Nunca se falou tanto em ética quanto na atualidade. Qual a razão de todo esse interesse? O historiador, professor universitário e imortal da Academia Brasileira de Letras, Alfredo Bosi, tem uma opinião sobre o assunto. Segundo ele, a resposta provável a essa questão é simples: fala-se muito daquilo que se carece.
“Quem goza de plena saúde não lembra que tem fígado ou vesícula. O mesmo acontece hoje com a preocupação pela ética dentro e fora da universidade. O objeto de nossas carências é raro e por isso nos é tão caro” (BOSI, 2006, p. 1).
Pode-se afirmar, então, que atualmente há uma carência de princípios éticos, que são extremamente necessários em todas as profissões. As condutas éticas por vezes são pouco notadas no cotidiano, sendo mais visíveis e mais explícitas as posturas antiéticas, decorrentes de atitudes que vão contra os princípios orientadores e os valores fundamentais. O aluno que “copia” um texto e o utiliza como sendo seu, o político que compra votos, o policial que aceita propina, o médico que prolonga o tratamento do seu paciente visando o lucro, ou o jornalista que “inventa” fontes para concluir sua matéria – são apenas alguns exemplos de atitudes ou posturas antiéticas inadmissíveis, no entanto são tão corriqueiros que, infelizmente, chegam a ser aceitas e toleradas por muitos.
E o que se dizer da ética na imprensa? A jornalista Isadora Schmitt é taxativa ao afirmar que o tema está caindo em desuso: “Ética. Eis o princípio que muitos esquecem depois da formatura”, afirma ela. E continua:
“O compromisso com a verdade e a apuração precisa dos fatos – dois assuntos tão falados em debates sobre comunicação – apesar de já estarem batidos, infelizmente são esquecidos todos os dias por alguns profissionais. A busca pelo furo e a rapidez da notícia hoje tão exigida pelos meios – apesar de terem sua importância para a informação – acabam muitas vezes prestando um desserviço ao público” (SCHMITT, 2004).
Apelação para o sensacionalismo
O jornalista Cláudio Abramo já afirmava acertadamente que o jornalismo é o exercício diário da inteligência, é a prática cotidiana do caráter. Ele pregava também que não existia uma ética para o jornalismo e outra para esta ou aquela profissão.
“Sou jornalista, mas gosto mesmo é de marcenaria. Gosto de fazer móveis, cadeiras, e minha ética como marceneiro é igual à minha ética como jornalista – não tenho duas. Não existe uma ética específica do jornalista: sua ética é a mesma do cidadão” (ABRAMO, 1997, p. 109).
Se o princípio pregado – e vivido – por Abramo fosse seguido pelos profissionais da comunicação, seguramente não se veria tantos casos de abusos praticados pela imprensa, como o da Escola Base, acontecido em março de 1994, quando vidas foram destroçadas pelas informações mal apuradas de uma imprensa irresponsável, tudo em nome de uma falsa moral em defesa da população.
Casos recentes de repercussão nacional podem ser citados, como o de Isabella Nardoni, o de Eloá e o caso do ex-goleiro Bruno. São exemplos de como a imprensa atua irresponsavelmente, com suas raras exceções, é lógico, transformando a cobertura num espetáculo midiático a ponto de julgar e até condenar previamente os envolvidos. Segundo afirma Schmitt (2004), a maneira como a mídia aborda a violência e a criminalidade fere os princípios éticos, pois muitas vezes as empresas televisivas, visando a alcançar altos índices de audiência, e os veículos impressos, almejando vender a qualquer custo, apelam para o sensacionalismo com o discurso de que estão contribuindo socialmente ao alertar a população sobre o tema em pauta.
Crimes da imprensa não são punidos
Diante disso, o que esperar de uma imprensa que privilegia o furo de reportagem, que valoriza os interesses capitalistas e exige a rapidez sem investigação, apuração ou checagem dos fatos? Certamente que, conforme afirma o jornalista Luis Martins (2006), “90% dos erros da imprensa desaparecem se houver uma checagem prévia” antes da publicação ou veiculação da reportagem. De acordo com ele, a falta de checagem é o principal abuso cometido pela imprensa atualmente.
Schmitt (2006) aponta outro fator agravante: o próprio Código de Ética do Jornalismo, aprovado em 1985 – e atualizado em 2007 – pela Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj), apesar de ser acessível a qualquer profissional, não é conhecido por muitos, “e quando o é, não é praticado em muitas ocasiões”. Em entrevista concedida ao Canal da Imprensa em 2006, o jornalista Luis Martins afirma que o Código de Ética do Jornalista “corre de maneira bastante frouxa. Nunca vi em nenhuma das redações que trabalhei o Código de Ética pendurado numa parede”, confessa. E complementa: “Eu nunca vi o chefe de reportagem chamar o repórter e dizer que a matéria fere determinado artigo do código”.
Além disso, Isadora Schmitt aponta outro fator agravante: os crimes da imprensa não são efetivamente punidos, levando à conclusão de que existem interesses que passam por cima de qualquer princípio da sociedade.
O jornalismo e o besouro
Para Martins (2006), as posturas antiéticas praticadas por profissionais da imprensa deveriam ser julgadas por uma “autorregulamentação”, como já acontece em várias categorias profissionais. “Atualmente, uma pessoa, mesmo que tenha a sua matrícula sindical caçada, continua exercendo a profissão, ao contrário do que acontece na medicina, por exemplo. Então, a corporação jornalística hoje não tem como excluir um profissional que seja criminoso, doloso, venal; que seja absolutamente irresponsável e que não merece constar nos quadros do jornalismo” (MARTINS, 2006).
Essa não é uma abordagem nova. Ao contrário, o debate em torno de uma autorregulação do jornalismo vem de longa data e encontra divergências dentro da própria categoria (ver aqui). Com o objetivo de adequar a legislação à realidade atual, o Ministério da Comunicação estuda a implantação do projeto regulatório, que ainda está em consulta pública, para estabelecer diretrizes e orientações, visando à boa prática do jornalismo. Evidentemente que a imposição de leis não irá acabar com os abusos cometidos pela imprensa, mas deve inibir, pelo menos é o que acreditam os profissionais favoráveis ao projeto. A autorregulação pode ser importante para se evitar os abusos cometidos pela impressa, abusos esses que na maioria das vezes destrói vidas e nem sempre há as devidas punições aos infratores, evitando-se assim repetir os velhos vícios tão impregnados na mídia.
Erros podem acontecer, mesmo existindo profissionais sérios e compromissados com a veracidade dos fatos. Evidentemente, com os erros, empresas jornalísticas respeitadas caem em alguns pontos com o público e os profissionais também. Mas todos são passíveis de erro, seria ilusão pensar o contrário. No entanto, por isso mesmo, a responsabilidade da mídia em relação ao seu público é cada vez maior. “Uma informação errada pode destruir e influenciar diversos pontos e segmentos da sociedade”, complementa Schmitt.
O escritor e jornalista colombiano Gabriel García Márquez costumava fazer a seguinte analogia: “A ética deve acompanhar sempre o jornalismo, assim como o zumbido acompanha o besouro.” Se os jornalistas seguissem ao pé da letra esse princípio, não se veria tantos abusos sendo cometidos pela imprensa.
Referências
ABRAMO, Cláudio. Regra do Jogo: o jornalismo e a ética do marceneiro. 4ª reimp. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
BOSI, Alfredo. “Duas Palavras Sobre Ética na Universidade”. In: Informativo da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP, nº 27, maio/2006. Disponível em: <http://comunicacao.fflch.usp.br/sites/comunicacao.fflch.usp.br/files/27_info_maio_0.pdf > Acessado: 20 out. 2013.
MARTINS, Luiz. “O jornalismo jamais pode se reduzir a uma mercadoria”. In: Canal da Imprensa, Revista Eletrônica do Curso de Jornalismo do Unasp, 55ª ed., março/2006. Disponível em: <http://www.canaldaimprensa.com.br/canalant/55edicao/jogo_aberto.htm> Acessado: 20 out. 2013.
SCHMITT, Isadora. “Ética em desuso”. In: Canal da Imprensa, Revista Eletrônica do Curso de Jornalismo do Unasp, 31ª Edição, ano 3, maio/2004. Disponível em: <http://www.canaldaimprensa.com.br/canalant/especial/trint1/especial26.htm> Acessado: 20 out. 2013.
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Diogo Oliveira Nonato e Joscivanio de Jesus são estudantes do curso Comunicação Social, Aracaju, SE