Ao refletir sobre os critérios de noticiabilidade, Mauro Wolf chamou a atenção para o fato de que estes definem, para a empresa jornalística, os acontecimentos considerados interessantes, relevantes e significativos, a ponto de serem transformados em notícia. Portanto, os “valores-notícia” atuam como critérios gerais para o exercício da atividade jornalística. Considerando estes critérios, muitas reflexões podem ser realizadas a respeito da ampla divulgação na mídia brasileira acerca do nascimento do mais novo integrante da realeza britânica, entre elas o questionamento dos critérios de noticiabilidade adotados pelos referidos meios.
A partir do século 20, as sociedades, de um modo geral, conheceram o advento e a consolidação dos modernos meios de comunicação, como o rádio e a televisão e, na atualidade, com o advento das novas tecnologias de informação e comunicação, o ser humano dispõe de uma quantidade incomensurável de informações, com uma rapidez antes nunca vista. No entanto, esses avanços não significam que as empresas de comunicação, em geral, e em particular as jornalísticas, venham se empenhando no sentido de prover a sociedade de informações relevantes, capazes de promover transformações significativas em suas vidas.
Embora o jornalismo tenha chega tardiamente ao Brasil – e com o agravante de ter vindo para servir como porta-voz oficial –, também pode ser analisado de forma positiva, já que, gradativamente, serviu como importante instrumento difusor de ideias e ideais progressistas, a exemplo do republicanismo e do abolicionismo, ambos ainda no século 19.
O que sabemos sobre a América Latina?
Ao longo da sua história, e principalmente a partir do momento em que seguiu a tendência mundial – o jornalismo artesanal foi convertido em jornalismo empresarial –, a atividade jornalística passou por uma espécie de metamorfose, perdendo certas características que lhe eram peculiares. As questões comerciais acabaram por suplantar as questões relativas ao próprio sentido do jornalismo. Nos últimos tempos, essa tendência se consolida cada vez mais e a atividade jornalística mais se presta a favorecer a espetacularização do que propriamente servir como uma valiosa fonte de informação a serviço da cidadania. É como ressalta José Arbex Júnior (2005, p. 97): “[…] especialistas dos mais variados campos de conhecimento não raramente optam por restringir a autonomia e soberania de sua própria produção, em nome de ser aceitos pelos meios de comunicação, que deles esperam o discurso mais ‘adequado’ às expectativas do mercado.”
E é isso que há tempo estamos presenciando no jornalismo brasileiro. Em nome do mercado, profissionais competentes têm se curvado aos interesses dos grandes conglomerados a ponto de se prestarem a fazer um “jornalismo” que pouco ou nada contribui para a sociedade.
Se nos apropriamos do conceito de Lorenzo Gomis (1991, p. 192), podemos afirmar que o jornalismo “interpreta a realidade social para que as pessoas possam entendê-la, adaptar-se a ela e modificá-la. O jornalismo pode ser considerado um método de interpretação da realidade social […]”. Neste contexto, sobre a ampla cobertura feita pela mídia brasileira acerca do nascimento do filho de William Arthur Philip Louis, o duque de Cambridge, podemos nos perguntar: Qual a relevância, para a sociedade brasileira? Que interpretação da realidade foi realizada pelas coberturas sobre o nascimento do mais novo príncipe britânico? De que modo a sociedade brasileira pode se apropriar desta notícia para modificar sua realidade? Por que saber sobre o nascimento de um príncipe europeu é mais importante do que, por exemplo, saber sobre um seminário sobre a violência contra a mulher, realizado na Nicarágua? Por falar em Nicarágua, o que sabemos daquele país? Ou, o que sabemos sobre a América Latina? Por que os jornais, as revistas e os telejornais brasileiros não nos informam sobre a região latino-americana, a nossa região?
Decodificar os acontecimentos do mundo
Conforme Pena (2005), o jornalismo é um dos principais agentes da comunicação. Ele adverte, no entanto, que “parece perdido diante das mudanças paradigmáticas das diversas disciplinas da atualidade […]” (p. 160). Sim, o jornalismo parece perdido, mas isso acontece, sobretudo, porque se tornou mais uma ferramenta do sistema capitalista, para o qual o que importa é o lucro. A informação é mais um produto que deve privilegiar as regras do sistema capitalista.
Ademais, não devemos nos esquecer de que vivemos na chamada sociedade do espetáculo, conforme nos advertiu Debord (2003), para quem “o mundo real se converte em simples imagens” (p. 18). Nesta sociedade, os meios de comunicação têm um espaço privilegiado, sobretudo a televisão, que usa e abusa das imagens, promovendo, quando não o próprio espetáculo, a sua veiculação, contribuindo de modo substancial para que os indivíduos estejam cada vez mais ligados a superficialidades do que a questões que realmente implicam em suas existências.
Neste sentido, saber que nasceu mais um herdeiro da família real britânica se torna muito mais importante do que refletir sobre o significado da monarquia, inclusive o significado da própria monarquia britânica, que, a propósito, não perdeu o seu traço imperialista e colonialista. Como exemplo da manutenção dessas características, temos a apropriação das Ilhas Malvinas, na Argentina (país latino-americano vizinho, que faz parte do nosso bloco Mercosul) que constantemente tem sido ameaçada em sua soberania, graças à força, inclusive bélica.
O conceito de valor-notícia, como elemento configurador da noticiabilidade, neste caso merece o nosso questionamento, o nosso repúdio, posto que desconsidera o verdadeiro papel a ser exercido pela atividade jornalística, se consideramos o jornalismo conforme defende Gomis (1991). Portanto, a atividade jornalística de se encarregar da interpretação que permite decodificar, através da linguagem, os acontecimentos do mundo, mas também deve se responsabilizar pela significação e alcance que esses acontecimentos captados e escolhidos para sua difusão possam ter.
Referências
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. [Ebook], 2003.
GOMIS, Lorenzo. Teoría del Periodismo. Como se forma el presente. Barcelona: Paidós, 1991.
ARBEX JR., José. Showrnalismo. São Paulo: Casa Amarela, 2002
PENA, Felipe. Teoria do Jornalismo. São Paulo: Contexto, 2005.
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Verbena Córdula Almeida é doutora em História e Comunicação no Mundo Contemporâneo pela Universidad Complutense de Madrid – Espanha e professora adjunta do Departamento de Letras e Artes da UESC- Ilhéus, BA