Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A sociedade da hipercomunicação

É verdade que o processo de globalização do livre mercado e do sistema democrático são as evidências mais significativas na transição do século 20 para o século 21. A tese de Francis Fukuyama [o escritor norte-americano Francis Kukuyama escreveu em 1992 O Fim da História e o Último Homem (Gradiva, 1999) em que apresentava a ideia de que a humanidade teria chegado ao “fim da história” pelo fato de que o modelo da “democracia liberal” teria se tornado o modelo hegemônico e definitivo] parece que estava certa. Além de dominar o mundo ocidental, a democracia conquistou uma significativa fatia do mundo árabe e, apesar dos tropeços provocados pelo estouro da bolha imobiliária e da bolha financeira, em 2008, nos EUA e na Europa, não podemos negar que o sistema capitalista ampliou seus poderes ao se transformar no regime de governo praticamente universal, catequisando, a partir de meados do século 20, a quase totalidade dos estados-nações do mundo, incluindo o continente asiático e africano.

Mesmo que os monetaristas prescrevam uma maior austeridade dos governos e os desenvolvimentistas acreditem que a melhor receita ainda seja o investimento social, a tônica dos sistemas de governo continua sendo a preservação dos princípios do livre mercado e da democracia, como valores imperativos, numa manifestação categórica de que, apesar dos dissabores, o regime liberal ainda encontra espaço para continuar se expandindo, tanto em seu espectro como em seu poder. Há, naturalmente, sinais de que o laissez faire e olaissez passer são consideradas forças mais valiosas do que os valores da democracia, num verdadeiro culto à economia, já que tanto as lideranças políticas como os managers econômicos parecem prezar muito mais o sentido da liberdade do que o valor político da igualdade.

Neste sentido, Slavoj Zizek [o escritor esloveno Slavoj Zizek acredita que o “capitalismo de valores asiáticos”, in http://slavoj-zizek.blogspot.com.br/2010/01/democracia-corrompida.html, representa a ideia de que o capitalismo pode viver sem a democracia, o que contraria a crença universal de que a liberdade econômica estaria umbilicalmente ligada à liberdade política] chegou a alertar para o perigo das sociedades humanas adentrarem em uma época marcada pela lógica de uma “democracia com valores asiáticos”, numa alusão ao fato de que, apesar das lições da história, cada vez mais o poder econômico é maior e mais importante do que o poder político, e de que poderemos vir a viver, num futuro próximo, em um Estado onde a “liberdade do capital” venha a impor as possibilidades e os limites da “liberdade da cidadania”.

Não vivemos uma nova verdade histórica

Veja-se que, mesmo com os bugs de 1929, 1970, 2000 e 2008, surpreendentemente, a fonte de energia deste paradigma econômico e político parece ser infinita e inesgotável. A cada nova crise, a sociedade do espetáculo, sustentada pela lógica imperativa da mercadoria e por sua mão invisível, parece renascer das cinzas sempre com mais fôlego, mais ânsia e mais vitalidade. Nada parece deter ou interromper a marcha do capital em direção ao seu triunfo universal. Quanto mais os Estados são pressionados, os governos são sufocados, as empresas soçobrem e os cidadãos/consumidores padeçam, mais parece que o capital cresce e se fortalece.

Nem a virada do modo de produção das sociedades humanas, nesta transição de séculos, abalou a confiança e o poder do sistema. Ao contrário. A nova matriz produtivista parece conter, em nossa percepção, a verdadeira explicação para a sustentabilidade do sistema.

O fato é que estamos, desde o crepúsculo do século 20, vivendo o esplendor da era tecnológica [sobre a era tecnológica, consultar pensadores como Neil Postman (Tecnopólio, 1999), Manuel Castells (A Galáxia Internet, 2003), Pierre Levy (Cibercultura, 1999), Nicholas Negroponte (Ser Digital, 1995)], com seus novos modos de produção, sua ordem social e seu novo paradigma. Mas, ao invés, de se contrapor aos ideais da liberdade (política) e da oportunidade (econômica) próprios do Iluminismo, do Humanismo (Revolução Francesa) e do Liberalismo (Revolução Industrial), os novos valores tecnológicos tornaram os ideais da liberdade ainda mais sólidos (apesar de todas as crises) e os princípios republicanos ainda mais soberanos (apesar de todas as debacles e cismas geopolíticos do mundo).

A tecnologia não contrariou os princípios da liberdade nem da oportunidade. Ao invés disso, ela se transformou no Santo Graal dos novos tempos, no exato sentido do cálice de Cristo. Isto é. A nova matriz das estruturas produtivas, epistêmicas, culturais e “ideológicas” reacendeu e reenergizou a matriz anterior, transformando a ordem social num grande amálgama econômico, político e social.

Nesta perspectiva, não há como questionar o fato categórico de que a tecnologia tornou-se o grande símbolo desta era pós-moderna, estruturando, a partir de sua natureza, “disforme”, “descentralizada”, “descontínua” e “distributiva”, a lógica ecossistêmica de toda a ordem social, cultural, política e econômica.

Não vivemos, portanto, uma nova verdade histórica, a partir da máxima de que a transformação ou a mudança do modus faciendi introduz um novo modus vivendi. Há, de fato, um grande continuum no processo histórico, na medida em que a nova matriz nasceu exatamente do ventre da matriz anterior.

Uma hipersociedade em rede

Em essência, na verdade, assistimos a uma onipotente e onipresente universalização dos processos sociais de tecnologização, com suas variáveis de globalização, transculturalismo, hipercomunicação e exosocialicionismo.

O movimento de universalização das tecnologias, das redes e dos processos sociais, institucionalizados em cima de uma plataforma digital, interativa, imagética e intangível, assumiu o protagonismo na vida dos indivíduos e dos povos (assim como a lógica dos Estados-Nações e dos Potentados Econômicos) com tal força e dimensão, que podemos colocar as teias tecnológicas como verdadeiras potências simbólicas superestruturais, alçadas ao estado de uma sociedade além da sociedade.

A máquina tecnológica conseguiu o feito de transcender os limites da economia, da política e da ordem social. Neste universo extático da sociedade da tecno-informação, da tecno-comunicação e da tecno-sociedade, tudo parece viver e experimentar uma nova condição, com a remasterização do próprio eu, do outro e da realidade.

Não há mais nenhum paradigma mecânico ou operacional nem qualquer verdade administrativa, instrumental ou funcionalista. Todas as valências e todas as potências foram libertadas pela tecnologia para viver o mysterium tremendum et fascinans da realidade mundana. Vive-se, talvez, a própria realização do ser-no-mundo, que sai do plano ideal para invadir o mundo real.

Nesta dinâmica, podemos aceitar a ideia de que não há mais sequer a cartesiana concepção do corpo e da alma, como uma lógica do senhoril e do serviçal ou do patrão e do inquilino. A tecnologia permite à alma viver para além do corpo e, num arroubo de excentricidade e de liberdade, admite-se que o corpo transborde as possibilidades da matéria. Tudo é alma e tudo é corpo. Qualquer coisa é alma e qualquer coisa é corpo.

Os canais sensoriais e imaginários do ser humano parecem inebriar-se com tamanha profusão de trocas simbólicas em circulação pelas redes deste século 21. A galáxia da hipercomunicação estabelece uma hipersociedade em rede, conectando ou reconectando os homens em novas formas de sociabilidade, interação e desenvolvimento, à revelia da vontade ou do poder dos próprios seres humanos.

2,7 bilhões de internautas em 2015

Nada mais permanece estático e nem há mais tempo e espaço para um mundo de sombras [VIRILIO, Paul. O Espaço Crítico. São Paulo: Editora 34, 1999]. A informação e o conhecimento circulam como moedas líquidas nos mananciais herméticos de um mundo organizado em torno da livre circulação de dados, pela febril conquista dos espaços e pela ardente vinculação entre a sociedade do espetáculo [DEBORD, Guy. (1997). A Sociedadedo Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto] com a sociedade da especulação [MANDEL, Ernest. (1996). O Capitalismo Tardio. Rio de Janeiro: Contraponto; São Paulo: Editora Unesp].

Nesta sociedade do espetáculo, as imagens produzem imagens, levando a um estado de hipertrofia total da realidade real, ao mesmo tempo em que, na sociedade da especulação, o capital produz capital, rompendo toda estrutura econômica da produção e do consumo sustentados pelo valor de uso, pelo valor de troca e pelo valor de signo.

Ilusão. Intensidade. Obesidade de formas. Gozo. Êxtase. Estrondo. Libido. Expansão. Implosão da realidade.

A sociedade da informação, do conhecimento e da comunicação situa a era pós-moderna assim em um novo estágio de experiência da humanidade nos seus modos de sentir, viver e de saber. Tudo flui incessantemente e o mantra torna-se lapidar: “Tudo o que é sólido se desmancha no ar.”

Num plano geral, vive-se cada vez mais uma verdadeira hipertrofia informacional provocada pela avalanche de mensagens emitidas pelas novas tecnologias eletrônicas da informação e da comunicação (TICs).

Relatório da União Internacional de Telecomunicações (UIT), órgão das Nações Unidas (ONU), mostra que existem hoje dois bilhões e 300 milhões de internautas no mundo, o que equivale a mais de 1/3 da população mundial [in http://www.techguru.com.br/mais-de-um-terco-do-mundo-esta-conectado-a-internet-china-tem-23-dos-internautas. Acesso em 15/03/2013].

Projeção da Consultoria McKinsey, divulgada pela Associação Nacional pela Inclusão Digital (Anaid), estima que em 2015 o número crescerá para 2,7 bilhões de internautas, sendo que “seis de cada 10 internautas – ou 1,6 bilhão de pessoas – deverá ser de países emergentes, como Brasil, Índia, África do Sul, Chile e Argentina” [in http://www.anid.com.br/site/index.php/ultimas/2078-em-2015-6-em-cada-10-internautas-serao-de-paises-emergentes.html. Acesso em 15/01/2014].

Revolução da telefonia móvel só está “começando”

O carro-chefe da internet é a China, com um total de 23% de todos os internautas do planeta, o equivalente a mais de 600 milhões de usuários [in http://brasileconomico.ig.com.br/noticias/china-conta-com-618-milhoes-de-internautas_138298.html. Acesso em 16/01/2014]. O número de conectados à da internet nos países em desenvolvimento, como Brasil, Índia e Rússia, passou de 44%, em 2006, para 62%, em 2011, e para 68%, em 2015.

Levantamentos paralelos, divulgados pela revista alemã Der Spiegel, mostram, que, o “tamanho” da internet é bem maior do que o total de usuários. Segundo números da publicação, a versão atual do protocolo da internet, o IPv4, indica que o universo paralelo da internet é constituído hoje por 4,3 bilhões de endereços (IPs), embora estimativas dêem conta que mais ou menos 2,3 bilhões deste total de endereços IP estejam em inatividade [in http://blogs.estadao.com.br/link/censo-hacker. Acesso em 14/03/2013. Informação dada por Christian Stöcker e Judith Horchert, do semanário Der Spiegel].

Junto com a expansão de usuários e endereços, o peso da internet também vem avançando de maneira estratosférica. Segundo o estudo “Universo Digital em Expansão”, da IDC e EMC Corporation, a internet acumulava, em 2007, 281 exabytes de informação. A previsão é que essa quantidade decuplique na segunda década do século 21, atingindo aproximadamente 3.000 exabytes. Este crescimento exponencial da informação digital é impulsionado sobretudo pelo incremento no número de arquivos de áudio e vídeo [para se ter uma ideia da quantidade de informações existentes na web deve-se compreender que, se 1 exabyte é uma medida que equivale a 1 bilhão de gigabytes (e 1 GB é 1 bilhão de bytes), os 3.000 exabytes serão o mesmo que 3.000.000.000.000.000.000.000 bytes. Em termos quantitativos, o número é 30 milhões de vezes maior do que a informação contida em todos os livros já escritos em toda a história da humanidade] [GANTZ, John. The Diverse and Exploding Digital Universe. In: http://imasters.com.br/artigo/8359/gerencia-de-ti/explosao-do-universo-digital-com-digital-shadow].

Junto com a internet, uma febre que vem conquistando o mundo é a dos smartphones. Dados oficiais dão conta que há, atualmente, mais de um bilhão de usuários de aparelhos celulares “inteligentes” em todo o planeta, um número, que na verdade, representa apenas 1/5 do total global de telefones móveis em atividade no mundo, estimado em cinco bilhões de aparelhos. O mais significativo disso tudo, de acordo com um estudo da Morgan Stanley, é que a revolução da telefonia móvel está apenas “começando” [in http://www.edmarbulla.com.br/video-mobile-technology-2011-estatisticas-do-mundo-mobile/2418. Acesso em 15/04/2013]. A taxa de crescimento do setor é de 42% por ano, a nível global, mas projeções dos analistas acreditam que o tráfego de informação por meio da telefonia celular seja multiplicada por 40 nestes próximos cinco anos [estima-se que ainda em 2013, os smartphones serão mais usados para navegar na web do que os PCs e que, em 2014, mais de meio bilhão de pessoas usarão o aparelho celular para executar serviços de transferência de dinheiro].

Facebook tem728 milhões acessos diários

O crescimento do número de telefones inteligentes vem possibilitando maior comodidade de acesso à internet em todo o mundo. Dados do estudo GlobalWebIndex mostram que os acessos à internet via smartphones aumentaram 45% em 2013, atingindo a marca de 450 milhões de internautas [in http://revolucaoebook.com.br/65-dos-internautas-usam-smartphones-para-navegar/revolucaoebook.com.br].

Esta febre dossmartphones traz, em seu bojo, a expansão do número de tablets em todo o mundo. Levantamento global da Strategy Analytics, acompanhando as vendas de Unit Shipments por Fabricantes, desde 2012, mostra que até o 4º trimestre de 2013 havia um total de 77 milhões de tablets em todo o mundo. A Apple tem 33,8% do mercado; a Sansung, 18,9%; a Amazon, 7,5%; A ASUS, 5,1%; a Lenovo, 4,4%; e todas as demais um volume de 30,3%. O crescimento das vendas foi de 28% sobre 2012 [in http://www.teleco.com.br/tablet_mundo.asp. Acesso em 31/01/2014].

A explosão das redes sociais também tem ido espantosa. Há hoje, no mundo, centenas de redes sociais, adaptadas a todas as necessidades dos usuários, como o LinkedIn(rede social para contatos profissionais), Pinterest (sistema para mural de lembretes), YouTube (Portal de vídeos), Instagram (Fotos), Foursquare (rede social), Ingur (rede de fotos), WordPress (sistema de blogs), Twitter (rede de mensagens em 140 caracteres), Facebook (rede social), TumblrVocê marcou isto com +1 publicamente. Desfazer(plataforma de blogging para textos, imagens, vídeos, áudios e diálogos), Skype (sistema de comunicação online), Reddit (site do tipo de publicações sociais) etc.

O sistema mais popular, o Facebook, criado em 2004 pelo jovem norte-americano Mark Zuckerberg, tem hoje aproximadamente 1,2 bilhão de usuários, que realizam uma média de três bilhões de postagens por dia [in http://www.teste.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed737_a_pax_zuckerberg. Consulta em 12/03/2013]. Dados do Balanço Fiscal da empresa, mostraram que “o número de pessoas que acessam diariamente chegou a 728 milhões”. Segundo dados oficiais do Facebook, “o acesso através de dispositivos móveis totalizou 874 milhões” de pessoas [in http://codigofonte.uol.com.br/noticias/maior-rede-social-do-mundo-facebook-atinge-12-bilhao-de-usuarios. Acesso em 02/12/2013].

25 mil revistas científicas

Em apenas sete anos de vida, o Twitter, criação de Jack Dorsey, Evan Williams e Biz Stone, possui hoje, em 2013, mais de 200 milhões de usuários, que emitem mais de 400 milhões de tweets diários, em 140 caracteres, em todo o planeta.

O YouTube, site para compartilhamento de vídeos digitais, tornou-se praticamente uma nova espécie de televisão. Criado em 2005, o portal continha, em 2011, segundo dados do próprio YouTube, mais de 1 trilhão de vídeos. Um total de 1 bilhão de pessoas visita o portal a cada mês, que assistem a mais de quatro bilhões de horas de vídeos. Localizado em 53 países, o YouTube recebe 72 horas de vídeos a cada minuto, em todo o planeta.Estima-se ainda que mais de 100 milhões de vídeos do YouTube sejam assistidos todos os dias por meio de aparelhos móveis, como smartphones ou tablets [in http://www.youtube.com/yt/press/statistics.html. Acesso em 15/04/2013].

A população global está, portanto, acessando cada vez mais as midias digitais, sobretudo a internet, falando cada vez mais no telefone, sobretudo nos smatphones, e relacionando-se cada vez mais por meio das redes sociais, como o Facebook, o Twitter e oLinkedIn. É uma verdadeira revolução de costumes, com uma nova dimensão no sentido da cultura e da civilização. Há uma reforma no modo do ser humano ler, conhecer, perceber, falar, escrever, comunicar-se, solicializar-se, relacionar-se etc.

A sociedade da comunicação passou a estabelecer, por meio dos canais interativos e digitais, novos instrumentos de interação e contato entre os seres humanos, embora, quase sempre, estas novas práticas tenham uma natureza artificial e mediata. Do mesmo modo, a chamada sociedade do conhecimento promove, por extensão, o recrudescimento dos instrumentos de produção, transmissão e recepção dos saberes mais elevados, numa espécie de um tecno-iluminismo.

Os números mostram que, nos últimos 30 anos, a humanidade produziu um volume de informações novas mais do que nos cinco mil anos precedentes. Cerca de mil livros são publicados no mundo por dia e o total do conhecimento impresso duplica a cada oito anos. A torrente de informações é tão estrondosa que estimativas dão conta de que “o volume de informações disponíveis para o cidadão comum dobra a cada 72 dias” (WURMAN, 2005, p.39). Só no universo da pesquisa de ponta, existem 25 mil revistas científicas, gerando um milhão de artigos científicos por ano [in http://www.suboletin.com/contentsoea/docs/Boletin_56/Kuramoto56.htm. Consulta em 02/02/2013].

11,8 horas de informação diárias

Há uma total transformação do mundo do conhecimento e da informação. Estima-se que mais de 140 milhões de exemplares de jornais sejam distribuídos por todo o planeta a cada dia (ANJ). Cem novas notícias são jogadas no mundo digital por segundo e a previsão é de que o universo multimídia possua um total de 10 milhões de sites.

Há naturalmente uma migração do universo da informação das plataformas gráficas para as plataformas digitais, principalmente por causa da mudança de hábitos da população e pela migração do dinheiro da publicidade [de acordo com pesquisa anual sobre a mídia norte-americana divulgada pelo Pew Research Center, consultada em 18/03/2013, in http://blogs.estadao.com.br/link/midia-digital-so-perde-para-a-televisao, “junto com a audiência (também) migrou a receita publicitária do online, que desde 2011 supera a dos veículos impressos. Nos EUA, 23% de toda a publicidade está no mercado online, sendo superada novamente só pela televisão”] de um suporte para outro. Muitos jornais e revistas já tiveram que abandonar o formato gráfico, e calcula-se que, em nome da sobrevivência, cerca de 600 jornais digitais no mundo deverão ter implantado, até o final de 2013, o sistema de paywall (os leitores consultam matérias no site, mas tem que pagar para ler) [in http://www.teste.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed742. Acesso em 15/04/2013].

A expansão da quantidade de informações produzidas no planeta é, de certo modo, sobrenatural. Para se ter uma ideia do rápido avanço da produção de informações na atualidade, em apenas uma edição semanal do The New York Times existe mais informação do que um homem comum poderia conhecer durante toda a sua vida na Inglaterra do século 17. A própria língua inglesa quintuplicou seu vocabulário, desde a época de Shakespeare [WURMAN, Richard Saul. (2005). Ansiedade de Informação: como transformar informação em compreensão. São Paulo: Cultura].

Dados da Universidade da Califórnia (EUA) revelam que o cidadão “norte-americano médio consome 34 Gbytes de informação diária, entre escutar e enxergar – embora não necessariamente processe as 100 mil palavras por dia” [in http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u664333.shtml. Consulta em 10/12/2012].

Se o cidadão norte-americano tivesse capacidade de ingerir e de digerir tamanha quantidade de informação, ele estaria consumindo, a cada novo dia, um total de 11,8 horas de informação.

“O homem cria as ferramentas e as ferramentas recriam os homens”

Enfim. Tal fenômeno, o do encontro das águas da sociedade da informação, do conhecimento e da comunicação, faz com a civilização humana assista a um agudo processo de transformação dos modos de produção, transmissão e recepção de mensagens, bem como dos seus processos de estoque e preservação da informação. Não se pode ignorar que o longo século 20 [HOBSBAWM, Eric. A Era Dos Extremos: O Breve Século XX (1914-1991). São Paulo: Cia das. Letras, 1995; Rio de Janeiro: Campus, 2000] viveu e ainda vive (no alvorecer do século 21) a um processo de desenvolvimento tecnológico que leva a mutações nos modos humanos de semiose social, seja por meio de palavras ou por imagens.

Cada novo aparato eletrônico criado pelo homem produz mudanças sociais, econômicas e culturais profundas na sociedade, delimitando, com propriedade, sistemas de troca simbólica, impressa, audiovisual ou digital, de modo claramente novo em relação às épocas anteriores da história. As novas tecnologias da comunicação e da informação mudam a sociedade e os novos modos de vida social reformam o modo dos homens interagirem com as tecnologias, reformatando os valores e os conceitos de conhecimento, informação e comunicação.

Nosso sentido de conhecimento não é mais a mesma daqueles homens que viram os primeiros automóveis saírem das fábricas de Henry Ford no início do século 20. Da mesma forma, informação também não tem o mesmo significado empregado nos tempos de Pulitzer. Nem nossa compreensão do que representa a comunicação humana se refere às análises empreendidas por Schramm, Berlo ou Laswell.

A sociedade pós-moderna alia modelos de conhecimento, da informação e da comunicação que só se referem aos sistemas tecnológicos, sociais e culturais existentes a partir do advento das TICs, e tem de ser dimensionados na esteira de uma nova ordem social de produção e recepção de discursos e dentro de valores que só existem a partir de um ambiente pós-moderno.

O desenvolvimento tecnológico foi criando e recriando processos humanos de interação midiática, onde a informação, a comunicação e o conhecimento modificaram sua natureza social, o que levou o pêndulo das tecnologias oscilar de um lado para outro durante a história e a priorizar um novo modo dos homens processarem e distribuírem seus pensamentos e emoções.

Por isso, não estão errados aqueles que consideram a era pós-moderna como um período da história em que se combinam as eras da informação, da comunicação e do conhecimento. Os três modelos coexistem e coabitam o mesmo espaço e o mesmo tempo humano. Todavia, antes de se cartografar o novo cenário comunicacional e informacional do novo milênio, é fundamental que se compreenda as experiências midiáticas singulares a cada momento histórico, tão distantes da realidade e do ambiente tecno-info-virtual do mundo digital contemporâneo.

Uma era de mutações

Embora o período histórico em cena tenha sido curto (a modernidade), as marcas deixadas por cada época foram bastante nítidas. Do início até meados do século 20, o signo principal foi marcado pela (1) sociedade do conhecimento, ainda dominado pelo espírito iluminista. Dos anos 1950 até a última década do século 20, o signo preponderante foi a (2) sociedade da informação, com a hegemonia das tecnologias audiovisuais de informação e comunicação. Do final da última década do século 20 em diante, o grande signo passou a ser a (3) sociedade da comunicação, com suas possibilidades de interatividade, horizontalidade e liberdade nas interações humanas.

A primeira era foi dominada pelo (a) mundo das letras, onde o símbolo maior foi o livro e seu universo de erudição e imaginação. A segunda era passou a ser controlada pela (b) sociedade da imagem, com seus confetes visuais e suas lantejoulas de sedução hedonista. A terceira era, por sua vez, apresenta um (c) sistema digital de comunicação entre os homens, permitindo a religação da humanidade por meio de uma disponibilidade imensa de aparatos eletrônicos, embora também possibilite, como dissemos, a coexistência e a sinergia do universo do conhecimento e da informação pela mesma via digital.

Este texto busca assim caracterizar e demonstrar os aspectos marcantes de cada uma destas eras, mas, apresentando, sobretudo, a mudança no modo dos seres humanos sentir, viver e interagir com o universo da informação, da comunicação e do conhecimento. Nunca é demais lembrar as palavras de Marshall McLuhan: “O homem cria as ferramentas e as ferramentas recriam os homens.”

A Sociedade das Letras

A chamada Sociedade do Conhecimento nasceu no distante século 15 graças à invenção do ourives alemão Johan Gutenberg. Ao criar a prensa de tipos móveis, este modesto alemão desenvolveu uma técnica fundamental para o desenvolvimento das artes, das ciências e das letras, arrancando a humanidade daquela que parecia ser uma interminável idade das trevas.

A produção e a reprodução massiva de livros proporcionaria, a partir daquele momento, a construção de uma era de esplendor intelectual e de uma riqueza cultural e artística. O registro das ideias e sua memória social espalharam um sentimento de independência e de auto-suficiência da razão humana para desvelar os segredos da realidade e permitiram, enfim, ao homem tornar-se o verdadeiro senhor da natureza e da história.

A era das letras permitiu ao homem sonhar com a realização do mito de Prometeu. O cogito cartesiano, o logocentrismo, a secularização, o ideal francês da igualdade e da liberdade, e o espírito universal de que o homem poderia alcançar a verdade absoluta sobre todas as coisas, empurrou a sociedade a viver uma jornada de sonhos e fantasias, sob a crença de que senão chegaríamos ao mundo ideal, pelo menos poderíamos alcançar o melhor dos mundos.

Na esteira deste projeto, a Sociedade do Conhecimento impulsionou a criação de universidades, escolas, livros, enciclopédias, bibliotecas e de processos maciços de alfabetização, que passaram a socializar, universalizar e democratizar a cultura e as ciências. Ao mesmo tempo, a abertura e a disseminação de jornais e revistas periódicas passaram a cristalizar uma sociedade de produtores e leitores de informação, ávidos por conhecer todos os acontecimentos do mundo.

Não se pode esquecer que, sobretudo, a partir do século 16, o Renascimento, a Reforma, a Revolução Francesa e a proclamação dos direitos humanos, bem como com a Guerra Civil nos Estados Unidos, passaram a criar um novo modelo de vida em sociedade, onde a esfera pública, sustentada pela educação gratuita, pela nova forma de fazer política, com o povo escolhendo diretamente seus representantes e, pelo universo da imprensa, com um espírito de transparência e vigilância social, passaram a ser o esteio do ideal de ordem e progresso comteano da modernidade.

Os homens passaram a sonhar com a plenitude de uma vida justa e igualitária para todos, onde qualquer indivíduo não só poderia conquistar com suas próprias mãos o ideal de felicidade, mas também realizar o projeto coletivo de uma sociedade mais humana e realmente civilizada, como chegaram a imaginar Rousseau e Saint-Simon.

O universo das letras permitiu um processo de acumulação e popularização da informação e do conhecimento, embora o homem letrado tenha se tornado paradoxalmente mais racional e mais introspectivo. O livro e o universo das bibliotecas mudou o jeito dos homens se relacionarem. A oralidade deu lugar ao silêncio e o contato social necessário para a transmissão das histórias e da memória cultural foi substituído pelo isolamento e pelo distanciamento entre os homens.

O hábito da leitura e os processos mentais do conhecimento conduziram os homens a se fechar em seus casulos subjetivos, e a trilhar um modo de vida que preparava os “cristãos novos do saber”, pela via da educação, para o mundo do trabalho. A prosperidade intelectual fez fervilhar as artes, as ciências e as ideologias, gerando alguns dos maiores gênios da humanidade.

Esta Sociedade do Conhecimento dizia respeito, sobretudo, à relação sagrada entre os homens e os livros e à pujança tecnológica que esta nova realidade possibilitou à sociedade, apesar das mazelas e dos efeitos colaterais que também trouxe. O livro imperou como um deus absoluto durante alguns séculos e nem a vindoura companhia da imprensa periódica veio mudar o sentido de um período da história marcado pelo esplendor dos saber.

Como bem observou Henry Thomas, a imprensa transformou um “passado morto em um presente vivo. A multiplicação de livros foi o primeiro passo para o desenvolvimento intelectual de todas as classes sociais. A Europa tomou conhecimento de sua herança literária. O mundo medieval, empenhado em guerras selvagens, encontrou distração no passatempo civilizado da leitura. A humanidade começava, pela primeira vez, a aprender a pôr de lado a espada e a ocupar-se do livro” [THOMAS, Henry. A História da Raça Humana. Rio de Janeiro: Editora Globo, 1983].

A Sociedade da Imagem

Um por um, os novos aparatos tecnológicos inventados desde o século 19 permitiram a edificação e a hegemonia da sociedade da informação audiovisual a partir de meados do século 20, competindo com o universo das letras e destronando o livro como o grande astro da civilização. A telegrafia sem fio, criada por Marconi em 1895 [o padre Landell de Moura realizou experiências de transmissão de mensagens eletrônicas sem fio em 1893, mas o protagonismo da invenção acabou ficando mesmo com o europeu Guglielmo Marconi], a gravação magnética de sons em 1898 [o invento chamado inicialmente de telegrafone ficou popularmente conhecido durante o século 20 como gravador de fita cassete], o surgimento do fax, em 1925 [o aparelho foi criado pelo francês Edouard Belin, que o batizou de belinógrafo], o desenvolvimento do rádio em 1907 [a invenção do rádio foi conquistada graças à combinação das tecnologias de Guglielmo Marconi, Lee De Forest e John Ambrose Fleming], o gravador de videoteipe em 1951 [o instrumento foi uma criação dos cientistas Alexander Poniatoff, Charles Ginsberg, Charles Anderson e Ray Dolby], os satélites espaciais de comunicação em 1962, os Compact Disc em 1979, o aparecimento da telefonia móvel e, sobretudo, a invenção da televisão [a televisão foi criada em 1923 pelo escocês John Logie Baird], considerada como uma das maiores invenções de toda a história da humanidade, levaram o homem a experimentar um mundo novo de sensações e percepções nunca antes vistas ou vividas pelos seres humanos em qualquer outra etapa de sua trajetória civilizacional.

As tecnologias eletrônicas de comunicação e informação estabeleceram uma nova esfera pública e conduziram a sociedade a reformar todo seu modo de vida. Do universo das bibliotecas e das escolas, o sujeito moderno tornou-se o protagonista de uma nova condição social da humanidade.

O homem letrado, culto, introspectivo e racional, descrito por Marshall McLuhan, combinou-se ao homem informado, plugado às tecnologias, extrovertido e mais emocional, descrito por Maffesoli. As TICs agilizaram, aceleraram e dinamizaram o processo e a relação do ser humano com os canais de acesso e transmissão de conhecimento.

A cultura livresca passou a dividir o trono do saber com os mais diferentes e estranhos modos de recepção de conhecimento propiciados pela radiodifusão social. O iluminismo de Diderot e D’Alembert foi obrigado a dissolver a energia heurística do seu universo erudito formado por pompa e circunstância com os novos saberes e os novos mecanismos de mediação dos canais midiáticos e com a tecnocultura imagética e sonora.

Os homens passaram a saber ao vivo e a cores tudo o que acontecia em todos os lugares do mundo, acompanhando visualmente novos povos, novas culturas e novas tradições. A caixinha mágica da televisão permitiu à humanidade assistir a ida do homem à lua, acompanhar espetáculos antes restritos a poucos privilegiados, emocionar-se com os dramas dos artistas de novelas e, até mesmo, testemunhar massacres militares em tempo real nas duas guerras do Iraque (1991 e 2003), na segunda Guerra dos Bálcãs (1992) e no litígio entre Rússia e Chechênia (1999).

A televisão possibilitou a milhões de pessoas verem o assassinato do presidente norte-americano John Kennedy (1963), os shows dos Beatles (anos 60), a queda do Muro de Berlim (1989) e o casamento do Príncipe britânico Charles com a plebéia Diana Spencer (1981). Como disse certa vez Jean Chesneaux: “Apesar de todos os malefícios que a televisão possa ter trazido, uma coisa é certa: a humanidade nunca sonhou tão bem como no século 20” [CHESNEAUX, Jean. Modernidade-Mundo. Petrópolis: Vozes, 1995].

Chamada de “a babá eletrônica”, “o segundo Deus” e até de “o chiclete dos olhos”, a televisão tornou-se o astro-rei de um mundo dominado pela imagem e pelo espetáculo. Transformou-se no mais poderoso instrumento de comunicação de massa, a partir dos anos 1960, e não deixou que nada mais escapasse ao seu reino de sedução e encantamento, com a produção industrial de sonhos, fantasias, entretenimento, consumo e informação.

A massificação das imagens abriu um novo capítulo na história da humanidade e, segundo McLuhan, urdiu um novo tipo de homem. O ser letrado, analítico e atomizado, do mundo dos livros e das letras, deu lugar a um ser sensorial, extrovertido, global e comunicativo.

A Galáxia de Gutenberg foi impiedosamente destronada pela Galáxia de Marconi e por toda sua lógica plenipotenciária da mensagem e da massagem audiovisual. O meio tornou-se a grande mensagem do século 20, no sentido de que o impacto da tecnologia da imagem passou a alterar as formas do homem ser, saber e fazer, mas também reestruturou os processos do homem perceber, sentir e viver a realidade à sua volta.

A sociedade da imagem representou o que McLuhan chamou de a retribalização do mundo, já que a tela da TV passou a reunir todos os indivíduos do planeta em uma única cultura, uma única lógica e um único estilo de vida. Os seres humanos passaram a partilhar o mesmo imaginário, os mesmos hábitos e tradições, a venerar os mesmos ídolos e a consumir as mesmas fontes de informação. Inaugurou-se uma época heroica, onde, por meio das tecnologias da comunicação e da informação, todos se integraram e se envolveram em uma aldeia global.

A nova ordem comunicacional mundial combinou-se, inclusive e ao mesmo tempo, com a introdução da Terceira Onda, preconizada por Alvin Tofler, pelo Fim da História, segundo a tese de Francis Fukuyama, pela consolidação da sociedade do contrato, a Geselschaft, anunciada por Ferdinand Tönnies, e pela era do Tecnopólio, descrita por Neil Postman.

Naturalmente, a sociedade da imagem suscitou críticas sociológicas e filosóficas de teóricos como Adorno, Horkheimer e Marcuse, pelos perigos abertos pela possibilidade da massificação, pela estandardização e pela estupitificação do homem e das mercadorias simbólicas oferecidas pela indústria cultural. Com a TV, denunciaram os críticos, assistiríamos à rendição do homem ao eclipse da razão e a um estado de inanição mental e de raquitismo intelectual.

A iconosfera aberta pelo universo da imagem e do som levou Guy Debord a caracterizar a nova era como o início da sociedade do espetáculo, onde a televisão teria o poder de substituir a realidade real pela realidade mediada e conduzir o homem a um estado de experiência e de vivência de segunda ordem, já que, ao invés de participar ativamente do mundo, o ser humano estaria passando simplesmente a testemunhar proteticamente a vida dos outros.

O fato é que a sociedade da imagem, a despeito das críticas e dos vaticínios, possibilitou ao homem moderno, habitante até então de uma esfera limitada e estreita, a ampliar as noções de espaço e tempo e a experimentar um novo modo de saborear e de sentir a vida. As delícias visuais e sonoras das telas de TV do mundo inteiro libertaram o imaginário humano e estimularam novas formas de viver com criatividade e originalidade uma vida emancipada de qualquer coerção ou restrição heurística e moralística.

O homem se embebedou com os prazeres oferecidos pela máquina da fantasia e do sonho e se entregou às orgias estéticas proporcionadas pela sociedade do consumo e do entretenimento. O ser humano permitiu-se reencantar-se com os acontecimentos reais ou fictícios do mundo e, mesmo que tenha havido um déficit cognitivo no período, é certo que a sociedade da imagem representou a oportunidade do homem viver ludicamente um mundo preso, até então, aos modelos atávicos da tradição, da moral e do puritanismo.

A Sociedade dos Bits

Embora tenha começado a nascer nos anos 1950, com a Arpanet, nos Estados Unidos, a Internet tornou-se uma tecnologia efetiva somente a partir dos anos 1990. Graças aos esforços de uma série de aparatos eletrônicos, como o PC, o transistor, o chip, a comutação de dados, a fibra ótica [o computador foi criado por em 1941 por Alan Turing e M. Neuman. A máquina tinha o objetivo de decifrar os códigos secretos dos alemães durante a segunda guerra mundial. O transistor foi inventado em 1948 pelos norte-americanos John Bardeen, Walter Brattain e William Bradford Shockley, que acabaram recebendo o Nobel de Física em 1956 pela invenção. O primeiro PC foi criado por Ted Hoff, da Intel, em 1971. A revolução do PC explodiu no final dos anos 1970 e início dos anos 1980 quando a empresa Apple embarcou milhares de micros para o mundo inteiro. A fibra ótica foi crida em 1955 pelo indiano Narinder Kapany] etc., a internet só se tornou uma realidade, como o grande leviatã do século 21, a partir da invenção do protocolo www criado por Tim Berners-Lee.

A linguagem da world wide web, baseada no universo digital, virtual e interativo, mudou novamente a paisagem comunicacional e informacional de todo o planeta. As novas gerações, sobretudo nos países mais desenvolvidos, passaram a migrar rapidamente das já consideradas “velhas tecnologias de comunicação” e abraçaram com avidez as sem número de ferramentas e de possibilidades de comunicação, informação e conhecimento, proporcionados pelo código binário do mundo digital.

Um por um, a Internet passou a disponibilizar, de forma ágil e rápida, os recursos oferecidos pela indústria da televisão, do rádio, do cinema, da música, dos jornais, das revistas e do livro. O ciberespaço [o termo ciberespaço foi criado pelo escritor norte-americano William Gibson, no livro de ficção científica Neuromancer, de 1984. O ciberespaço era descrito como “uma alucinação consensual”, criada pela conexão de todos os computadores do mundo, na qual bilhões de pessoas se deixavam submergir] realizou o projeto da universalização das tecnologias em um único instrumento e uniu todos os homens em uma grande esfera de sociabilidade e cultura.

O mundo digital, convertido em bits (binary units), tornou-se um universo descentralizado, desmaterializado e desterritorializado, unindo em um grande fluxo as redes telemáticas (telecomunicações, informática e indústria cultural) e oportunizando uma relação de todos-para-todos em múltiplas interfaces, como as telas dosPCs, as televisões digitais, os smartphones, os palmtops, os MP4, os tablets, os e-books, os jornais eletrônicos etc.

Disponibilizados e armazenados em memórias digitais, os aparatos da informação, da comunicação e do conhecimento da Sociedade das Letras e da Sociedade da Imagem se reencontraram no universo do ciberespaço, reformando novamente a relação dos homens com os processos de viver, sentir e saber.

O universal sem totalidade [LÉVY, Pierre. O Universal sem Totalidade, essência da cybercultura. Disponível em: http://empresa.portoweb.com.br/pierrelevy/ouniversalsem.hyml] desencadeou um modelo de estrutura social dominada pela Sociedade em Redes, interligando a economia e a política, pela Sociedade On Line, nitidamente comunicacional, informacional e global, e pela Sociedade Cibercultural, onde a cultura passa a ser assentada no modo de produção e de distribuição digital e virtual.

Os homens passaram a se comunicar febrilmente, mesmo que a distância; as trocas comerciais saltaram para o universo dos domínios e dos portais; a forma de fazer política adotou os esquemas dos e-mails, dos sites e dos spams; a arte capitalizou as técnicas e as possibilidades das ferramentas digitais; o mundo do trabalho incorporou os mecanismos e as facilidades do tele-trabalho; a sociedade de consumo adaptou-se rapidamente às facilidades da compras virtuais; e o espaço da produção audiovisual e impressa integrou-se cada vez mais aos recursos oportunizados pelos open archives, pelos open sources e pelos open data.

A própria maneira do homem se relacionar com a informação e o conhecimento mudaram radicalmente com o advento das tecnologias digitais e virtuais. Privilégio de uma minoria de letrados, ou de uma grande massa de incultos massageados pela televisão, a era do e-conhecimento tornou-se mais acessível e muito mais ampla do que nas eras anteriores. Os indivíduos não recebem mais o que a indústria cultural manda verticalmente que eles consumam, nem o conhecimento e a informação estão radicados ou protegidos por licenças, por copyrights ou pela bondade dos monopólios da fala.

Os milhões de sites e os recursos digitais de armazenamento e multiplicação da informação permitem que os indivíduos tenham acesso ilimitado ao que acontece no mundo a qualquer momento, de maneira horizontal, flexível e maleável. Além disso, as possibilidades abertas pelos hiperlinks e pelos hipertextos modificaram a forma como os homens tratam a escrita e a leitura dos acontecimentos.

A escrita e a leitura alfabéticas, lineares e inflexíveis, deram vez a uma nova forma dos seres humanos acessarem e percorrerem as estradas da informação. De certo modo, o ciberespaço não tem mais portas de entrada nem portas de saída. Não há caminhos rígidos a seguir, nem roteiros ideológicos ou gnosiológicos a engolir. Tudo se transformou em janelas de informação e é o emissor-receptor quem decide o modo como recebe ou produz a informação e o conhecimento.

A transformação mais profunda promovida pela web está certamente nos papéis do indivíduo como emissor e receptor de mensagens. Tanto na Sociedade das Letras como na Sociedade da Imagem esta estrutura tinha uma hierarquia e uma função bem nítidas. Na Sociedade dos Bits, não há mais distinção entre emissão e recepção. Todos comunicam e todos informam a todo o momento para todos. Não há sequer domínio sobre a informação e o conhecimento, e nem os sistemas de comunicação são controlados pelos oligopólios das eras anteriores.

A multiplicidade de discursos, de mensagens, de vozes, torna a nova Sociedade Global uma grande babel de falas e textos que transforma o mundo numa verdadeira ágora informacional. Quebra-se, com isso, o conceito da comunicação de massa, criado para dar uma falsa ilusão de horizontalidade, e entroniza-se a ideia da cibercultura, onde a conectividade generalizada, sem restrições e ilimitada, torna o mundo um palco permanente de interatividade, fluxo e instantaneidade.

O mais surpreendente é que o crescimento da Internet espanta até os mais otimistas tecnófilos do mundo contemporâneo. Numa comparação feita recentemente, observou-se que a conquista de usuários pela internet foi muito mais rápida do que qualquer outra mídia de massa. Enquanto a rádio levou 38 anos para alcançar 50 milhões de usuários, o PC levou 16 anos e a televisão demorou 13 anos, a web alcançou esta cifra em apenas quatro anos.

Todavia, não só o número de internautas cresce espantosamente. A internet começa a desbancar as mídias tradicionais na preferência de usuários e consumidores do mundo inteiro. Em recente pesquisa da Universidade de Navarra, feita em sete países, verificou-se que os jovens latino-americanos já preferem usar a internet a assistir televisão [in http://observatorioddd.blogspot.com.br/2010/10/tecnologia-tecnologia-jovens-latino.html. Consulta em 21/10/2011]. A pesquisa ouviu 22 mil estudantes de mais de 200 centros educativos do Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, México, Peru e Venezuela [pesquisa feita Pew Research Center, divulgada em 18 de março de 2013, mostra que “metade das pessoas (nos EUA) já lista os meios digitais como principal fonte de informação. Entre todos os formatos, apenas a televisão ainda vence o online, embora esteja em queda, assim como os jornais impressos e o rádio”. In: http://blogs.estadao.com.br/link/midia-digital-so-perde-para-a-televisao. Consulta em 18/03/2013].

Estes dados confirmam forte movimento de migração de telespectadores para o mundo digital presenciado nos EUA. Segundo estudo da Integrated Media Measure Inc. (IMMI), um quinto dos telespectadores norte-americanos já prefere o mouse e os computadores ao controle remoto e à televisão.

Pouco mais de 10 anos depois do seu nascimento, a internet também já superou os jornais impressos como principal fonte de noticias para os norte-americanos, segundo pesquisa feita pelo Pew Research Center for the People and the Press. A pesquisa constatou que 40% dos americanos têm a web como principal fonte para noticias, enquanto no caso dos jornais o percentual é de 35% [in http://www.cabecadecuia.com/technonews/2009-01-05/web-ja-e-a-fonte-mais-popular-de-noticias-nos-eua-37067.html. Consulta em 05/01/2012].

O fenômeno parece maior quando se verifica a queda na circulação dos jornais e a perda de leitores para as telas dos computadores. Números divulgados pelo Audit Bureau of Circulations revelou que a taxa de circulação de 534 jornais diários norte-americanos caíram em media 3,6% nos dias úteis [in http://tecnologia.terra.com.br/interna/0,,OI2844061-EI4802,00-EUA+circulacao+de+jornais+cai+ com+concorrencia+da+web.html. Consulta em 28/04/2012]. Este parece ser um sinal, revelou o levantamento, de que a migração dos leitores para a internet, que já era acelerada, vem crescendo ainda mais nos últimos anos.

O maior sinal de que a internet veio para ocupar o trono das novas tecnologias da comunicação e da informação é o deslocamento das fontes publicitárias das mídias tradicionais para as telas do mundo online. Segundo dados da TNS Media Intelligence, a internet foi a mídia que mais cresceu em volume de investimentos publicitários nos EUA em 2008, com uma alta de 8,5% na comparação com 2007.

O número impressiona quando se compara o crescimento das receitas publicitárias da internet com as demais mídias: a TV subiu 1,7% e as revistas cresceram 0,8%. Os jornais tiveram decréscimo de 5,2% e o rádio sofreu um encolhimento de 4,5%.

A Sociedade da Hipercomunicação

Como vimos, a humanidade viveu, em pouco menos de um século, três importantes modelos tecnológicos de produção, transmissão e recepção de mensagens. Num primeiro momento, a Sociedade das Letras, e seus signos de erudição e intelectualidade, valorizou a cultura livresca, com suas enciclopédias, seus clássicos da literatura universal e suas bibliotecas. A seguir, a Sociedade da Imagem fascinou a mente e os corações dos homens, liberando a humanidade para sonhar e fantasiar a realidade com os olhos telepresentes e televivenciais do universo audiovisual. E, por fim, a Sociedade dos Bits reencantou o mundo, espargindo novas alternativas virtuais de contato e interação entre os homens, além de proporcionar novos mecanismos rizomáticos e descentralizados de cultura, arte, entretenimento e consumo.

Não há dúvida de que nenhum dos três modelos de sociedade desapareceu. Mas também não permaneceu igual ao seu modelo original. O poder das letras e a sedução das imagens fascinam o homem desde o nascimento da civilização e sempre permanecerão presentes enquanto a humanidade existir. Não serão naturalmente nunca mais as mesmas da época em que reinavam sozinhas e absolutas.

As letras e as imagens foram reinventadas e reprogramadas e estão agora incorporadas ao mundo irreversível do ciberespaço. Não tem mais necessariamente dimensão, matéria ou relação com o mundo real. São, em certos momentos, a própria representação de um mundo de signos puros, criados para significar e ressignificar os valores e os sentidos que os homens dão aos fatos e às evidências do universo real.

Além disso, a sinergia entre as mídias, promovida pelas possibilidades do código digital, faz com que as “velhas” e as “novas” tecnologias da comunicação e da informação se encontrem no ciberespaço. As potencialidades e as vantagens de cada tecnologia são redimensionadas no mundo digital de modo a associar e integrar os modos de comunicação, informação e conhecimento, mas, ao mesmo tempo, a proporcionar um renascimento de cada mídia em um novo ambiente tecnológico.

As características da portabilidade, da instantaneidade, da agilidade, da sonoridade, próprias do meio rádio, foram combinadas com os recursos da universalidade, da imagem, da transmissão ao vivo, específicas do meio televisão, bem como com a oferta de interpretação, opinião e informação, do meio jornal, e da profundidade, da reflexão, da crítica e da erudição, do meio livro.

Além disso, a web passou a congregar inúmeros mecanismos de emissão e recepção de músicas, de filmes cinematográficos, de registro de vídeos domésticos ou profissionais, de depoimentos ou relatos pessoais em blogs, de trocas infinitas de comunicação por meio de canais como os e-mails e o Messenger, e de reconfiguração do relacionamento entre os homens, por meio de aparatos como o Second Life ou o Orkut.

Mesmo que ainda exista naturalmente um fosso entre os info-excluídos e os info-incluídos, devido sobretudo à natureza e a velocidade do desenvolvimento econômico e tecnológico de cada nação, os homens caminham rapidamente para a reforma ampla dos modos de viver, sonhar, comunicar, pensar, ler e conhecer.

O senhor do saber, absoluto no universo iluminista do livro, não é mais um ser isolado, introspectivo e racionalista. Os adoradores da imagem, soberano na breve época da hegemonia audiovisual, também não são mais absolutamente sociais, extrovertidos e passionais.

O novo homem, nascido na confluência das tecnologias digitais da informação e comunicação, vive o universo real da pós-modernidade, com seus valores relativistas, niilistas, hedonistas, liberalistas e pragmáticos, como um ser destinado a criar novas formas de individualidade e de sociabilidade, de sensibilidade e de razão, de autonomia e de heteronomia.

Não há mais um modelo de indivíduo que sirva para enquadrar todos os seres humanos nem há um paradigma rígido para representar o movo modo de vida das sociedades pós-modernas. A relação dos homens com a informação não passam mais por estruturas hierarquizadas, oligopolizadas ou centralizadoras. Nem as formas de conhecimento não são mais estáticas, verticais ou lineares, já que os modos de ler e escrever mudam no ambiente digital e os processos de registro e disseminação do conhecimento não estão mais trancafiados nos espaços sagrados das bibliotecas.

As inúmeras possibilidades de comunicação e de interação, mesmo que mediatas, aproximam cada vez mais os homens e alavancam um sistema de envolvimento e de proximidade que parecem manter os laços humanos interligados permanentemente.

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Leandro Marshall é professor, escritor e jornalista