Por muito tempo, nas unidades escolares brasileiras o ensino de Ciências concedeu primazia a uma Perspectiva de Reprodução Mecânica de Definições e de Informações. Na ótica de Bizzo (2002), o ensino desse componente curricular primava pela prática da reescrita de palavras difíceis presentes em livros didáticos. Ora, os processos de ensino e de aprendizagem de Ciências focavam na reprodução das falas e dos dizeres dos autores desse campo, aderindo, desse modo, a uma perspectiva conceitual. Isso, por conseguinte, erradicava a reflexão socioambiental das práticas pedagógicas, conferindo aos conteúdos desse componente curricular a condição de simples atividades escolares. Destacamos, ainda, o fato de os materiais didáticos de Ciências recorrerem, preponderantemente, ao uso de textos das sequencia tipológica expositiva, deixando de lado a imagem. Não estamos dizendo, aqui, que a imagem não estava incorporada aos livros escolares. Entretanto, o tratamento dado a esta ainda não abarcava a construção de sentido e a elaboração de significação.
Nos dias atuais, podemos presenciar o brotar de novos paradigmas para o ensino de Ciências. Primeiramente, podemos mencionar o fato de o ensino desse componente curricular ter aderido a uma perspectiva social, abarcando, dessa maneira, a aplicação dos conteúdos curriculares na realidade circundante. Sobre tal postura, podemos citar o fato de o ensino de Ciências ter aderido à Temática Ambiental. Tal adesão tem como propósito fazer com que os alunos reflitam acerca das práticas adotadas pelo homem, em face da natureza. Isso, por conseguinte, contribui substancialmente para o brotar de novas práticas diante dos recursos da natureza, extinguindo, assim, atitudes predatórias. Diante disso, a Educação Socioambiental passa a fazer partes dos materiais didáticos – livros escolares –, levando para o campo educacional novas práticas pedagógicas, que abarcam a aplicabilidade dos conteúdos curriculares nas práticas corriqueiras do dia a dia. A abordagem e o enfoque dado aos conteúdos curriculares transcendem, assim, a condição de simples atividades escolares.
Mencionamos, ainda, o fato de o ensino de Ciências ter aderido à perspectiva da Diversidade Textual, abrangendo, nesse sentido, uma vasta quantidade de gêneros textuais provenientes dos múltiplos registros da linguagem [verbal e não-verbal]. Nesse campo, destacam-se os gêneros textuais imagéticos, tais como: Anúncios, Cartuns, Charges, Gráficos, Histórias em Quadrinhos – HQs, Mapas, Propagandas, Tirinhas etc. Esses gêneros são construídos linguisticamente por marcas e traços multimodais. No dizer de Dionísio (2005; 2011), a Multimodalidadepode ser conceituada como a articulação/ integração de múltiplas formas e modos de representação utilizados na construção de uma dada mensagem, tais como: palavras, imagens, cores, formatos, traços tipográficos, disposição da grafia, negritos, sublinhados, gestos, padrões de entonação, sons, símbolos etc. (DIONÍSIO, 2005; 2011; SARGENTINI et al, 2012; SILVINO, 2012). Nos dias atuais, cada vez mais os textos verbo-imagéticos são inclusos aos materiais didáticos, levando, assim, para o cenário pedagógico, práticas de leitura que materializadas por intermédio da junção de arranjos verbais e visuais. A tirinha abaixo – publicada pelo site Qualidade em Quadrinhos – pode ilustrar um exemplo da utilização de gêneros textuais construídos com base na multimodalidade no ensino de Ciências.
Fonte: Site Qualidade em Quadrinhos
Recursos de construção de sentido
A tirinha acima faz uma crítica às práticas predatórias tecidas pela espécie humana, representada, aqui, pela derrubada ilegal de árvores. Para isso, o gênero textual em questão faz uso da integração de elementos verbais e visuais. A imagem traz à tona o mapa do Brasil, a fim de fazer uma comparação temporal, no que concerne ao tratamento do homem dado à natureza. No primeiro quadrinho, aparece a imagem do Mapa do Brasil, repleto de árvores e, conseguintemente, da cor verde. Além disso, aparece uma expressão facial de felicidade. Logo abaixo desta imagem, aparece a seguinte fala: “Antes da chegada dos colonizadores”. Isto reflete a vida antes da colonização portuguesa, onde não havia o desmatamento ambiental. No segundo quadrinho, aparece a imagem do Mapa do Brasil sem árvores e com uma expressão facial que se opõe veementemente à anterior. Logo abaixo desta imagem, aparece a seguinte fala “Num futuro não muito distante”. Com isso, a imagem traz à tona uma crítica à degradação ambiental, bem como convida o leitor a refletir acerca dos efeitos advindos das práticas humanas diante dos recursos da natureza. No entanto, para realizar essa faceta, a imagem não se limita ao uso da linguagem verbal [leia-se escrita]. Pelo contrário, ela faz uso da mobilização de traços multimodais e visuais. Ora, a imagem lança mão da articulação de cores e da ausência de cores, bem como da oposição de expressões faciais distintas e da posição corporal [braços e mãos], a fim de trazer à tona sua crítica ao desmatamento ambiental.
Nesse sentido, a inserção de textos imagéticos e, por conseguintemente, multimodais no ensino de Ciências representa o brotar de novos recursos de construção de sentido. Isso, em prol da reflexão socioambiental. Ora, a reflexão socioambiental pode ser construída, a partir de textos que englobam uma vasta quantidade de elementos e arranjos visuais. Esses textos convidam o leitor a refletir acerca do brotar de novos atos e atitudes diante dos recursos naturais, recorrendo, para isso, não somente às letras, às palavras e às frases, mas, sobretudo, a uma ampla quantidade de elementos visuais e multimodais, tais como: cores, expressões faciais, formas, formatos etc. (DIONÍSIO, 2005; 2011).
Referências
BIZZO, Nélio. Ciência: Fácil ou difícil?São Paulo: Ática, 2002.
DIONISIO, A. P.“Gêneros Textuais e Multimodalidade”. In:KARWOSKI, A. M.; GAYDECZKA, B.; BRITO, K. S. (Org.). Gêneros textuais: reflexões e ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2011.
_____. Multimodalidade discursiva na atividade oral e escrita (atividades). In: MARCUSCHI, L. A.; DIONISIO, A. P. (Org.). Fala e Escrita. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
SARGENTINI, V. M. O. ; SANTOS, J. R. ; SOUZA, P. C. R. .Materialidades discursivas no ensino de língua portuguesa: a pesquisa com novas linguagens. Revista Linha d´Agua, v. 25, p. 203-226, 2012.
SILVINO, F. F.. Letramento Visual. In: Anais dos Seminários Teóricos Interdisciplinares do SEMIOTEC – I STIS, 2012.
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Silvio Profirio da Silva é graduando em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco