Magnífico Reitor, professor Ivan Camargo, Exmo. Sr. Francisco Ribeiro Telles, Embaixador de Portugal no Brasil, Ilmo. professor David Renault, Diretor da Faculdade de Comunicação (FAC), jornalista Carlos Fino, demais autoridades presentes, colegas e amigos professores, estudantes e técnicos da FAC e das demais unidades acadêmicas da Universidade de Brasília, pessoas que nos assistem via UnBTV, dentro e fora do país, senhoras e senhores,
Esta é uma cerimônia carregada de muito significado e, ao meu ver, acontece em local apropriado.
Brasília resulta de diversificados processos históricos. Um deles, é consequente da marcha para o oeste empreendida de diversas maneiras.
A pé, sobre naus ou guiando rodas, muitos sonharam, colocaram e colocam em prática, a cada dia, o projeto de uma civilização baseada em bem estar e oportunidades. Para alcançar este ideal, percebe-se de maneira expandida a importância da comunicação como ponte entre pessoas, entre povos e entre países.
As repúblicas brasileira e portuguesa tem origem comum. Fluxo contínuo de produtos e, sobretudo, de pessoas atravessaram o Atlântico em ida e volta de interações.
Sim, esta terra chamada Brasil recebeu contingente enorme de influência lusa. Por outro lado, as caravelas, os barcos e os aviões não voltaram vazios. Também existe muito de Brasil em Portugal.
Entretanto, também há ruídos na comunicação entre os dois países. A relação passada e presente tem reduzida visibilidade mediática e necessita superar estereótipos.
A ideia de nações agrícolas atrasadas e paradas no tempo ou o pensamento de que sejamos habitados por incultos e foras da lei precisa ser redimensionada.
Para isso, igualmente é necessário passarmos do plano das ideias para o campo da ações. E, sem risco de errar, nesse aspecto é preciso levar e em conta que poucos fizeram tanto quanto Carlos Fino.
O melhor repórter
Antes de falar de sua atuação profissional, gostaria de brevemente relatar a ligação histórica de Carlos com o Brasil.
Embora tenha chegado aqui depois de ter estado pessoal e profissionalmente em inúmeros outros lugares. Carlos conhece o nosso país de longa data.
Em 1958, enquanto a Bossa Nova era criada e conseguia amenizar o brasileiro complexo de vira-latas junto com a conquista do Mundial de Futebol, Carlos lia a revista Cruzeiro. Anos mais tarde, teve acesso a obras de autores como Jorge Amado, Érico Veríssimo, Graciliano Ramos e Josué de Castro.
Em síntese, o interesse do jovem alentejano pelo jornalismo teve tempero brasileiro. Porém, em período no qual não havia ainda cursos de Comunicação em Portugal, Carlos Fino foi encaminhado ao curso de Direito, logo percebido como uma roupa que não lhe caia bem.
Num mundo bipolar, o apelo soviético atraiu Carlos para ser locutor da Rádio Moscou, onde iniciou trajetória como correspondente.
Ou seja, em suas próprias palavras, foi ser “general sem ter sido soldado” levando em conta de forma autodidata a “complexidade das situações e de um imperativo categórico de equilíbrio na cobertura dos acontecimentos em instituições de âmbito nacional e reportando para audiências muito diversas e plurais”.
Em mais de trinta anos de profissão, teve oportunidade de exercer praticamente todos os gêneros do Jornalismo: da reportagem ao comentário e apresentação de programas e serviços noticiosos, do relato de eventos desportivos à cobertura de conflitos armados em veículos como a RTP e o jornal Expresso.
Carlos acompanhou presencialmente importantes acontecimentos tais como o fim da União Soviética, a criação da União Europeia, os conflitos no Oriente Médio e no Afeganistão e os rumos dos EUA no século XXI. Ganhou notoriedade internacional por ser o primeiro a informar o mundo da invasão norte-americana ao Iraque. A experiência desta cobertura foi sistematizada no livro A Guerra em Directo, de 2003, editado no Brasil com o título A Guerra ao Vivo.
Suas atividades como jornalista receberam aval de diversas personalidades brasileiras e portuguesas no memorial que foi entregue à Universidade de Brasília. Gostaria de destacar alguns testemunhos.
Segundo Heródoto Barbeiro, “as reportagens da RTP chamavam a atenção pelo cuidado do repórter em retratar fatos que não eram divulgados em outras redes. Carlos Fino e o seu companheiro transmitiam isenção, equilíbrio e idoneidade”.
Dinis de Abreu, ex-diretor do Diário de Notícias, considerou que o trabalho de Carlos representou uma notável contribuição “para uma reflexão alargada sobre o jornalismo em tempo de guerra.”
O prof. Marcelo Rebelo de Sousa, importante comentarista, sintetizou, em 2003, o pensamento de muitos sobre Carlos: “Indiscutivelmente o melhor repórter da televisão portuguesa”.
“Lealdade funcional”
O trabalho de Carlos também é reconhecido na Academia. Para Madalena Oliveira, professora da Universidade do Minho, é preciso levar em conta que Carlos não apresentava “apenas o lado factual dos combates, mas também o lado mais humano das batalhas”.
Segundo o prof. Moisés de Lemos Martins, Presidente da Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação e da Federação de Comunicação Lusófona: “Carlos Fino é um dos mais emblemáticos jornalistas portugueses, de tal maneira que marcou, ao longo de quarenta anos, a sua memória pública e o seu imaginário”.
Este olhar atento de Carlos pontuou o período 2004 a 2012. Como Conselheiro de Imprensa da Embaixada de Portugal no Brasil, dedicou-se a árdua tarefa de promover a aproximação dos países através dos veículos de comunicação.
Editora da TV Globo em Brasília, Vera Souto avaliza o trabalho realizado: “Carlos Fino é dos melhores profissionais que já passaram por esta capital, em termos de eficiência, disposição e extremo profissionalismo no atendimento aos jornalistas em busca de informação”.
Tal dedicação e profissionalismo também foram notados por Francisco Seixas da Costa, embaixador em Brasília entre 2005 e 2008. Segundo ele, Carlos “demonstrou uma grande lealdade funcional, um empenhamento profissional sem falhas (…). Se alguns avanços se têm registrado na cooperação na comunicação social bilateral, muito se tem ficado a dever ao Carlos Fino.”
Universidade aberta
A lista de testemunhos apresentada é bastante significativa e pretendemos publicar alguns destes textos na íntegra no portal da UnB. Dentre eles, para concluir, o marcante depoimento da prof. Sylvia Moretzsohn, da Universidade Federal Fluminense:
“Pelo que pude conhecer de Carlos Fino desde então, pelo que pude pesquisar sobre suas atividades, creio que não seria exagero dizer que se trata de um perdedor, no melhor sentido apontado por Darcy Ribeiro, um dos nossos maiores intelectuais de sempre, idealizador desta Universidade: alguém que apostou nas melhores causas e foi sistematicamente derrotado, mas se orgulha dessa posição, porque não gostaria de estar no lugar dos que venceram”.
Senhoras e senhores, é realmente muito difícil sintetizar trajetória de mais de trinta anos em poucos minutos.
Para encerrar, gostaria de agradecer a UnB por este momento de gala. A exemplo de outros trabalhadores e intelectuais portugueses, dentre eles, Agostinho da Silva, um dos fundadores da nossa universidade, Carlos encontra hoje reconhecimento acadêmico no Brasil.
A conjuntura atual de limitações socioeconômicas e de necessidade permanente de combate a condutas inspiradas no Velho do Restelo tem limitado horizontes e prejudicado a vocação Atlântica de Portugal.
Sinceramente, desejamos que melhores dias alcancem o país e que, inspirados na atuação desenvolvida por Carlos Fino, sejam estabelecidas cada vez mais atividades de cooperação e intercâmbio.
Tenho certeza que a Universidade de Brasília estará permanentemente aberta a esta troca e, Carlos, saiba sempre que esta casa, com certeza, também é sua.
Muito obrigado.
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Fernando Oliveira Paulino é jornalista e professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília