
Após a industrialização na Europa no século 19, o ensaísmo – gênero literárioconcisoque expõe ideias, reflexões e críticas sobre determinado assunto – e a crítica cultural se tornaram ainda mais influentes. Nessa mesma época, o jornalismo cultural se tornou influente nos EUA e no Brasil. Nos EUA, Edgar Allan Poe foi reconhecido como crítico e ensaísta que modernizou o ambiente intelectual americano. Henry James também se destacara como ensaísta e articulista nos jornais e revistas de Nova York, escrevendo resenhas literárias e narrativas de viagem.
No Brasil, o jornalismo cultural ganhou força no final do século 19, tendo como destaque um dos maiores escritores nacionais, Machado de Assis, crítico de teatro e polemista literário. No final do século 19, o jornalismo começou a sofrer mudanças. Novas formas de se fazer jornalismo cultural, além da crítica de arte, foram desenvolvidas, como a reportagem e a entrevista. Além disso, as revistas tiveram papel fundamental para a permanência e desenvolvimento do jornalismo cultural, contendo ensaios, críticas, resenhas, reportagens, perfis e entrevistas, entre outros.
Características, conceitos e funções
Há quem diga que numa visão mercadológica a cultura é relacionada às agendas de artes e espetáculos. No âmbito antropológico, ela é o que difere do padrão social. Essas duas visões refletem a limitação e estreitamento da concepção de cultura numa abordagem midiática contemporânea, a qual apenas considera como cultural os espetáculos e manifestações culturais locais, não se apropriando da cultura erudita, da cultura popular, da cultura em sua totalidade.
Muito se fala que a internet inibe as vendas e limita o acesso. No que concerne à indústria cultural, afirma-se que sua influência ocasiona a perda dos valores culturais e da aura, como bem falou Walter Benjamin em seu ensaio A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Adorno e Horkheimer afirmavam que a maneira como a cultura é distribuída no cenário capitalista estaria apagando aos poucos a cultura erudita, cultura popular e cultura das massas por meio de uma manipulação cultural.
Contudo, o que a “cultura capitalista”, com o advento das tecnologias, nos proporcionou foi o compartilhamento e circulação das manifestações populares não se limitando ao local, mas ao que está além do (ciber)espaço do panorama contemporâneo cultural. Essa é uma das características do jornalismo cultural contemporâneo, algo que permite a convergência cultural e seu compartilhamento por entre os vários nichos sociais, não apenas informando, mas promovendo reflexões.
Uma espécie de “mercadoria”
O jornalismo cultural se diferencia do jornalismo “noticioso”, dado que há uma ocorrência menor de matérias factuais/quentes nos cadernos culturais, embora tenham espaço no jornalismo cultural no tocante à divulgação de informações sobre agenda de lançamentos e eventos, por exemplo. Ele exprime comportamentos e idiossincrasias dentro de contextos ideológicos e políticos, nas relações sociais.
No artigo de Arruda, Oliveira e Tavares (2011) [ARRUDA, Karina Maria da Silva; OLIVEIRA, Janyele Mayse Botelho de; TAVARES, Débora. Jornalismo Cultural: conceitos e reflexões contemporâneas. In: Anais do XIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Centro-Oeste. Cuiabá, 2011. Disponível aqui, acesso em: 05 nov. 2012] sobre um congresso das ciências da comunicação, as autoras fazem um estudo bibliográfico do jornalismo cultural e um dos autores utilizados, Jorge Rivera, conceitua jornalismo cultural como
“[…] uma zona muito complexa e heterogênea de meios, gêneros e produtos que abordam com propósitos criativos, críticos, reprodutivos ou divulgatórios os terrenos das ‘belas artes’, as ‘belas letras’, as correntes do pensamento, as ciências sociais e humanas, a chamada cultura popular e muitos outros aspectos que têm a ver com a produção, circulação e consumo de bens simbólicos, sem importar sua origem ou destinação” (RIVERA, 2003, p. 19 apud BASSO, 2006, p. 2-3).
O bom jornalista cultural consegue informar, influenciando na percepção do leitor; interpretar o acontecimento, elucidando seu ponto de vista sobre o tema e sua relevância; além de opinar possíveis repercussões no meio cultural. Em outras palavras, é ter a capacidade de percorrer entre as dimensões interpretativas das palavras que gerem no leitor inquietações para compreender as diversas situações. Para Piza (2008), acrescentar comentários sobre um livro, por exemplo, enriquece o conteúdo. Sendo a arte considerada uma espécie de “mercadoria”, alguns jornalistas apenas divulgam informações, não se detendo a aspectos restritos que ampliem a visão cultural do público.
Recriar novas possibilidades
Voltando ao fator mercantilista supracitado, que envolve a divulgação das manifestações populares, podemos observar que ao contrário do que os pensadores afirmam, a indústria cultural foi um marco que impulsionou a produção e disseminação da cultura pelo mundo. Hoje ela rege o jornalismo cultural contemporâneo, facilitando as trocas socioculturais.
Contudo, diante desse contexto, verificamos que o jornalismo cultural contemporâneo mudou seu conceito inicial, suas características e funções, já que a sua abordagem é superficial e sua divulgação se restringe a shows, eventos culturais, atividades artísticas e entretenimento, principalmente. Críticas, ensaios, resenhas nos cadernos culturais e nas mídias são tópicos que na maioria das vezes não encontramos. É a divulgação de um lançamento de livro que não possui um perfil do escritor, são exibições de filmes que não veiculam uma resenha e uma análise crítica, entre outras situações em que a cultura é limitada. O jornalismo brasileiro esquece que há vários gêneros jornalísticos além do tradicional factual e colunas de opiniões.
É preciso que os jornalistas consigam fazer um jornalismo cultural de qualidade, que atinja todas as camadas da sociedade, sem que caiam na tentação do copia/cola da internet, resignando sua própria concepção de cultura. Usar as novas tecnologias e mídias como ferramentas de colaboração para a difusão da cultura não é reproduzir o que já foi feito, mas (re)criar novas possibilidades de trabalhar as manifestações culturais em suas várias nuances.
Referências
ARRUDA, Karina Maria da Silva; OLIVEIRA, Janyele Mayse Botelho de; TAVARES, Débora. Jornalismo Cultural: conceitos e reflexões contemporâneas. In: Anais do XIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Centro-Oeste. Cuiabá, 2011. Disponível aqui, acesso em: 05 nov. 2012.
PIZA, Daniel. Jornalismo cultural. 3ª ed. São Paulo: Contexto, 2008.
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[Mariana Ramos Pimentel é estudante do curso de Jornalismo na UEPB – Campina Grande, PB]