Sempre tive dificuldades para aceitar conceitos herméticos e definições abstratas em geral. Ainda mais nas ciências humanas. Ao invés de auxiliarem, o uso de quadros conceituais tendem a limitar nossas prospecções sobre a realidade no presente e impedir as experimentações ou inovações do futuro.
Muitos conceitos confundem ciência com ideologia e até com “religião”. Seus postulados – ou “pontificados” – tornam-se questões sagradas que remetem mais à fé do que a razão.
Por exemplo: jornalismo é isso, jornalismo é aquilo. Eu sei e você não sabe. Alguns conceitos tendem a ser conservadores e apocalípticos. Tudo deve continuar sempre do mesmo jeito. Ou, depois de mim, somente o caos. Nessas visões pessimistas, o passado determina o presente e o futuro é sempre pior.
Assim como as ideologias únicas e perfeitas insistem em sobreviver em mundo cada vez mais diverso e complexo, o jornalismo tradicional – ou “jornalismo-inércia” – condena sempre as mudanças e as inovações. Ele exige seu lugar de hegemonia, controle e monopólio das notícias.
O jornalismo-inércia é aquele jornalismo ou prática profissional que ainda acredita na utopia da verdade única, objetividade, imparcialidade e isenção do jornalista sempre a serviço do patrão. Mesmo que seja qualquer jornalista e qualquer patrão.
O jornalismo-inércia não acredita no jornalismo-ação.
Ninja na universidade
Na semana passada, o jornalista Bruno Torturra, um dos fundadores da Mídia Ninja – Narrativas Independentes Jornalismo e Ação, participou da 12ª Semana de Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina. Trata-se de um evento tradicional e importante no calendário acadêmico do curso de Jornalismo da UFSC, avaliado como o melhor do Brasil segundo o critério de ensino do Ranking Universitário da Folha de São Paulo em 2013 (ver aqui).
Os alunos do curso de jornalismo da UFSC confirmaram o primeiro lugar no ranking nacional ao demonstrarem grande eficiência, agilidade e faro jornalístico quando convidaram o polêmico repórter ninja Bruno Torturra em momento tão crítico e difícil do jornalismo e do nosso país. Isso é um bom exemplo de “jornalismo-ação” dentro do espaço de inércia que predomina em grande parte das universidades brasileiras.
Apesar do pouco tempo para divulgação e do horário vespertino, a apresentação de Torturra foi um sucesso. O auditório do Centro de Convivência estava lotado e palestra contou com grande participação de alunos.
A passagem meteórica do repórter ninja pela capital catarinense também teve grande repercussão na mídia local. Torturra concedeu entrevistas para a mídia tradicional e foi destaque na mídia alternativa. O TJ UFSC, telejornal diário da universidade transmitido ao vivo pela internet, divulgou uma entrevista exclusiva com Torturra (ver aqui).
Importante destacar que o TJ UFSC é um projeto de extensão e de “pesquisa-ação” produzido no Laboratório de Telejornalismo da UFSC dentro de um conceito original de “guerrilha tecnológica” no ensino de jornalismo universitário, ou seja, fazemos com o que temos. Ou melhor, agimos.
Selecionei alguns dos melhores momentos da apresentação de Bruno Torturra na UFSC.
Sobre jornalismo
>> Afinal, o que é jornalismo? Como definir jornalismo em 2013? As definições atuais talvez não sejam mais adequadas. Para mim, jornalismo é mostrar a realidade.
>> Certamente não há “isenção” no jornalismo, mas pode haver “honestidade”.
>> Temos que perceber que há uma confusão entre o jornalismo e o mercado jornalístico.
>> O que está morrendo é o modelo único de jornalismo comercial que está dentro de uma lógica capitalista clássica de crescimento e lucro.
Redes sociais
>> Rede social é mais do que falar de si mesmo. É participar da discussão pública e checar o seu próprio talento. Nas redes sociais ou no jornalismo, o aluno deveria investir no estilo.
>> Com a conectividade, podemos estar diante de uma idade de ouro do jornalismo. Os jovens podem não ler livros, mas nunca leram tantos textos. Escrevem mais do que nunca.
>> Há um vácuo mais do que editorial, há um vácuo criativo.
Mídia Ninja
>> Mídia Ninja é uma evolução das propostas da PósTV para um pós-espectador.
>> A nossa “inovação” é consequência de uma crise. Nosso conceito de jornalismo está em construção. Mas sabemos que é preciso recuperar a nossa função social e lutar por um mundo mais justo, mais democrático.
Mídia tradicional
>> Eles não viram as possibilidades de fazer jornalismo. Como podem ir às manifestações de paletó e gravata?
>> A imprensa livre é uma coluna fundamental da sociedade, mas estamos diante do fim dos grandes filtros. O conceito de democracia, assim com o conceito de jornalismo, pode não existir. É somente um norte.
>> Em um mercado não muito competitivo, é preciso mais generosidade. O objetivo é uma responsabilização maior do jornalismo. Ele não deveria ter exclusividade de apontar o erro, mas deveria checar sempre a credibilidade individual e não somente a do veículo.
>> Jornalismo tem que ser sustentável. Notícia não é commodity.
>> Tem que haver mais envolvimento no jornalismo e o leitor deveria ajudar a cobertura. Ele deve pautar o jornalista. Caso contrário, o leitor dificilmente vai se identificar com o jornalismo.
Críticas à mídia ninja
>> Temos crises existenciais. Enfrentamos bombardeios generalizados. Mas as críticas são bem-vindas. Lido bem com elas. Aprendi errando e com os comentários sobre o meu trabalho. Pedi muitas desculpas na vida para aprender.
>> Há também uma crítica estrutural e o caminho é a descentralização. Temos que gerar autonomia e não controle. É um aprendizado existencial.
>> Ainda somos muito adolescentes. Todo esse processo um dia vai ser mais terapêutico, mas ainda é essencialmente patológico.
>> As críticas mais ferozes estão mais nas cabeças das pessoas. Elas projetam na gente seus próprios demônios.
Sobre o futuro
>> Estamos buscando ideias criativas para sustentar o projeto. O leitor ou pós-espectador deveria fazer uma contribuição de 1 centavo para cada curtida da matéria visualizada na forma de pagamento médio no final do mês. Deveria haver um crowdsourcing para o jornalismo investigativo, por exemplo.
>> Outra ideia criativa seria fazer festas para financiar a mídia alternativa. Ou seja, unir festas e mídias.
>> É só pensar o acesso à internet no Brasil. São 70 milhões no Facebook. Só perde para a TV. Mas de qualquer maneira fazemos o possível para chegar à TV.
>> Gostaríamos de capacitar jovens em todo o país. Queremos empoderar comunicadores. Mas tudo ainda está no terreno das ideias.
>> A Mídia Ninja pode se tornar um portal de notícias diárias.
>> Mídia é política, sim. É só ver a lei dos meios, o marco civil da internet, o marco regulatório civil e o modelo das teles foi planejado pra ser assim.
>> Se a infraestrutura mudar, a Mídia Ninja não seria possível. Nós teríamos que gastar muita grana para utilizar tanta banda na rede.
>> O futuro do broadcasting passa pela internet.
>> Não vamos superar ou destruir a grande mídia. Não somos heróis. Eu gostaria de inspirar as pessoas.
>> A gente não se coloca como revolução. É evolução.
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Antonio Brasil é jornalista, professor da Universidade Federal de Santa Catarina, pesquisador do Grupo Interinstitucional de Pesquisas em Telejornalismo (GIPTELE) e autor do livro Telejornalismo Imaginário (Editora Insular)